"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos


Violência cotidiana e escolar. parte 3

Cabe assinalar ainda que o processo de exclusão não se dá apenas em nível simbólico. A sociedade atual é excludente e promove essa exclusão em três níveis: econômico, social e legal.

A crise dos anos oitenta e noventa promove uma exclusão econômica ao gerar desemprego, recessão e marginalização em massa. Não há postos e salários estáveis, a mão de obra é terceirizada e o trabalho não define mais as trajetórias da vida.

A exclusão social e legal ocorre quando um grupo de pessoas da sociedade civil tem, enquanto cidadãs, seus direitos sociais e legais negados.

A modernidade, ao romper com estado de bem-estar social, promove a exclusão social, a ruptura de laços sociais e o deslocamento das populações vulneráveis para a periferia.

Certas pessoas não conseguem ser incluídas e ter seus direitos assegurados. Mais do que isso, essas pessoas são percebidas como perigosas e se recomenda que sejam mantidas a distância.

Conclusão

Em uma sociedade em que tudo é possível, em que os estilos de vida podem ser mudados, e as regras, constantemente substituídas e renegociadas, o suposto é que a tolerância ao outro deve nortear as relações entre as pessoas. O esperado é que o pluralismo de códigos de conduta, de estilos de vida e padrões morais caracterize a vida em sociedade.

Porém, na sociedade atual, o compartilhar, aceitar ou mesmo tolerar o diferente tem limites restritos. As relações entre as pessoas são caracterizadas por processos simultâneos de integração comunitária e de fragmentação social.

Na escola, os alunos são classificados e em função dessa classificação, excluídos e/ou incluídos. As diferenças são aceitas desde que mantidas a distância. Há um comportamento público de evitar o outro que por ser diferente, provoca medo.

Evidentemente, as explicações para a violência de alunos na escola não são simples: relacionam-se à forma de organização da escola, aos métodos didáticos que são empregados, aos procedimentos institucionais aplicados e ao significado que a escola assume para os alunos.

Elas se relacionam também ao processo de atribuição de identidades e à sua essencialização, do mesmo modo como se relacionam à violência social que, como diz Dubet entra na escola pela pobreza, pela marginação, pela delinquência e pelo prolongamento da idade de escolarização obrigatória - situação que é agravada pelo desemprego, pelo tráfico de drogas, pelo crime organizado, pela miséria, pela concentração de renda e desigualdades presentes na sociedade brasileira.

Nas escolas, o discurso da importância do coletivo e da formação para a cidadania predomina. Todavia, como fazer isso em uma sociedade na qual o individualismo é a regra? Ou, como pergunta Martuccelli, como querer moral e ética como norteadores em uma sociedade na qual os significados devem ser constituídos por cada um?

A violência de jovens que acontece no âmbito escolar e fora dele está relacionada à exclusão social e à inclusão cultural, tanto material como simbólica, à falta de trabalho e à necessidade de consumo..

Enfim, cabe à escolha reconhecer o desencontro entre esta e as populações excluídas, procurar construir uma escola menos estigmatizante em relação aos alunos, preservando sua dignidade.

Ainda que os alunos das escolas que estudamos, em geral, só sejam encaminhados as profissões mais desqualificadas, essa trajetória não precisa ser acompanhada por um processo de estigmatização e desvalorização deles enquanto pessoas.

Agir para que se construa uma relação baseada no respeito é, parece-nos, uma condição fundamental para que se possa reduzir a violência no contexto escolar e mesmo fora dela.

A palavra violência pode nos trazer imediatamente sua pluralidade semântica e a dificuldade de definição. Porém, buscando seu núcleo semântico, através da própria etimologia que advém do substantivo violentiae e significa veemência e impetuosidade e remete a vis, que significa força, do mesmo modo que o termo grego correspondente também poderá significar força vital.

A etimologia mostra, portanto, um componente que pode ser estendido para o mundo vital não humano e até mesmo para os fenômenos físicos, como é o caso da força do mar ou de uma tempestade. Já num aspecto antropomórfico, o substantivo violentia está ligado ao verbo violare, de onde provém violar significando também infringe, transgredir, profanar, tratar com irreverência coisas sagradas, devassar, como em violar um segredo. Também significa transgressão.

