"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos

A fidelidade partidária sob a ótica jurídica

          


E como se define a fidelidade partidária? Tal conceito ainda é mais intra-muros pois depende dos próprios regimentos internos







A complexa tradição político-ideológica brasileira mereceu poucas reflexões jurídicas. Doutrinadores  como Orlando de Magalhães de Carvalho, Themístocles Cavalcanti e Afonso Arinos de Mello Franco foram os que deixaram os mais significativos estudos sobre o tema.







O fenômeno dos partidos políticos tem sido examinado pelos pesquisadores e teóricos por dois ângulos: o primeiro, enfocando suas características como entidades discretas, ou isoladas, suas bases sociais, evolução histórica, programas, objetivos, métodos de apelo ao eleitorado.







E, doutro, como organizações formais ou estruturas do poder, ou seja, o estudo do partido como unidade de análise;







No segundo plano, os padrões de interação competitiva entre várias unidades partidárias, como bem colocou Duverger: “as formas e modos de sua coexistência( os sistemas partidários).







Aliás, os partidos e sistemas partidários possuem um inter-relacionamento bem íntimo e intrincado.







E como se define a fidelidade partidária? Tal conceito ainda é mais intra-muros pois depende dos próprios regimentos internos bem como de suas assembléias que decidem como o partido irá se comportar diante de determinadas proposições.







É óbvio que a identificação da fidelidade partidária não pode impedir a liberdade de pensamento e expressão e, pode haver casos de honroso silêncio no escopo exatamente de não perpetrar uma traição de princípios ideológicos e nem mesmo de cunho meramente político.







Mas, vamos mais devagar até a questão... a palavra partido passou a ser de uso comum no lugar de facção e passou a ser reconhecidos os efeitos benéficos do partido para a sociedade política.







Voltaire sintetizou bem a ambigüidade existente entre partido e facção quando afirmou na Enciclopédie: “O termo partido não é em si abominável, o termo facção sempre o é”







Desde do império romano (que somado a Grécia, corresponde ao berço da civilização ocidental) e até os nossos dias, os fatos históricos estão repletos de exemplos onde facções políticas eram nocivas ao bem comum das nações.











Voltaire definiu facção como um partido sedioso dentro de um estado. Mas nos confunde ao afirmar que o titular de um partido é sempre o líder de uma facção.







No terreno semântico, os dois termos não possuem o mesmo sentido, sendo o vocábulo facção mais antigo e derivado do verbo em latim facere(que quer dizer fazer) , e o substantivo factio foi usado para denominar um grupo político que visava  afazeres perturbadores.







Daí, o sentido pejorativo ligado aos atos e efeitos das facções, já partido descende etimologicamente do verbo latino partire(dividir ou partir) e não adquiriu conotação político até o século XVIII.







O termo com o mesmo sentido etimológico e que antecede a partido, é seita, que advém do latim “secare”(preparar, dividir ou cortar) com uma acepção restritiva, triunfando o vocábulo “partido” que transmitia mais a idéia de parte, desta um conceito analítico.







Em tal conjunção de parte e partido, temos duas dimensões conceitualmente opostas , uma que deriva de partir; e outra derivada de tomar parte ou compartilhar.







No século XVII a palavra seita estava ligada à religião e ao sectarismo protestante. Desta forma, a palavra partido assumiu na área política um sentido transmitido anteriormente pelo termo seita, o que reforça a idéia de cortar e dividir.







Nem Maquivael e nem Montesquieu não usaram propriamente a palavra partido apesar de fazerem explícitas referências às diferentes disposições da sociedade.







Tais autores realmente não tomaram o passo crucial da transição de “parte” para “partido” que consistia em conceber o partido como entidade objetiva, ou agência concreta, e desta forma mais facilmente distinta de facção.







Tal avanço teórico seria galgado por Burke, quase meio século depois de Montesquieu, para melhor compreendermos tal salto, precisamos considerar Bolingbroke, que foi o primeiro pensador até então a se preocupar ostensivamente com os partidos políticos.







Na acepção de Bolingbroke se torna um pouco ambivalente no conceito de partido conforme o caso dos partidos serem envolvidos na Grande Rebelião que resultou na Constituição de 1688, ou do “partido nacional” do qual ele fazia parte.







Este partido uniu temporariamente elementos de dois grupos tradicionais os whigs e os tories num esforço para acabar com o crescente poder do soberano Guilherme III.







Além disso, em 1701 exclui os ocupantes de cargos reais do parlamento inglês e suprimiu o Gabinete que emergia como uma ligação importante entre executivo e legislativo.







Pretendia o doutrinador um governo constitucional de unidade e harmonia. Portanto, ele se colocou contra os partidos políticos, pois sempre resultavam num governo de facção, sendo que os partidos estão enraizados em paixões e interesses, e, na razão. Sempre subvertem e ameaçam governos constitucionais.







Sua importância doutrinária foi consagrada por David Hume (1711 – 1776) logo se tornou um dos primeiros filósofos de renome a se preocupar com o assunto na obra “Of Parties in General”(1742).







Igualmente como Bolingbroke, Hume condena veemente “as facções que subvertem o governo, tornam as leis impotentes e criam animosidades mais ferozes que possíveis entre homens da mesma nação.”







Por outro lado, Hume é condescendente com relação aos partidos quando afirma que num governo livre talvez não seria praticável e nem desejável tentar abolir os  partidos. O ideal é quase o mesmo de Bolingbroke de pôr fim Às distinções odiosas no parlamento, e conceber uma tendência à coligações.







A contribuição mais relevante de Hume foi traçar a tipologia de grupos políticos, caracterizando mui particularmente os partidos.







