"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos

A metafísica da violência e a religião. parte 1.

Resumo:Por mais paradoxal que seja a religião traz em seu bojo a metafísica da violência. Principalmente por impor valores, conceitos, dogmas e exercer seguramente o controle social. O texto aborda as reflexões filosóficas de Gianni Vattimo e outros filósofos contemporâneos e correlaciona a evolução da violência com as principais características da pós-modernidade.
Palavras-chave: Filosofia. Religião. Violência. Pós-modernidade.

Abstract:Paradoxical as it is religion brings with it the metaphysics of violence. Mainly impose values, concepts, dogmas and exert social control safely. The text addresses the philosophical reflections of Gianni Vattimo and other contemporary philosophers and correlates the evolution of violence with the main features of postmodernity.
Keywords: Philosophy. Religion. Violence. Postmodernity.

A violência é tema central nas reflexões filosóficas de Gianni Vattimo  e a superação da metafísica especialmente e a anunciada por Heidegger.  A tentativa ética de superar a violência é o que tanto caracteriza o pensamento metafísico. E, no plano da religião, particularmente o cristianismo , Vattimo apontou uma moral sustentada em fundamentos metafísicos com firmes possibilidades de ir além da violência do cristianismo.

Relevante frisar que essa relação se dá a partir de uma ontologia  hermenêutica niilista, um pensamento que seguindo as ideias de Nietzsche e, principalmente de Heidegger que buscou superar a metafísica, enquanto pensamento do fundamento.

Inegavelmente vivenciamos um momentum histórico sui generis onde se anuncia o rompimento dos principais paradigmas da era moderna, colocando em xeque seus grandes mitos: Deus, a razão e a ciência. Resumidamente, a metafísica foi destronada, a verdade tirada do alcance do real que esvaziado perde qualquer sentido pré-estabelecido.

Quando Nietzsche proclamou a morte de deus, decretou assim o fim das verdades absolutas, da metafísica e da crença na linearidade histórica do progresso. É o fim da moral universal, os valores já não existem em si, são apenas criações humanas, demasiadamente humanas. O bem e o mal já não mais existem e o homem se depara com a necessidade de se posicionar para além destes valores.

A famosa exclamação de Ivan Karamazov, personagem de Dostoiesvski: "Se Deus não existe, então, tudo é permitido!"  expos
abertamente a realidade complexa que representa o fim da metafísica, o fim da dualidade dimensional entre dádiva e fardo. Surge para a humanidade então a necessidade de confrontar-se com o nada e assim o niilismo torna-se o objeto de reflexão cada vez mais inexorável.

Outra figura ocidental relevante e que muito contribuiu para a crise da modernidade foi Sigmund Freud com a psicanálise, ao afirmar categoricamente que o fator determinante da psiquê humana não é a racionalidade, mas sim, o inconsciente, o caótico, o irracional e fora do domínio.

Já Michel Foucault inverteu a relação entre saber e poder colocada bravamente pelo Iluminismo. Então, não se acreditará mais conforme foi na época das luzes, que o conhecimento leva necessariamente ao progresso e ao poder, mas por vias oblíquas e inversas, é aquele que detém o poder que vai construir o conhecimento e ditar, arbitrariamente, o que é a verdade, a fim obviamente de legitimar seu próprio poder. E, nisso temos a mais pura violência.

O poder produz o saber, não mais o inverso. A fenomenologia de Edmund Husserl e Martin Heidegger, fazendo vezes de ontologia crítica, mostrou que a verdade já não se encontra no objeto em si, como pretendiam os ontológicos clássicos, nem no sujeito que o apreende, como pretendem os subjetivistas românticos, mas no próprio fenômeno de compreensão.

A verdade passou a ser a própria relação sujeito-objeto, ou seja, a interação entre o objeto e a imagem que o sujeito constrói a partir do material que este objeto lhe fornece (envia) e que este apreende através dos sentidos. Uma relativização, portanto, do conhecimento, mesmo do conhecimento sensorial .

Firma também a crise do positivismo e do modelo tradicional das ciências naturais com a teoria da incerteza do físico alemão Heisenberg. Pois tentando compreender e prever o comportamento dos elétrons no interior do átomo, o alemão descobriu que era impossível determinar com exatidão a posição e velocidade da particular, ou seja, a determinação conjunto do momento e posição de uma partícula, necessariamente, contém erros nunca menores que a constante de Planck .

No âmbito macroscópio esses erros podem ser desprezíveis, mas para o estudo de partículas atômicas são de suma importância. E tais descobertas de Planck, este foi um dos marcos iniciais do surgimento da Mecânica Quântica, que, até então incompatível com os modelos da física de Newton e com a teoria da relatividade geral de Einstein, fez com que a física deixasse de ser a “ciência das verdades” para se tornar apenas uma “ciência das possibilidades”.

A falta de linearidade nos fenômenos trouxe a célebre assertiva de Lorenz sobre o chamado "efeito borboleta " que afirma que o bater de asas de borboleta em um lado do globo terrestre pode desencadear uma reação que pode enfim gerar um furacão do outro lado do globo terrestre.

