Metade de mim é corpo
palpável, sólido e contundente.
Metade de mim é alma,
etérea, abstrata e esvoaçante.
Metade de minha cabeça é cartesiana.
Faz malabarismos aritméticos para sobreviver
as inequações da vida.
Metade de mim é lacaniana,
solta no abismos os valores e os signos
na esperança que decifrem a emoção.
Metade de mim, veste roupa, olha o relógio,
rege aulas, dita regras...
A outra metade, se despe, esquece do tempo,
torna-se aprendiz e viola todas as regras.
Metade de mim são reticências
e a outra metade é o ponto final.
É o limite fatal.
É a última frase.
O último fonema.
E não pede socorro.
Metade mim, acredita na morte.
A outra metade sonha que há eternidade.
Há eternidade na morte.
E metades inteiras perdidas de suas orígens.
Metade de mim é transcendental.
A outra metade é pobre e ocidentalizada.
De raízes profundas, suburbanas e moralistas.
Cobre vergonhas.
Silencia diante enxovalhos.
E estica os olhos até o chão.
Como se estivessem no ramadã.
Qual metade prevalece?
Não sei.
Não me preocupa.
Sei que as metades se complementam.
Formam paradoxos e evoluções.
Geram coágulos e comichão.
Metade de mim conhece a realidade sensível,
a outra metade apenas imagina.
E todas as ciências especulam e esgrimam
enquanto eu apenas suspeito.
Da verdade faceira dos dias.
Do clarão obscuro das descobertas.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 19/02/2016
Alterado em 22/02/2016