Hume acabou aceitando os partidos políticos como uma conseqüência desagradável de um governo livre, mas nunca uma condição para a existência do mesmo.







Burke refina conceitualmente o partido e aproveitando as idéias de Hume, afirmava: “Partido é um grupo de homens unidos  para promover pela sua ação conjunta os interesses nacionais, através de algum princípio específico no qual estão de comum acordo.”







Os partidos são os meios mais apropriados para que os homens possam levar seus planos em comum a bom termo com todo o poder e autoridade do Estado.







Para Burke, partido é nitidamente diferenciado de parte, quer dizer uma entidade concreta, algo tão real agora quanto as facções. Benjamin Constant reconheceu que não podemos esperar excluir facções de uma organização política onde as vantagens da liberdade costumam a ser preservadas, mas nós temos que trabalhar para torná-las o mais inofensivas que possível.







O partido político moderno nas palavras de Hans Daalder pode ser descrito com um pouco de exagero como a cria da Revolução Industrial.







A solidificação dos partidos que significa o ponto de onde os partidos estão unificados não apenas por princípios comuns, mas também pelas vantagens eleitorais em se estabilizar. Outro elo de realimentação é o que segue do governo responsável para o responsivo.







Um sistema partidário é uma das estruturas do sistema político, e ao mesmo tempo um dos seus subsistemas.







Enquanto os partidos emergem na maré da primeira extensão do sufrágio, e o mesmo não se aplica ao estabelecimento do sistema partidário.







A estrutura do sistema partidário num sistema político amadurece somente quando a emancipação eleitoral e outras condições alcançam uma certa “massa crítica” e abrangem uma parcela substancial da nação.







Até a primeira Grande Guerra Mundial, os únicos dois escritores que trataram sobre partidos políticos foram exclusivamente Ostrogoski e Michels.







O fundador da sociologia, que foi Max Weber e sugeriu uma perspectiva histórica dos partidos.







A afirmação de que os partidos são canais de expressão, quer dizer que em primeiro lugar partidos são meio de representação. São um instrumento ou agência para representar o povo por expressar as suas demandas.







Para muitos, os partidos políticos porém, são débeis hoje em dia para desempenhar efetivamente  tal função de transmitir informações e preferências políticas, as pesquisas de opinião pública, por telefone, ou até por terminais domésticos de computadores centrais poderiam “medir” aparentemente bem, tais tendências.







Explicitou V.O .Key os “partidos políticos são instituições básicas para a tradução de preferências da massa em políticas públicas.”







Schattschneider por sua vez afirmou que o “único tipo de organização que pode traduzir em fato a idéia de governo majoritário é o partido político.”







Os partidos canalizam demandas na linguagem de Neumann, os partidos “organizam a caótica vontade pública”.







Também selecionam, agregam e finalmente desvirtuam e distorcem estas demandas ou, por extensão lógica, chegam a manipular a opinião pública. É notável a utilização despudorada do marketing no rincão político brasileiro.







Os partidos são canais de comunicação de mão-dupla, mas a conclusão de que o tráfego é igual, nas duas mãos , não é de fato, procedente.







Os partidos fazem, parte de um todo (que é o sistema político), desta forma, se o sistema é imaturo e ingênuo, também o será o partido. Participam os partidos de um todo plural e sistêmico, e acabam sendo mais canais de expressão do que propriamente de manipulação.







A unidade básica do partido é o núcleo ou a organização que visa a conquistar um só cargo eletivo. Os núcleos eleitorais se desenvolvem dentro dos eleitorados para os diversos cargos.







Tais núcleos partidários não são necessariamente entidades discretas e o desenvolvimentos destes está arraigado numa certa coesão que a fidelidade partidária tenta amalgamar.







Sendo certo que a fidelidade é item interno disciplinado pelos seus regulamentos e mesmo dentro de sua peça constitutiva, pois é o delineamento ideológico a marca registrada não só do partido político como instituição mas também, e sobretudo, como parte representativa dos anseios do povo junto ao poder.







A capacidade de representação está insofismavelmente ligada aos princípios ideológicos pelos quais os partidos políticos buscam o poder e se cercam de atributos e funções junto à sociedade civil e junto ao governo.







É fato que a transição de partido de oposição e partido situacionista é bastante clássica e contrastante, mas sendo possível, muitas vezes adotaremos os mesmos métodos para os objetos diferentes e até mesmo antagônicos.







Voltaire já enfatizava que se pode buscar a vontade política, bem como a verdade mais conveniente ao momento nas mais múltiplas formas, e, ainda assim não galgarmos a plenitude em satisfazer as mais cruciais necessidades quer da democracia, quer do povo.







A extrema fragilidade partidária do sistema político brasileiro se deve a uma cultura democrática ainda principiante e ofegante preocupada em evoluir mais aparentemente do que substancialmente.







Quanto maior a rigidez no controle da coesão partidária, menor será a inclinação democrática e interativa do partido político que corre o risco de restar sectarizado e atrelado aos interesses das facções dominantes ou apenas meramente poderosas na ocasião.







A pluralidade de orientação ideológica, comportamental e mesmo política é que torna legítima a representação dos diversos grupos sociais e dos interesses comumente colidentes.







Todavia, não é a fidelidade um elemento bastante valorizado com caracterizador dos partidos políticos, e a punição de sua violação possui mais um caráter administrativo e técnico do que exatamente político. Muitas vezes, não raro, o político punido por infidelidade partidária angaria simpatias importantes que trarão benéficos frutos em eleições vindouras.


De sorte, que a decisão de não punir os infiéis é muito mais política do que necessariamente pragmática.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 22/04/2007
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