"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

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Culpa e dano: os mais complexos conceitos do Direito Civil ( Parte 2 )
Continuação.......(parte 2)



Impallomeni ensinava: "Culpa é a inobservância de norma de conduta, tendo como efeito à lesão não desejada de direito subjetivo".

A doutrina italiana fala em omissão ou inobservância de diligência na apreciação dos resultados dos atos; ou na transgressão da norma de conduta. Emergindo lesão não proposital ou prevista na mente do causador.

Doutrinadores italianos enxergam a culpa como um "defeito della intelligenza", sendo uma cognição imperfeita ou incompleta, na previsão que está sempre presente à mente do homem normal.

Salemi assinala a complexidade do conceito de culpa e não se esgota na falta de inteligência, de vontade ou de diligência, mas na relação entre a psiche e o ato lesivo.

A culpa se revela quando o fato externo lesivo de uma norma jurídica se relaciona a um estado psíquico considerado legítimo pelo agente, mas ilegítimo pelo direito.

Mazeaud et Mazeaud nos alertam contra as definições que conduzem à negação da culpa como Saleilles e Demogue que confundem culpa com causalidade.

Ou a noção de Leclerq que a noção de culpa absorve a de prejuízo (culpa é toda a lesão à pessoa ou ao patrimônio).

Portanto, na responsabilidade civil, não há mais que dois elementos constitutivos: o dano e o nexo de causalidade, encontrando-se contemporaneamente a culpa suprimida e, assim, acaba-se se concordando com a teoria do risco.

Com a evolução doutrinária da responsabilidade civil, o conceito de dano se tornou mais relevante do que o conceito de culpa. Porém não mais fácil de defini-lo.

Para se definir a culpa, geralmente se decompõem a noção de dois elementos (um objetivo: a ilicitude) e, outro (subjetivo: a imputabilidade). O primeiro elemento tem sua fonte no direito romano. A lei Aquilia exigia definitivamente que o dano fosse injuria datum (causado sem direito ou contrariamente ao direito).

De qualquer maneira, o conceito de culpa sempre se viu as voltas de nebulosa tautologia, isto é, num vício de linguagem nada esclarecedor que define a mesma coisa por formas diferentes.Daí conforme o título do artigo ser um conceito complexo e não unânime.

A imputabilidade nada mais é que o atribuível, embora a maioria dos doutos entendem no sentido de capacidade de discernimento. A imputabilidade não tem valia para a definição de culpa, pois, tanto os capazes como os incapazes podem praticar o ato culposo.

Demogue encara a culpa de forma dependente da lesão de direito (condição objetiva) o fato de perceber que ela fere o direito alheio (condição subjetiva).

Planiol considera a culpa como infração a uma obrigação preexistente, e, distingue a culpa em categorias.

Emmanuel Levy considera a culpa a confiança legítima iludida; objetada pelos irmãos Mazeaud, pois alegam que desta forma seria um mero conselho ao legislador ao regular a responsabilidade.

Culpa delitual ou dolo é a falta intencional enquanto culpa quase-delitual ou culpa simplesmente dita é a negligência ou imprudência.

A culpa consiste em um erro de conduta. Sendo erro aquele procedimento que o tipo-padrão jamais adotaria.

Para os Mazeaud a culpa quase-delitual é o erro de conduta que não teria sido cometido por uma pessoa avisada, colocada nas mesmas circunstâncias externas do autor do dano.

Não há como delimitar o conceito de culpa sem ser a partir da noção do dever. A culpa não pode dispensar o elemento moral. E neste reside à reparação a quem praticou o ato ilícito.

A culpa jurídica difere da culpa moral. Não só por atuar em diferentes fóruns, pois para que esta possa ser estabelecida, é necessário que o agente conheça a norma impositiva ou proibitiva, saiba que certa atitude a viola e queira (vontade direta) ou permita (vontade indireta): imprudência, negligência ou indolência ou leviandade que o resultado doloso se efetive.

A culpa moral é eminentemente subjetiva. A culpa jurídica, entretanto, dispensa tais pressupostos, porque não é preciso que o agente seja ciente da norma imperativa ou proibitiva, como não é necessário o reconhecimento de que o ato a viole, nem a consciência dos resultados da violação.

Negligência é a omissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas às condições emergentes às condições que regem a conduta normal dos negócios humanos. É a inobservância das normas que nos ordenam operar com atenção, capacidade, solicitude e discernimento.

Consiste a imprudência da precipitação no procedimento, é considerado sem cautela, em contradição com as normas do procedimento sensato. É o desprezo das cautelas que devemos tomar em nossos atos.

Já a imperícia derivada de imperitia que significa incapaz, inábil, inexperiente traduz a falta de prática ou conhecimento que se mostrem necessários para o exercício de profissão, arte ou ofício.

