O Ensino do Direito no Brasil
O ensino do Direito no Brasil sofre de problema historicamente recorrente, permeado de crise de identidade, estrutura e adequação a uma realidade contextual de uma sociedade em dinâmica evolução e complexa. O Direito contemporâneo vivencia impasses que exigem muito de todos que pretendem atuar na seara jurídica.
Infelizmente o Direito ensinado no meio acadêmico brasileiro segue sendo essencialmente dogmático,demasiadamente preocupado com o direito positivo, e cujo objeto é pautado legistivamente e repassado numa lógica meramente cartesiana.
Ao aluno se deve assegurar o conhecimento de leis e costumes para somente em nível de pós-graduação compreender verdadeiramente o Direito sob perspectivas ética, sociológica, filosófica epolítica, e ainda, de cunho crítico e discutir cientificamente a construção do Direito.
E, nesse momento, ergue-se um enorme abismo que tanto divorcia a prática positivista da reflexão científica do Direito no Brasil. Os operadores de Direito compreendem o ordenamento jurídico como onisciente e onipresente capaz de reunir todas as respostas necessárias e escorreitas para a resolução dos conflitos.
É óbvio que tal ótica positivista e normativista eivada de princípios paradigmáticos só transmite as premissas básicas num sistema defasado e esquizofrênico, onde a informação é estruturada de forma esteriotipada e padronizada passada de forma fragmentária em uma série de dados cujos conteúdos não têm vinculação entre si.
O operador de Direito normalmente sofre de espécie cárcere intelectual pois a este é legado apenas uma reflexão burocratizada sem poder ponderar a complexidade social e filosófica cada vez mais latente na realidade sócio-política e econômica do Brasil.
A crença de que o Direito está em todas as partes e que eles, enquanto “doutores” poderão reivindicar esta ubiquidade traça um comportamento limitado em seu aspecto crítico, apoiando-se tão-somente nas premissas positivadas em leis ou costumes e, corroboradas ou esclarecidas pela jurisprudência dominante.
A hipercomplexidade do Direito enquanto fenômeno social e falta de perspectiva transdisciplinar do ensino jurídico faz perder o objetivo de formação de profissional capaz de pensar criticamente e cientificamente se habilitando a ser transformador da realidade brasileira.
Debater os efetivos valores substanciais do Direito, promover a apuração da interpretação multidisciplinar e fugir da matemafiticação da aplicação da lei ao caso concreto parece ser um caminho as ser seguido e se apóia principalmente na necessária formação jurídico-filosófica sempre compatível com a defesa da dignidade da pesssoa humana.
O maior objetivo das instituições deverá ser possibilitar o desenvolvimento desta concepção, para que se construa a capacidade dos operadores do Direito de pensar e agir de forma transformativa na sociedade como um todo, ou seja, tendo em vista uma perspectiva mundial. Preocupando-se em construir uma cidadania efetiva e eficaz.
Evidentemente a lógica da generalização aristotélica que é norteadora da reflexão e formação da racionalidade científica, deverá sofrer a indispensável ruptura epistemológica para a superação da crise, através da prática extraordinária de uma ciência baseada na lógica da diferenciação.
Há de se enxergar o Direito como prática social interpretativa, argumentativa e aplicativa, capaz de inserir o operador do Direito no mundo, credenciando-lhe como transformador da realidade através do fenômeno jurídico .
Precisamos libertar os operadores de Direito do comportamento típico de sacerdotes da dogmática, para almagamar novos paradigmas diretamente relacionados como ensino, com a forma vigente de “ver e entender” o mundo, elaborando sincreticamente uma nova epistemologia jurídica.
A discussão das diretrizes curriculares do Curso de Graduação em Direito já propostas pelo MEC prevê que dentre as habilidades e competências pelo mons devem conter: leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas; interpretação e aplicação do Direito; pesquisa e utilização da legislação, jurisprudência da doutrina e de outras fontes do Direito; utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica; julgamento e tomada de decisões; domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direto .
A exigência mínima de capacidade de intérprete em um currículo baseado em habilidades e competências delega ao operador do Direito a indispensável reflexão crítica dotada de capacidade de manusear e interagir com vários instrumentos inclusive de utilizando a técnica jurídica e sua linguagem a fim de ter elaborar pesquisa, interpretação e aplicação adequada do Direito com relação à realidade social.
Urge a reformulação das grades curriculares dos cursos jurídicos principalmente para adequar o projeto político-pedagógico do curso com as diretrizes capacitadoras para compreender a sociedade complexa, pluralista e multicultural que contemporaneamente propõe conflitos e impasses tão delicados.
O multiculturalismo integrado ao Direito está fundamentalmente ligado a uma nova concepção de direitos humanos fundamentais. Vários fatos históricos impactaram o conceito de direitos humanos fundamentais desde da queda do muro de Berlim, o término da guerra fria, a perestroika, as descobertas científicas ligadas à biologia e genética, as novas tecnologias de comunicação e segurança o que também acarretaram sensíveis influências no conceito moral sobre o respeito à dignidade da pessoa humana.
A própria legitimidade de promoção e defesa dos direitos humanos é fundamento de uma vasta gama de movimentos sociais e de organizações não-governamentais que reformulam constantemente os conceitos de justiça e de cidadania.
O próprio papel do Estado-nação encontra-se em nova construção no cenário mundial, onde a globalização hegemônica dificulta a atuação cosmopolita dos direitos humanos. Desta forma, os organismos internacionais estão atuando sob duas frentes, um de aspecto local e outro em aspecto global. E são essencialmente interdependentes.
Um dos modelos que devem ser desmistificados é o modelo de racionalidade ocidental por René Descartes de cunho matemático e eminentemente dualista.
Evidentemente que toda a ciência ocidental desenvolveu-se a partir dos pressupostos cartesianos, dentro da lógica do cogito ergo sum , em que no pensar racionalmente está a existência do indivíduo, logo, se não há a comprovação pelo método do pensar, não há existência propriamente.
Há de se abortar o discurso sobre o entendimento seja válido, faz-se necessário sua comprovação empírica, sua demonstração objetiva calcada na prova objetiva. Dessa forma, legitima-se um paradigma. A nova configuração mundial pautada pela revolução tecnológica da informação, na crise econômica do capitalismo e do estatismo e no apogeu de movimentos sociais e culturais trouxe uma nova estrutura social dominante, a sociedade em rede, uma economia infomacional e global e a cultura da virtualidade real.
É fundamental a transição epistemológica da ciência contemporânea, a partir da reflexão do multiculturalismo e os fundamentos de sua compreensão. Reconhecendo o outro como sujeito, e sujeito de direito. Desencadeia-se uma reação na recompreensão da pessoa humana, da sociedade, do Estado e basicamente da ciência.
Do ensino do Direito exige-se uma reconfiguração de seus pressupostos epistemológicos , através de inserção de novas disciplinas que possibilitem ampliar a reflexão crítica e construir forma dialogal de pesquisa entre as disciplinas no intuito de proporcionar ao intérprete a capacidade de trabalhar com mais de uma fonte (seja a lei, a doutrina, a jurisprudência) e promover a reflexão sobre o objeto de estudo.
A sociedade contemporânea passa inegavelmente por transformações drásticas o que exige da ciência e do conhecimento humano melhor compreensão da crise estrutural do Direito no Brasil e de se tematizar as cruciais questões sobre a interpretação do Direito e a complexidade do fenômeno jurídico.
Referências:
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FALCÃO, Joaquim Arruda. O método e a reforma do ensino jurídico. Contradogmática. Santa Cruz do Sul: FISC. ALMED, VI. 2/3.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 21/11/2015