"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos

Apreciações sobre a coisa julgada em face do Novo Código de Processo Civil. Parte 3.

É fato que a natureza jurídica das questões prejudiciais é extremamente Battaglini; como condição de procedibilidade, para Alfredo De Marcico; como condição da ação, para Paulo Lúcio Nogueira.

Com Antônio Scarance Fernandes que vê na prejudicialidade uma forma de conexão: “A prejudicialidade como vem sendo acentuado, se caracteriza por ser uma relação entre duas figuras, a prejudicial e a prejudicada, sendo que esta depende lógica e necessariamente daquela”.

É trivial a afirmação da doutrina no sentido de apontar que o CPC brasileiro seguiu o modelo italiano, consagrando o trinômio processual constituído pelos pressupostos processuais, pelas condições da ação e pelo mérito da causa.

Porém, reconhecemos que uma sistematização mais simples teria optado pelo binômio processual formado pelos requisitos de admissibilidade e pelo mérito da causa - adotada normalmente quanto aos recursos - ou pelos pressupostos processuais e pelo mérito da causa , desde que nos pressupostos processuais fossem incluídas as condições da ação, a exemplo do que ocorre no processo alemão e português.

O indigitado trinômio sugere a ideia equivocada de que seriam apenas três ordens de matérias sujeitas à apreciação do juiz; uma que se refere ao processo - os pressupostos processuais; outra questão, relativa à ação - as condições da ação; e uma outra que corresponderia à questão de fundo do processo - o mérito da causa.

Quando um dos litigantes, seja o autor ou o réu, faz uma alegação, como por exemplo, o descumprimento de uma cláusula contratual, pagamento da dívida cobrada em juízo, abandono material, dizemos que há um ontoprocessual ou, simplesmente, um ponto.

Segundo Celso Neves existiria em verdade um quadrinômio formado pelo pressuposto processual, pelos supostos processuais, pelas condições da ação e pelo mérito da causa.

Diz Celso Neves: "Restrito o pressuposto processual ao exercício do direito de ação, sem o qual não pode ter existência a relação jurídica processual dispositiva ou supostos processuais envolveriam os requisitos de validade do processo, permanecendo as condições da ação no plano das circunstâncias que tornam possível o exame do mérito".

O legislador brasileiro permitiu ao juiz o conhecimento de determinadas matérias independentemente de alegação, e portanto, de impugnação. As matérias cognoscíveis de ofício, não alegadas e não impugnadas, são também questões por força de lei.

Obviamente a principal questão do processo é a questão de mérito, descrita no pedido, e não na causa de pedir (que só serve para individualizar o pedido, conforme a teoria das três identidades, a colhida integralmente pelo CPC brasileiro no art. 301).

O pedido fixa o principal ponto duvidoso do processo, também conhecido como objeto litigioso do processo, thema decidendum , questão de fundo, fundo do litígio, res in judicium deducta, pretensão (ou afirmação de direito material), lide de mérito, lide, questão de mérito, meritum rei, meritum causae, mérito da causa, ou simplesmente mérito.

Dinamarco discorre longamente sobre o mérito preferindo usar como sinônimo deste, a expressão objeto do processo e não objeto litigioso do processo, conforme o faz também Liebman. Aliás, o mesmo doutrinador paulista chama atenção para o fato que o CPC nem sempre fora fiel integralmente ao enunciado na Exposição de Motivos.

O vocábulo lide tem algumas vezes, em diversos dispositivos, sentidos e significados diferentes daquele programado. Nas locuções como denunciação da lide, por exemplo, ou curador à lide, tal vocábulo está, conforme o uso tradicional, por processo e não como anunciado na Exposição de motivos.

Essencialmente compete ao juiz decidir a questão de mérito, impressa normalmente no pedido do autor. Mas, antes de enfrentá-la, há outras questões que deve o juiz decidir, e são chamadas de questões prévias e caracterizam-se pela indispensabilidade de sua resolução para que outras questões possam ser examinadas e decididas.

As questões prévias por sua vez podem ser classificadas como questões preliminares ou questões prejudiciais embora Dinamarco prefira chamar as prejudiciais de questões de mérito, de acordo com o tipo ou o teor de influência exercido sobre as questões posteriores.

Barbosa Moreira comenta: “a solução determinada questão pode influenciar a de outra, tornando dispensável ou impossível a solução dessa outra; ou predeterminando o sentido em que a outra há de ser resolvida”.

Há, portanto, dois tipos de influência que as questões prévias (sejam subordinantes ou vinculante) podem exercer sobre as questões posteriores (subordinadas ou vinculadas).

No que respeita às questões preliminares pode-se dizer que; a) a decisão da questão preliminar condiciona a apreciação da questão posterior, mas a decisão da questão preliminar não influência no teor da decisão da questão posterior.

Quanto às questões prejudiciais pode-se afirmar que a decisão da questão prejudicial influencia no teor da decisão da questão posterior, porém, a decisão da questão prejudicial jamais condiciona a apreciação da questão posterior.

