Criminologia contemporânea ou a esperança do controle da criminalidade
O artigo se arrisca destrinchar as veias da criminologia e propor algumas formas condizentes de controle de criminalidade.
O conceito exprime constantemente uma idéia geral da coisa, já a definição exprime uma determinação exata, de objeto e a incidência epistemológica.
A Criminologia estuda a criminalidade e invocando seu significado etimológico do vocábulo, originário do latim crimino(crime) e do grego logos(tratado ou estudo).
Em síntese, a Criminologia seria o tratado do crime, segundo a definição de Edwin H. Sutherland: “é o conjunto de conhecimentos que estudam o fenômeno e as causas da criminalidade, a personalidade do criminoso, sua conduta delituosa e a maneira de ressocializá-lo.”
Já Nelson Hungria traduz: “é o estudo experimental do fenômeno do crime, para pesquisar-lhe a etiologia a tentar a sua debelação por meios preventivos ou curativos.”
O conceito ideal desta disciplina seria aquele capaz de abarcar todos os elementos caracterizadores de sua forma de atuação. Segundo Newton Fernandes e Valter Fernandes, in Criminologia Integrada, Editora Revista dos Tribunais, 2 ª edição, 2002, “Criminologia é ciência que estuda o fenômeno criminal, a vítima, as determinantes endógenas e exógenas que isolada ou cumulativamente atuam sobre a pessoa e a conduta do delinqüente, e os meios laborterapêuticos ou pedagógicos de reintegra-lo ao grupamento social”.
Tanto o Direito Penal como Criminologia estudam o crime, porém, o enfoque dado por uma e por outra, relativo ao delito é diferente. Pois enquanto que o Direito Penal é ciência normativa sendo a destinada a administrar a repressão social ao crime através das normas punitivas que ele mesmo elabora.
Já a Criminologia é ciência causal-explicativa, como bem enfatiza Orlando Soares e tem por objeto a incumbência de não só se preocupar com o crime, mas também conhecer o criminoso, montando esquemas de combate à criminalidade, agindo não só de maneira preventiva como sobretudo de forma terapêutica para cuidar dos criminosos e evitar-lhes a reincidência.
Na Criminologia traça-se uma análise do crime, pesquisando suas causas geratrizes bem como estuda o perfil antropológico, social e cultural do criminoso.
Apesar do Direito Penal e a Criminologia utilizarem a mesma matéria-prima( que é o crime), o método é diverso o que o torna legítimo concluir que não corresponde ao mesmo objeto da ciência normativa penal.
Efetivamente como esclarece Israel Drapkin em sua obra Manual de Criminologia, a Criminologia usa efetivamente métodos biológicos e sociológicos e exemplifica : “se a Biologia é uma ciência, não há razão para que não o seja a Criminologia que utiliza o seu método.”
Utiliza-se do método experimental, naturalístico, indutivo para o estudo do criminoso, o que não é suficiente para conhecer as causas da criminalidade. Também recorre-se aos métodos estatísticos, históricos e sociológicos.
Portanto, a Criminologia utiliza dois métodos distintos(um oriundo da Biologia e, outro da Sociologia). Estuda o crime como fato biopsicossocial e o criminoso. Não fica adstrita ao terreno científico, por este não teria por si só o poder de explicar o fenômeno delinqüencial e sua vasta caudal de causas(entre elas:a natureza social, biológica, psicológica e até psiquiátrica).
A condição de ciência da Criminologia foi abordada pelo Congresso Internacional de Criminologia realizado há menos de 20 anos em Belgrado(Iugoslávia, na época) onde chegou-se ao seguinte consenso:
A delinqüência é um fenômeno social complexo que tem suas leis próprias e que surge num meio sócio-cultural determinado, não podendo ser tratada com regras gerais, mas sim particulares de acordo com cada região.
