Não falo.
Eu tinha tanto a dizer.
Mas me calo.
Meus lábios estão amarrados.
Costurados, repuxados
e os fonemas foram sufocados
ainda na garganta.
Então cada palavra morre dentro de mim
como numa imersão profunda
como o avesso da cognição
um mergulho nos umbrais da ignorância
denso, pesado e negro.
Mergulho o corpo e alma.
Saio despida de corpo e
com a alma em farrapos.
Eu tinha tanto a lhe dizer.
Palavras, sons, gestos.. olhares
Minhas roupas tinham também
algo a lhe dizer.
Meus passos, meus meio-sorrisos.
E minha hesitação...
E, vem o medo e costura lentamente
meus lábios...
sutura a veia aberta do verbo,
perpassando entre o silêncio e o abismo.
E os significados vão sendo sugados
lentamente pelo tempo.
Riscando sobre o batom...
a cor cinza que ora é negação do negro,
e ora negação do branco...
o meio-tom de coisa alguma.
É a meia-luz que embaça a visão
e retira o viço das imagens.
Eu tinha tanto a verbalizar.
A materializar... a gritar
para pedir socorro,
para pedir misericórdia
ou mera nesga de afeto.
Ou uma boa taça de ódio...
Qualquer atenção já me bastava...
Qualquer reação já acenava
que havia alguém no quadrante.
E vem essa realidade a me
costurar por dentro...
pespontar a semântica dos contidos,
em ponto de cicatrizes,
em ponto de cruz sem louvores
em crochet emocional e desatado.
Não tenho lágrimas a purgar
esse ácido que me corrompe
ferozmente.
De tudo que eu tinha a dizer.
Não restou mais nada.
Nem amor, nem ódio.
Nem pergunta e nem resposta.
Hoje só resta a indiferença dessas linhas
que sentenciaram o silêncio
e se encontram no infinito
amargo
de quem cala com dor.
E finalmente aborta a palavra
sangrando com o
dito da poesia.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 28/02/2014