Pontes de Miranda com autoridade sustentava: "A culpa é a mesma, para a infração contratual e para a delitual. O adágio in lege Aquilia et levissima culpa venit não significa que deva ser mais grave a culpa contratual. Ambas podem resultar de atos e omissões, atos ilícitos positivos e negativos”.

Carvalho Santos afirma que tanto a culpa lato sensu como as culpas stricto sensu possuem pontos em comum, pois ambas são violações de uma obrigação jurídicas.

Esmein afirma que tanto a responsabilidade contratual como as extracontratuais se fundam na culpa de conceito unitário.

Juan José Amézaga explica que a responsabilidade fundada na culpa é princípio de um gênero. Mas não encerra todo âmbito da responsabilidade civil.

Goblot em seu Traté de logique vê o valor da classificação da culpa está em função do uso que lhe é atribuído. Nem a responsabilidade contratual e nem a extrapatrimonial, não inclui a responsabilidade fundada no risco e nem pelo princípio de causalidade em oposição ao da culpabilidade.

Enquanto que a culpa contratual se estabelece em terreno definido e limitado, a extracontratual escapa às regras próprias do contrato, e se situa mais na conduta e no dano produzido.

É pertinente afirmar que a responsabilidade nasce fundamentalmente da culpa. Em tese, toda obrigação se origina da culpa, o que traz a prevalência da responsabilidade subjetiva.

Para Caio Mario “à conduta humana pode ser obediente ou contraviniente à ordem jurídica. O indivíduo pode conformar-se com as prescrições legais, ou proceder em desobediência a elas”. No primeiro caso, encontram-se os atos jurídicos... No segundo, estão os atos ilícitos concretizados em desacordo com a ordem legal.

O ato ilícito decorre da conduta anti-social do indivíduo, mas manifestada intencionalmente ou não, havendo comissão ou omissão, ou apenas por descuido ou imprudência. O ato ilícito nasce da culpa em sentido amplo, incluindo-se aí o dolo e a culpa propriamente dita, distinção irrelevante para a reparação do dano.

Hipóteses há em que a culpa é tão sutil e imperceptível que passa desapercebida.Sendo perigoso deixar ao arbítrio do indivíduo sua constatação.No caso do direito brasileiro, a responsabilidade fundamenta-se primordialmente na teoria da culpa subjetiva. Mas não foi abandonado o sistema objetivo, de qualquer modo os fundamentos unilateralmente aplicados, são insuficientes para a solução da realidade da responsabilidade jurídica.

A noção de culpa é insuficiente para dar cobertura a todos os casos de danos. O risco5 está na base de tudo, apóiam os objetivistas. Saleilles argumenta que é mais eqüitativo e, mais adequado à dignidade humana que cada qual assuma os riscos de sua atividade voluntária e livre.

A imputabilidade é elemento constitutivo da culpa, dela dependendo a responsabilidade. Para o ato seja reputado ilícito, urge que represente um resultado de uma livre determinação da parte de seu autor. O ato de proceder de uma vontade soberana.

Pressupõe que toda pessoa tenha consciência de sua obrigação em se abster da prática de uma ação que possa acarretar um prejuízo injustificado a outrem, atingindo a vida ou a saúde, ou a liberdade de alguém.

A imputabilidade diz respeito às condições pessoais de quem praticou o ilícito.Sendo o dano o centro da responsabilidade civil. O atual C.C tem o ato ilícito como fator de responsabilização, acarretador do vínculo da obrigação de reparação.

A culpa enfim, considerada ora com violação do dever, ora como falta inobservância ou ainda inexecução, ora como erro de conduta e, ainda de um caracterizador do comportamento antijurídico é sem dúvida alguma um dos mais complexos conceitos em Direito Civil, não obstante a crescente evolução da responsabilidade civil que encontramos nos sistemas jurídicos contemporâneos. Vista pelos alemães sob fundamentação moral ou pela ótica italiana de omissão e transgressão, a culpa é o elemento interno do dano e, abarca tanto o dolo (culpa delitual) e a culpa (a culpa quase-delitual ou propriamente dita).

Refugando da perigosa banalização do conceito de dano moral tanto a jurisprudência brasileira dominante como a doutrina tem cercado o perímetro legal para aferi-lo devidamente e, estipular reparação, aplicando-se a justiça a cada caso concreto e, particularizando-se a avaliação do bem jurídico ofendido.

De qualquer maneira, a exata conceituação tanto de culpa como de dano é um dos desafios ainda latentes no Direito Civil contemporâneo.

*1 O ato ilícito ferindo frontalmente o princípio de neminem laedere, configura a obrigação de indenizar prejuízos causados a outrem pela violação de deveres previstos ou ínsitos no ordenamento jurídico.
Defende-se modernamente a sanção de caráter social ou de pré-determinadas prestações em favor da vítima ou mesmo na realização de obras de interesse social.

