Caligrafia torta
Não só poeta de nascença.
A vida me fez poeta.
Foi arma de sobrevivência
Pus-me a escrever, a vomitar sentimentos
a escorraçar semânticas
e, então, a poesia foi a catarse
que me permitiu sair livre
da prisão cruel do cotidiano.
Das velhas ciladas das relações
Do binômio gangorra
de ser ou não ser.
de ter ou não ter
de pertencer ou não pertencer.
Não sou poeta
Torno-me viciosamente poetisa
a fazer ilações líricas
com manchetes de jornais
e bulas de remédio.
Agite sempre antes de usar.
Pulou do alto do edifício e caiu
na morte.
As vezes as águas mansas do mar
ensinam-me a caligrafia doce
da maresia e da ressaca
E o múrmur da consciência
a lapidar as pedras
a cultivar mariscos, ostras e
pérolas.
Não sou poeta por acaso.
Nem sou do destino invesado
No avesso de minha alma
há bordados enigmáticos,
há flores que não conhecem primaveras,
há geleiras indevassáveis
que não conhecem invernos.
E há o calor da consciência
a queimar a phênix
Deixando cinzas poéticas
e lirismo- fuligem espalhado no ar.
Não sou poeta.
A poesia me atropela e me absorve,
entra-me nos poros e nas entranhas
Faz um parto ao contrário
E, então nascida de mim mesma.
Na contração peristáltica da dor
e sofrimento.
Reapareço renascida
Leve, límpida e plena
Feito a linha desenhada do horizonte
a esperar a caligrafia torta
da humanidade.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 03/09/2016