É oportuno citar Vitorino Prata que reconhecendo a condição de ciência da Criminologia, sublinha:
“ Embora o homem seja o mesmo em qualquer parte do mundo, os crimes têm características diferentes em cada continente, devido à cultura, à história própria de cada um. Há, pois, um criminologia iugoslava, criminologia brasileira, chinesa, enfim, uma criminologia própria de cada raça ou cada nacionalidade”.
A feroz escalada da criminalidade contemporânea, nos dias em que vivemos, especialmente no que concerne à prática reiterada de seqüestros, latrocínios, e assassinatos cruéis(como foi o de Tim Lopes), estupro com morte, tráfico de entorpecentes, atribuídos a bandos ou horas altamente organizados e hierarquizados, fortemente armados, tem resultado num imenso temor generalizado por parte dos cidadãos.
Cogita-se até na existência de um poder paralelo da criminalidade até para enfatizar a decrepitude e a tremenda fragilidade operacional do poder Público constituído
Decorrendo do crime, os desajustamentos originados na sociedade refletindo assim em todos os sus estamentos e segmentos, é imperioso uma cruzada que tenha por fim a formação de profissionais voltados para a pesquisa criminológica e para o real enfrentamento da criminalidade que não se restringe à forma repressiva.
Afonso Sant’anna foi coerente ao denunciar que todos nós que de alguma forma contribui (quer com o silêncio com a prática delituosa de uso de entorpecentes), matamos Tim Lopes.
Daí, porque seja salutar a corrente que defende a unificação de todas as ramificações da Criminologia principalmente unindo a Clínica com a Sociológica formando o que chamaríamos de Criminalidade Integrada, ou seja, biopsicossociológica.
Muito útil seria a referida Criminologia Integrada colaborando realmente para que o Poder Público arquitetasse uma Política Criminal hábil a conseguir a prevenção e eficaz repressão ao crime.
O Direito Penal é pautado pelos legisladores para defender a sociedade dos comportamentos típicos e desviantes. O objeto de estudo do Direito Penal é a culpabilidade em lato sensu. O objeto da Criminologia é o estudo da periculosidade, visando a pesquisa teórica da etiologia do crime.
Embora que alguns doutrinadores detratores do Direito Penal expressem que o Direito Penal é carecedor de objeto próprio de estudo, que vive oscilante entre o crime, o criminoso, a pena ou até a segurança social.
Por ser ciência normativa, valorativa e finalista, o Direito Penal é basicamente abstrato e se preocupa em coibir o delito enquanto fenômeno individual ou coletivo, não se preocupando com a prevenção criminal.
A natureza do Direito Penal é repressiva e se finda com a aplicação e execução da pena.Daí a necessidade de outras ciências que visam auxiliar o Direito Penal além de lhe assegurar a própria existência.
É uma utopia desejar a solução da equação crime-criminoso apenas através do Direito Penal, sem a valorosa colaboração da Criminologia, da Psicologia e da Sociologia(isto sem exaurir o rol de ciências capazes também de efetivamente de elucidar o resultado da referida equação).
Há quem enxergue na Criminologia com a matização de verdadeira filosofia do crime e do criminoso, mas tendo como valores primaciais a criminalidade e a sociedade.
A pesquisa científica do crime inclui a perquirição de suas causas e características, de sua prevenção e do controle de sua incidência. Kinberg aponta a Criminologia como a ciência que tem por objeto não somente o fenômeno natural da prática do crime, como também o fenômeno da luta contra o crime.
Já Edwin Frey posiciona a Criminologia como a “teoria dos fatos do criminoso” e Roland Grassberger como “sistema das ciências auxiliares do Direito Penal sobre as causas, provas e prevenção do crime.”Enrique Cury, penalista chileno, conceitua como “ciência causal-explicativa do delito”.
Não é mera ciência, mas também , como ciência aplicada, daí resultando a Criminologia Geral e a Clínica. A primeira compara, analisa e classifica os resultados obtidos no âmbito de cada uma das ciências criminológicas. E a Criminologia Clínica consiste na aplicação dos métodos e princípios das matérias criminológicas fundamentais e na observação e tratamento dos delinqüentes.