Já Caio Mário da Silva Pereira localiza o ato ilícito na conduta humana que é contraveniente à ordem jurídicos. E ainda é jurígeno, pois tem o poder de criar faculdades para o próprio agente. O ato ilícito reúne em sua etiologia requisitos tais como: a conduta; a violação do ordenamento jurídico; a imputabilidade do agente; a penetração da conduta na esfera jurídica alheia.

Há toda espécie de ilícito seja civil ou criminal e não há em verdade diferença ontológica entre um e outro.

Aliás, convém ressaltar que a divisão da Ciência Jurídica em diferentes áreas atende tão-somente a critérios didáticos e, não a científico posto que nas palavras do eminente professor Celso A. Mello o direito é uno, e mesmo a distinção entre direito público e privado é imprópria e fracassada.
Mesmo assim, sublinhamos que na ótica do direito penal, o delito é um fator de desequilíbrio social e na ótica cível é um atentado ao interesse privado de outrem, e a reparação de dano é a forma indireta de se restaurar o equilíbrio perdido.

O direito romano não chegou a esboçar a noção abstrata de ato ilícito, e sim certos atos denominados como furtum, noxia et iniuria( furto, dano e injúria).Eram os ilícitos típicos sujeitos à pena civil e cuja responsabilidade era ex-delicto.

Sendo a diversificação entre dolo e culpa completamente inútil tanto que o direito brasileiro abandonou-a restando a idéia de transgressão de um dever. O conceito genérico de ato ilícito.

De qualquer maneira prospera francamente a responsabilidade sem culpa.

Orlando Gomes define como ação humana contrária ao Direito, denominando-o lato sensu, ato ilícito, mas toda condita ilícita do indivíduo não se configura necessariamente como ato ilícito.

É curial distinguir descumprimento de norma jurídica daquela conduta que lesa o interesse legítimo de outrem.

Também é importante verificar na caracterização do ato ilícito se a infração é direta e imediata de preceito jurídico.

É a culpa e antijuridicidade subjetiva que se constitui ao to ilícito.

Define o mestre baiano finalmente: ato ilícito é assim ação ou omissão culposa com a qual se infringe direta e imediatamente, um preceito jurídico do Direito Privado, causando-se dano a outrem.

*2 Pode-se genericamente defini-la como prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um negócio jurídico, resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes.

Há dois requisitos para sua caracterização: o objetivo que corresponde à desproporção ou o lucro exagerado; e o subjetivo correspondente ao dolo de aproveitamento que se configura nba circunstância de uma das partes aproveitar-se das condições me que se outra a outra parte.

O repúdio ao lucro exagerado é o mesmo que é deferido aos altos juros (usura) e ao anatocismo (a capitalização dos juros), aliás, é crime contra a economia popular (Lei 1.521/51).

* 3 Referindo-se ao elemento essencial para a caracterização do ato ilícito, à violação da norma, diz Petrocello (L’Antigiurdicità) a velha questão de se saber se o ilícito constitui uma violação do direito objetivo ou de direito subjetivo, acha-se, hoje, totalmente ultrapassada.

Considerando a doutrina alemã, diz Enneccerus que “os atos contrários ao direito, quase sempre culposos, dos quais resulta ex lege uma conseqüência desvantajosa para seu autor, dividem-se: delitos; infração de obrigações pessoais e caducidades”.

Messineo define o ato ilícito do ponto de vista privado , como ato voluntário praticado contra uma norma legal, que causa dano a outrem e, em conseqüência, importa, para quem o praticou, o dever de ressarcir o dano causado. O ato ilícito pode ser extracontratual ou contratual.

Scialoja pontifica é ilícito o ato positivo ou negativo (posto que a omissão pode ser ilícita) que se ache em conflito com uma disposição proibitiva de lei, com os princípios de ordem pública ou com os bons costumes, bem como o que constitua violação dos pactos convencionais.

* 4 – Quanto ao conceito de dever que não se restringe tão-somente ao dever jurídico sendo este sediado mais propriamente no Direito Obrigacional, mas sim correspondente ao vínculo oriundo de necessidade jurídica de cumprir aquilo a que está obrigado.

O lado oposto do direito subjetivo é o dever jurídico; É, (pois a sujeição jurídica de uma pessoa devedora) a outra (titular) que obriga aquela a uma prestação em favor desta (segundo Paulo Dourado de Gusmão).

* 5 – É o aversio periculo, o perigo, a possibilidade de sofrer dano. A teoria do risco é o contraponto da teoria da culpa, tem por base a eqüidade enquanto que a última se baseia em imputabilidade moral. É destacado o nexo causal existente entre o fato gerador e o dano sofrido.




GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 22/04/2007
Alterado em 14/08/2008
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