No caso da ação reivindicatória, suponhamos que o réu alegue ser o único proprietário do bem reivindicado, negando, ipso facto, a titularidade do autor.

Tal questão, agora, será prejudicial, porque a decisão sobre a propriedade do imóvel não poderá impedir o juiz de decidir sobre a questão de mérito, mas definirá, em boa medida, o seu resultado; considerando-se o réu o proprietário, o pedido será julgado improcedente; ao contrário, definido o autor como proprietário, o pedido, em princípio será julgado procedente.

No caso da ação para cumprimento de contrato, alegando o réu que o contrato não existe, formar-se-á provavelmente uma questão prejudicial, posto que o juiz necessariamente decidirá a questão de mérito, julgando o pedido improcedente, se considerar que o contrato não existe, ou eventualmente procedente, se considerar que o contrato existe.

Note-se que o julgamento da questão posterior pode influenciar por mais de uma questão prévia. Na prática, o juiz pode entender que a parte é legítima, mas declarar que haja falta de interesse de agir; pode também, por outro lado, reconhecer que o contrato existe, ao contrário de que afirmara o réu, mas considerá-lo nulo.

Assim as questões prejudiciais são normalmente examinadas incidenter tantum , isso é, apenas como passagem obrigatória do iter lógico da verdadeira decisão.

As questões prejudiciais à questão de mérito são apreciadas na fundamentação da sentença, não transitando em julgado, a não ser que se promova uma ação declaratória incidental, pois, aí, a integrarão não só a fundamentação, como o dispositivo da sentença;

Tratou o novo código que a questão deve ser decidida expressa e incidentalmente e antecedida de contraditório prévio e efetivo é muito pouco para que se evitem as interpretações divergentes e as indesejáveis surpresas na prática do foro.

Tratou também que a extensão da coisa julgada fosse condicionada a que o juiz fosse competente para conhecer das duas questões, seja a principal e a subordinada, de modo a se evitar que a regra trouxesse prejuízo à especialização material estabelecida pelas regras de competência, ou mesmo que eventual declaração incidental de inconstitucionalidade em ação civil pública pudesse adquirir efeitos similares aos da ação direta de competência do Supremo Tribunal Federal.

Quando condicionamos a inclusão da questão prejudiciais no campo das estáveis a partir do trânsito em julgado ao contraditório prévio e efetivo, estamos exigindo que a parte interessada atravesse petição nos autos, ainda que isso seja feito no curso do processo?

Assim há a implícita necessidade de assinalar prazo para resposta específica, com advertência quanto aos potenciais efeitos do silêncio.

Seria mais adequado exigir que a indicação expressa da questão prejudicial como ponto controvertido, seja no saneamento ou em momento posterior (devendo ficar assegurado, nesse último caso, o direito à prova) para que o contraditório a respeito realmente tenha condições de ser exercido em sua plenitude.

Outro busilis é o da fluidez do texto impede a prévia determinação das espécies de questões prejudiciais que podem ser alcançadas pela coisa julgada.

A rigor, a coisa julgada considera a unidade estrutural mínima da demanda. Pois nem toda questão prejudicial tem capacidade de ser levada em juízo em via autônoma, ou seja, nem toda questão prejudicial no sentido lógico, pode se constituir em uma causa prejudicial que possa ser apreciada pelo juiz.

A ampliação da imutabilidade da sentença deve ser cuidadosamente estruturada, de maneira a assegurar um grau maior de harmonia e pacificação social.

Deve-se para melhor conduzir a causa, formalizar a fixação da controvérsia sobre a questão prejudicial ainda na fase instrutória, mesmo que por decisão posterior ao saneamento, pois isso assegurará a efetividade do contraditório; circunscrever a formação da coisa julgada sobre a questão prejudicial que diga respeito à existência, inexistência ou modo de ser de relação jurídica, para que somente sejam protegidas pelo julgado aquelas questões  que poderiam ter sido objeto de demanda específica; limitar a indiscutibilidade á questão decidida no mesmo sentido do pedido principal, pois isso evitará que a parte vitoriosa tenha necessidade de recorrer da sentença que lhe deu razão.

Segundo Luiz Dellore trata-se de um problema mais estrutural e cultural. Vivemos a clara transição entre o meio físico e o meio digital que se reflete no processo judicial (será possível leilão virtual bem como a realização de audiência virtual).

O processo eletrônico se afirma crescentemente como realidade. E, nessa perspectiva a Exposição de Motivos do novo CPC já afirma que o novo sistema permite que cada processo tenha maior rendimento possível. Assim, e por isso, estendeu-se a autoridade da coisa julgada às questões prejudiciais.

Visando três dispositivos que não passaram por quaisquer alterações de conteúdo, sendo aprovados no Senado havendo somente alteração na numeração de artigos.

