O relógio zomba de minhas rugas
Seus ponteiros pérfuro-contundentes
a escavar a alma
e gotejar do sangue a angústia
O relógio zomba das agruras
Pois mesmo que bomba exploda
O tempo não para.
Crava sua matemática existencial
Nos braços,
pernas e perdas
Duas horas,
o ângulo de noventa graus
sugere-me uma cadeira
o conforto da tarde
que caminha para o ocaso
O descaso da madrugada silenciosa
que é rasgada pela rajada de tiros
infâmia, medo e morte
discretamente despejada
nas encruzilhadas paradoxais.
Sigo adiante
pelo meio da calçada
risco com passos o caminho
titubeando sobre o mapa
de intenções
O relógio agora parou.
A bateria acabou
Os ponteiros morrem ambos
num mesmo lugar.
Homenageam a nostalgia.
Da saudade renovada
do que jamais ficou
E mesmo tendo ido embora
ficou fotografado na memória.
Ainda me lembro
do cheiro de jaboticaba
Das folhas de outono
crepitando no vento
Das pétalas despindo
as flores no jardim
E o verão a tostar-me
deixando-me vermelha e abrasiva.
O relógio, o calendário e
a agenda
marcam, remarcam, desmarcam
são datas, horas e vidas
na eternidade secreta
dos detalhes.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 09/09/2016
Alterado em 12/11/2016