Contrapondo a posição unitária da Criminologia, a Escola Austríaca adota a concepção enciclopédica e considera a Criminologia como um compacto de diversas disciplinas particulares que pesquisam a realidade criminal, os fatos do processo e luta contra o crime.
A Criminologia igualmente se relaciona com as ciências criminais pois o Direito Penal lhe delimita o objeto; o Direito Processual Penal inquire a ocorrência do ato criminal e se interessa pelo exame da personalidade do delinqüente; o Direito Penitenciário, através de seus laboratórios de Biotipologia, regula o programa de ressocialização; a Medicina Legal,a Polícia Judiciária e a Policiologia colaboram efetivamente na investigação científica da materialidade do crime.
As ciências penais em seu todo orbitam envolta dos elementos: crime, delinqüente e a pena. A criminologia é a ciência autônoma porque possui um objeto perfeitamente delimitado: os fatos objetivos da prática do crime e da luta contra a criminalidade.
A Criminologia Científica compreende conceitos, teorias, métodos sobre a criminalidade como fenômeno individual e social, a par, de atentar para o delinqüente, para a vítima e para o sistema penal.
A Criminologia Clínica consiste na aplicação pragmática do conhecimento teórico da Criminologia Geral, sem que tal fato desvirtue o caráter autônomo daquela, conquanto intimamente ligadas a ambas as Criminologias.
A observação científica é um dos poderosos métodos da Criminologia Clínica, seguida de interpretação no caso de diagnóstico criminológico, ainda na fase do tratamento reeducativo, antes, portanto, da classificação penitenciária ou início do programa de reeducação do delinqüente.
Destinada à profilaxia criminal indireta, não se pode esquecer o papel reservado à Medicina, principalmente para alcançar a plenitude do adágio” mens sana in corpore sano”.
Quanto à profilaxia direta ao crime em particular na estrutura mental da cogitatio criminosa, sobrevém também as normas de ordem coibitiva: a inexorabilidade da Justiça Penal, apenamentos compatíveis, processo terapêutico e tratamento médico adequado para restabelecer ou melhorar a saúde do doente-criminoso.
A transmutação do mundo num grande aldeia global com o fim das rígidas fronteiras, onde todos possam compartilhar interesses pessoais, inovações tecnológicas e científicas num desenvolvimento equilibrado de todas as nações, são algumas das propostas pretendidas pela globalização.
Todavia a própria ONU reconhece que a globalização está concentrando renda tornando os países ricos, mais ricos e os pobres, mais miseráveis. Daí o crescente terrorismo e a expansão de seitas político-religiosas radicais e ortodoxas.
Com a globalização se avulta novas formas de violência e de criminalidade, como a pirataria, o neofascismo, o neonazismo, os hackers, crackers, hooligans, serial killer, crimes ambientais, cibernéticos e o avantajado crescimento do tráfico de entorpecentes(incluindo aí a popularização das chamadas drogas sintéticas).
Sem fronteiras, a criminalidade adquire contornos sofisticados e dotado de aparato tecnológico, e, os crimes são cometidos em um país e os criminosos se escondem em outro, transferem dinheiro sujo de um país para outro; praticam o tráfico de mulheres, crianças, armas e drogas.
Discute-se assim a criação de uma legislação penal internacional que uniforme o tratamento jurídico dado a tais crimes, inerente a sua geografia onde foram cometidos, colaborando efetivamente para a redução das dificuldades existentes no combate ao crime sem fronteiras ou globais.
No Brasil mais particularmente em São Paulo(SP), já existe a Delegacia de Polícia Especializada para investigar crimes cometidos através da internet.