Numa breve viagem etimológica mostra-se a vinculação do termo violência com as ideias de transgredir e de profanar, o que evidencia a sua relação essencial com o normativo e o sagrado, e, desse modo, com aquilo que o pensamento grego diagnosticou como a falta de medida, desmensura e o excesso que habitam o homem e o faz transgredir a medida verdade, a justiça e as leis divinas que expressam a ordem sagrada do mundo.

A etimologia parece indicar que a violência tida como transgressão e profanação refere-se a um fenômeno não tanto da natureza phisis, mas próprio da cultura (ethos). A segunda ideia é que a violência humana pode ser considerada um paradoxo.

Posto que vinculada a uma condição antropológica fundamental, sendo portanto, um fenômeno especificamente humano e se o que define o essencialmente humana, é a cultural, então a violência está intimamente ligada à cultura; se chamamos de cultura é uma construção material e simbólica complexa que emergiu da evolução como estrutura necessária para compensar e ultrapassar o déficit biológico de nossa espécie e seu decorrente desamparo psicológico.

A cultura então produz simultaneamente as condições da vida e da violência, ou seja, estranhamente parece negara si mesma.

Se cultura nega a si mesma, o que seria uma absurda contradição, a partir da qual a cultura se autoafirma e se transforma e se a violência é um elemento constitutivo dessa dialética interna da cultura, o desenvolvimento histórico da cultura humana o que podemos comodamente designar como processo civilizatório, não pode ser interpretado como um progresso linear que deixa a violência para trás como um estágio primitivo e residual da animalidade do homem.

A violência e civilização não são excludentes mas ao revés se relacionam intimamente. E incrementada pelo crescimento econômico, o desenvolvimento técnico, as conquistas políticas e jurídicas, a dominação da natureza, a racionalização do mundo, enfim, tudo aquilo que caracterizamos e consagramos como o progresso moderno não elimina sozinha a violência, uma vez que está não é um mero resíduo da agressividade anima, e nem da suposta vida primitiva. É antes uma condição antropológica e uma possibilidade inerente da civilização.

Quando o ocidente atribuiu certos surtos chocantes de violência, seja numa perspectiva etnocêntrica que seja adotada do esquecimento da história recente. A conjunção da tese da violência como paradoxo antropológico não teria implicações éticas desastrosas.

A violência é inerente ao ser humano e não há nada que possamos fazer, e todo esforço de transformação histórica e de luta política tem se revelado inútil. É uma constatação trágica, é um paradoxo antropológico que se ergue contra a ingenuidade da posição iluminista, que não conseguia explicar a violência que eclode no coração do mundo civilizado.

Quando os judeus chegaram ao campo de concentração de Auschwitz, em cuja porta de entrada havia a frase que se tornou a palavra de ordem da racionalidade instrumental: "o trabalho liberta” , já se conclamava, "não pense, simplesmente funcione” , ele que estava mergulhado em sua perplexidade recebeu para sua pergunta.. o porquê?

Há de se confrontar a violência do real insistindo na possibilidade da hermenêutica... assim construiremos uma nova frase à porta... pense, interprete e se libertará da ditadura da força.

Uma das causas cruciais da violência contemporânea é a negação da diferença. Não reconhecemos o outro como pessoa. A modernidade inventada a partir do final do século XV necessitou padronizar, igualar os menos diferentes e excluir os mais diferentes, num processo de construção da identidade nacional e como essa rejeição, rebaixamento ou encobrimento do outro está na base de várias formas de violência típicas de nossos dias.

Esse processo narcisista de construção de nacionalidade sobre o outro, sobre a diferenciação e a exclusão do outro é um dispositivo mental da cultura moderna ocidental que pode ser acionado diante de situações complexas em momentos distintos da história.

A identidade nacional foi fundamental para a centralização do poder e para a construção das principais instituições modernas que nos acompanham ou nos perseguem até hoje, e sem as quais o capitalismo teria sido inviável.

O poder central dos exércitos nacionais, a moeda nacional, os bancos nacionais, o direito nacional uniformizador, especial o direito de família, de sucessões, o direito reais, a polícia nacional, as polícias secretas e a burocracia estatal as escolas uniformizadas e uniformizadoras.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 05/03/2014
Alterado em 06/03/2014
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