Também o estudo dos fractais que seriam figuras não geométricas aparentemente caóticas, ou pelo menos, não-euclidianas, buscando encontrar nestes padrões de repetição, é outro marco desta nova matemática que se abre no contexto extenso de incertezas.

Questão mais curiosa, é a do "Paradoxo de Banach-Tarski"  que comprovou matematicamente a possibilidade de se dividir uma esfera sólida tridimensional em número finito de pedaços mais precisamente em cinco partes, e, com tais pedaços, construir duas novas esferas de dimensões idênticas à original.

Foi a mais nítida prova de que mesmo a mais pura das ciências que é a matemática, não traz a descrição real dos fenômenos, já que o feito que os matemáticos demonstraram através de cálculos atinge resultado completamente contra-intuitutivo, sendo algo impossível de ser concretizado na realidade.

Esse cataclismo cultural é fomentador de violência, pois com a crise moral e a relativização de todos os valores, tornou-se intangível cogitar em direitos naturais universais, imutáveis no espaço e no tempo.

A hermenêutica pelo menos segundo Vattimo é ontológica porque se constrói pelo sentido do ser, trabalhada inicialmente na obra “Ser e Tempo ” onde se questionou a própria história do ser, de caráter niilista  porque, se compreende sempre como uma interpretação fraca e nada mais que isso.

O que a tradição metafísica chama de “fato” ou “realidade” é uma interpretação que só encontra sentido a partir desta própria, da sua tradição.

Para Vattimo, essa superação não deriva de uma suposta constatação teórica da metafísica como um erro na tradição filosófica ocidental que deva ser substituído por uma forma mais autêntica ou mais correta, de uma suposta impossibilidade de sustentá-la diante de outros saberes, como por exemplo, a racionalidade científica.

Refletir na superação da metafísica tem firmes motivações éticas. Ou seja, a hermenêutica que pretende ser ontológica e niilista mas suscita uma legítima preocupação ética. Assim, a superação da metafísica ocorre por motivação ética. E, para Vattimo e, ainda para outros filósofos contemporâneos existe uma relação mais próxima entre a metafísica e a violência, e que caracteriza a metafísica como um pensamento violento.

As motivações originais da revolução heideggeriana contra a metafísica podem sustentar o caráter ético-político, mais do que teórico, e que rejeitam a metafísica  como o pensamento do ser como presença e objetividade na medida em que a enxergam principalmente como pensamento violento.

Uma das noções de ciência dentro da tradição metafísica é a de que esta nasce da definição da especificidade de seu objeto pela descoberta da substância que caracteriza os entes que a constituem(onde é possível já cogitar em princípios). Portanto, a metafísica se afirma como a ciência do ser, entretanto, com uma dimensão mais universal que as demais ciências por entender que seu objeto é aquilo que supostamente caracteriza todos os entes.


A crítica de Heidegger vai à direção de que o ser não é uma característica dos entes, mas nestes se torna visível. O esquecimento da diferença entre ser e ente fez com que o ser fosse concebido como simples presença , ou melhor, como algo estável que pode ser apreendido, decifrado e manipulado. A presencialidade do ser implica num pretenso acesso à verdade.

A verdade do ser é aquela que se dá na objetividade, na obviedade, e contra a qual não há argumento, dessa forma, silencia o diálogo e outorga poder absoluto às doutrinas religiosas ou políticas e àqueles que nestas se apoiam.

In litteris, pondera Vattimo: “é enquanto pensamento da presença peremptória do ser – como fundamento último diante do qual é possível apenas calar-se e, talvez, sentir admiração que a metafísica configura-se como pensamento violento: o fundamento, se se dá na evidência, incontroversa e que não deixa mais espaço para perguntas posteriores, é como uma autoridade que cala e impõe sem “dar explicações”.

A ontologia hermenêutica, ao menos da maneira que aparece nos textos de Vattimo, só é possível em sua dimensão niilista a partir do desvelamento da diferença entre o ser e o ente, da compreensão de que o ser não é algo estável, mas apenas evento (ereignis ) e que assim não há um fundamento no qual seja possível afirmar uma verdade como única ou objetivamente superior as outras verdades.

Toda tentativa de compreender ou explicar algo implica sempre numa interpretação e, essa por não se colocar como absoluta não exclui outras possibilidades de compreensão que favorece a superação de um tipo de violência, a imposição de certa verdade, de um dogma, de uma forma correta de agir ou pensar, de uma fé, uma ideologia, etc.

O imposto pode por sua vez fundamentar outros tipos de violência, além de ser propriamente um tipo de violência. A pluralidade de interpretações não produz necessariamente violência se o intérprete ou a comunidade de intérpretes levam a sério a vocação niilista da hermenêutica, ou seja, a afirmação fraca de que não existem fatos, mas apenas interpretações .
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 17/09/2013
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