Parafraseando Alison Smale, jornalista do The New York Times, nos dez anos que se seguiram ao fim das URSS houve uma explosão dos crimes internacionais e personagens sombrios do Leste e do Oeste europeu não perderam tempo em estabelecer ligações, num quadro que só agora os governos começam a combater.
Os russos fazem as famosas lavagens de dinheiro passando por minúsculos ilhas do Pacífico, nas quais há uma centena de bancos. Os chefões dos cartéis do tráfico de drogas da Colômbia acumulam recursos tão vastos que podem adquiri um submarino soviético só para transportar cocaína até aos EUA.
O capitalismo e o comunismo que outrora serviam de camisa ideológica e intelectual para americanos e soviéticos e permitiam que ambos os lados se sentissem justificados quando utilizavam representantes condenáveis para combater na sua guerra fria. Que não foi de modo algum uma guerra particular pois afetava ao mundo inteiro.
A transformação dos aparatchiks em gangsteres ou em lavadores de dinheiro nas ex-repúblicas soviéticas e nos Bálcãs é apenas um dos exemplos mais notório.
O crime internacional recebeu relevante estímulo até dos próprios países onde os representantes lutavam.
O fim da guerra fria trouxe paradoxalmente uma explosão de crescimento financeiro internacional.
As nações ricas que apostaram na economia global nova e mais aberta por meio do crescimento das comunicações e da redução de barreiras comerciais e financeiras também produziram um cassino global onde é possível se movimentar dinheiro de um lado para o outro de forma fácil e instantânea.
É óbvio que o poder dos ricos criminosos tendem a prejudicar muitíssimo os Estados fracos e a criminalidade ganha feição de um dos desafios reais pela administração.
Aliás, em recente relatório do Conselho Nacional de Inteligência dos EUA evidencia que tal poder dos criminosos representa uma grave ameaça à segurança americana.
Evidencia-se que o crime organizado internacional se tornou cada vez maior e segundo Handelman, os grupos criminoso se infiltraram no governo local, no regional e, por fim até mesmo, no governo central.
O Ocidente distribuía ajuda em grande quantidade na esperança de que as falidas sociedade comunistas renascessem como democracias de mercado livre e os novos ricos investissem no setor interno.
Ao revés, a antiga inteligência empobreceu e se tornou altamente corruptível e venal.Tal relatório contendo sérias advertências sobre o poder dos criminosos ricos intitulado: “Tendências Globais 2015” dá uma noção das dimensões da economia ilegal, sublinhando que o tráfico de drogas continua a ser, de longe, o principal fator, com receita anual estimada entre US$ 100 bilhões e US$ 300 bilhões.
A importância da teoria contemporânea da personalidade está em demonstrar o indivíduo como um ser que procura alvos e propósitos, inobstante se reconheça que o seu comportamento possa ter determinantes conscientes e inconscientes.
Freud, Mirray e Jung dão maior ênfase aos fatores inconscientes na conduta, ao passo que Lewein, Alport, Goldstein e Roger, não só valorizam as motivações inconscientes e só são consideradas importantes no indivíduo anormal.
Mas, afinal, qual seria a motivação do crime?
Os partidários extremados das duas correntes(clínicas e sociológicas) estão absorvidos com os mecanismos motivacionais que dizem respeito unicamente as suas respectivas correntes, quando se partissem para uma simples associação desses elementos, sem maiores preocupações com a obrigatoriedade de considerar este ou aquele motivo, estariam mais concordes com a realidade e contribuindo de forma positiva para o aprimoramento da ciência criminológica.
Na verdade,a posição holista está enriquecendo as abordagens principais criminológicas e procuram explicam o crime.
Por derradeiro, cumpre assinalar que só uma teoria bem desenvolvida e madura bem acompanhadas por extensas investigações e pesquisas empíricas poderá vicejar todas as variáveis possíveis para que finalmente se possa oferecer maior esperança na segurança e progresso auto-sustentável( principalmente no combate à criminalidade) e, sobretudo com natural vocação social.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 17/04/2007