Constata-se também que o novo CPC extinguiu a figura da ação declaratória incidental, e traz, como nova regra, que a coisa julgada também abrangerá a questão prejudicial. E isso desde que tenha havido decisão do magistrado a respeito da questão prejudicial, mas sem qualquer pedido das partes.

Conclui-se a ampliação dos limites objetivos da coisa julgada, portanto a coisa julgada cobre o dispositivo e a questão prejudicial de imutabilidade.

Um dos clássicos exemplos de questão prejudicial é a ação de investigação de paternidade em relação aos alimentos, poder-se-ia afirmar que a alteração é adequada e prestigia a celeridade, e evitando discursões laterais e desviantes e futuros processos.

Contudo, no cotidiano forense, a questão pode ser mais complexa, que a rigor, pouco se encontra a discussão da paternidade como prejudicial da ação de alimentos, visto que em regra, ajuíza-se a investigação de paternidade cumulada com o pedido de alimentos.

Indiferentemente da complexidade da causa muitas vezes há diversos argumentos levantados pelas partes no decorrer do processo que podem ser classificados como questão prejudicial, mas a respeito dos quais pouco ou nenhum debate existe.

É o caso da discussão de nulidade de cláusula, nulidade do contrato, objeto ilícito, questões relacionadas aos poderes exercidos por quaisquer das partes, violação de cláusulas etc. Independentemente da profundidade da cognição, tais questões acabam sendo apreciadas pelo juiz na sentença, mesmo que de forma breve.

Mas, se o pedido for o cumprimento de uma determinada cláusula e houver a alegação de que o contrato foi celebrado por quem não tinha poderes para tanto, é possível que a sentença venha a declarar isso com força de coisa julgada, sem que qualquer das partes tenha formulado pedido nesse sentido. E, talvez seja surpreendente para ambas.

Qualquer alegação de nulidade contratual por mais simples que seja, poderá ter consequência na formação da coisa julgada.

Há também outro busilis quando o juiz decidir a questão prejudicial apenas na fundamentação da sentença, e mesmo assim será coberta pela coisa julgada. E nesse caso, até mesmo a fundamentação estará coberta pela coisa julgada?  

Com isso, o grau de insegurança jurídica para as partes e para terceiros aumenta consideravelmente.

É fato que o efeito poderá ser mais complexo quando se tratar de processo coletivo , posto que possa surpreender a todos os litigantes.

Em processos coletivos, a jurisprudência dos Tribunais Superiores brasileiros pacificou-se no sentido que é possível discutir a constitucionalidade em tais demandas, desde que pela via incidental. Exatamente porque não é possível uma decisão coletiva que decida com força de coisa julgada a respeito da constitucionalidade - sob pena de usurpar a função do STF em uma ação do controle concentrado de constitucionalidade.

E resta uma dúvida se a declaração de inconstitucionalidade, em caráter incidental, essa declaração erga omnes de inconstitucionalidade vai ser coberta pela coisa julgada? Ou seja, toda ação civil pública será uma ação declaratória de inconstitucionalidade? Seria a completa subversão do já complexo controle de constitucionalidade brasileiro.

Assim, a ampliação dos limites objetivos da coisa julgada não parece ser uma solução adequada - especialmente se, da forma como posta, ocorre sem pedido de qualquer das partes.

De forma simples, podemos definir a coisa julgada como a imutabilidade e indiscutibilidade da sentença, em virtude do trânsito em julgado da decisão. Que são qualidades constantes da definição positivada da coisa julgada.

A imutabilidade corresponde como consequência à impossibilidade de rediscussão da lide já julgada, o que se dá com a proibição de propositura de ação idêntica àquela já decidida anteriormente? Este seria o aspecto negativo da coisa julgada.

A indiscutibilidade tem o condão de fazer com que, em futuros processos, a conclusão a que anteriormente se chegou seja observada e respeitada. Este seria o aspecto positivo da coisa julgada.

A coisa julgada é, seguramente, um dos temas mais complexos do direito processual. Realmente são raros e poucos os pontos de concordância em doutrina, e não há consenso nem mesmo quanto à nomenclatura e conceito do instituto.

Liebman que era um dos maiores estudiosos do tema, já afirmava que a coisa julgada é um misterioso instituto, e Barbosa Moreira aponta que os problemas crescem na mesma proporção em que os juristas se fadigam na procura de soluções.

A coisa julgada ou quieta non movere (que em tradução tosca seria não mexa com quem está quieto). Mas derivou do brocardo que deu origem à expressão stare decisis é assim redigido: stare decisis et non quieta movere.

Calmon de Passos foi o doutrinador que muito bem discorreu sobre o tema, e deixou in litteris a lição:
              "Questão é toda controvérsia que se constitui no bojo de um processo. Controvérsia a respeito de fato (questão de fato) ou relativa a direito (questão de direito)”.
GiseleLeite e Denise Heuseler
Enviado por GiseleLeite em 31/03/2015
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