"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos

Algumas linhas sobre a responsabilidade civil do Estado


A definição dessa responsabilização estatal é garantia eficaz contra o arbítrio e o abuso do Estado, é clamor direto do Estado de Direito (...).




A teoria do risco é concebida como a explicitação mais sensível do fundamento da responsabilidade objetiva que vem exsurgindo como princípio norteador para compensação dos conflitos sócio-jurídicos.

É certo que toda atividade em execução implica certamente em riscos de terceiros, traduzindo-se numa lesividade efetiva ou potencial a outrem, portanto devem os que se dedicam a essas atividades, devem responsabilizar-se efetivamente pelos danos causados por sua falta, com prévio dever de assunção desses mesmos riscos.

Cada pessoa deve suportar o risco do dano causável e causado por sua obra, sem aferição de sua ilicitude ou licitude. Enfocada a responsabilidade civil enquanto relação jurídica pelo prisma do ofensor, constatada a lesão ao alter, para este exsurge a obrigação do ressarcimento de todos os prejuízos, independente da existência de qualquer conduta culposa e, a fortiori, a dolosa.

Verifica-se que na relação jurídica e, na responsabilidade civil objetiva em face das atividades perigosas, em face dos riscos que lhes são inerentes, que ipso facto independe de culpa e à sua definição empírica respectiva. Mas, carece que seja íntegro e idôneo o nexo causal ou de causalidade entre dano e atividade-fim do ofensor.

Enfocada a responsabilidade civil sob a ótica do ofendido, e a prévia assunção de riscos, então poderá pré-excluir da reparabilidade o ofensor, como se passa, em princípio, com a vítima atingida em sua integridade física em acidente verificado em corrida automobilística, ou competição de hipismo.

Cuidou bem a doutrina de revelar as variadas subespécies ou modalidades da teoria do risco o que propiciou a formação de pelo menos quatro correntes, a saber:

a) a teoria do risco-proveito;
b) a teoria do risco profissional;
c) a teoria do risco integral
d) a teoria do risco criado.

A teoria do risco proveito é responsável civilmente quem tira proveito do fato causador de dano à vítima, no suposto de que deve suportar-lhe os riscos.

Assim a reparação de danos resta restrita às hipóteses de danos verificados na exploração de uma atividade lucrativa, proporcionadora de cômodo. É fulcrada tal teoria no famoso adágio que diz que onde está o ganho, deve estar o encargo, in verbis: “ubi est emolumentum ibi est ônus esse debet”.

A primeira dificuldade se avulta na própria definição do significado de “proveito”. Inicialmente denota o fito de quem exerce atividade com interesse de ganho econômico de lucro.

Mas surgem algumas indagações, por exemplo: Quando se pode dizer que a pessoa retira proveito de certa atividade? Será necessário o lucro, ou bastará qualquer tipo de proveito? Se tal responsabilidade está atrelada a aferição de lucro, estaria restrita aos comerciantes e industriais, não sendo aplicável quando a causa do dano não for fonte de ganho. Ademais, a vítima teria o ônus de provar a obtenção desse proveito, o que acarretaria retorno ao complexo problema da prova.

Inicialmente denota proveito o fito de quem exerce atividade com interesse de lucro. E se é assim, pouca ou nenhuma utilidade prática, na medida em que dificilmente alguém exerce atividade sem o objetivo de, exercendo-a, obter proveito. É enfoque bastante restrito, o campo de sua aplicação, já que dele estariam fora todas as atividades que não fossem empresariais.

Outro óbice é que a vítima continuaria com o pesado ônus de comprovar que seu dano decorreu da conduta positiva ou negativa da atividade do ofensor da qual tira proveito.

Refletindo sobre a clássica hipótese: numa ação de reparação de danos causados por acidente automobilístico, haveria odiosa pertinência no objetivo do comportamento do ofensor, com drástica eficácia, se este estivesse a trabalho ou a lazer.

A teoria do risco profissional é o enfoque da mesma teoria do risco, mas restrita na definição da responsabilidade civil. Responsável seria não apenas o que assumiria o risco no exercício de uma atividade. Seria responsável tão-somente se a vítima estivesse a agir na sua atividade ou profissão.

Nesse diapasão, o fato lesivo passa a ser uma decorrência da atividade ou profissão do lesado. Georges Ripert exemplifica que o acidente com operário é comparado à deterioração de uma máquina cumprindo o patrão assumir e suportar os respectivos riscos.

Sustenta a teoria do risco profissional que cabe sempre indenizar quando o fato prejudicial é uma decorrência da atividade ou profissão do lesado. Foi criada para justificar a reparação dos acidentes ocorridos por empregados no trabalho ou por ocasião dele, independentemente de culpa do empregador.

Cavalieri nos ensina que a responsabilidade fulcrada na culpa acarretava, quase sempre, à improcedência da ação acidentária. Onde vigora a dificuldade do empregado produzir provas, a desigualdade econômica e a pressão do empregador, sem contar quando o acidente decorria das próprias condições físicas do trabalhador, por sua exaustão, pela monotonia da atividade. Então a teoria do risco profissional veio afastar o grande número de acidentes não indenizados.

A teoria do risco integral possui dimensão social mais ampla, por onde qualquer fato lesivo, culposo ou não, acarreta o dever de indenizar o dano.

A doutrina da responsabilidade civil objetiva não encontrou no direito privado a mesma aceitação havido no direito público, e nele mesmo, esta abriga diversidade de enfoques, ora se aludindo, por exemplo, ao risco integral, ora ao risco administrativo. (RT 330/270).

Na Constituição Federal Brasileira de 1988, nos arts. 5º, LXXV e art. 37 § 6º, este com respeito à responsabilidade civil do Estado por ato de seus agentes, que hoje se dá sem qualquer apreciação de culpa, no suporte fático, diversamente do que ocorria na vigência do Código Civil Brasileiro de 1916, no seu art. 15, que reafirma a responsabilidade do Estado por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando o dever prescrito em lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano.

Tal dispositivo encontra correspondência no Código Civil de 2002, no art. 43, tal dispositivo poderia ter sido mais explícito ao tratar da responsabilidade da administração pública, tendo em vista a controvérsia que grassava entre os intérpretes do art. 15 do CC de 1916.  

A partir de 1946, contudo, seria introduzida nos textos constitucionais brasileiros a responsabilidade objetiva do Estado, que viria alcançar a melhor expressão em 1988, o que veio alterar completamente toda a dogmática sobre o tema, a qual passou a encontrar fundamentação em outros princípios axiológicos e normativos dentre os quais se destaca o as isonomia e da justiça distributiva, fazendo a doutrina predominante concluir que houve o imediato perecimento da base de validade do art. 15 do CC de 1916 por não se encontrar tecnicamente recepcionado pelo sistema constitucional vigente.

Após 1988, escreveu-se que, não sendo dado ao intérprete restringir onde legislador não restringiu, não há como afastar a responsabilidade do Estado por suas omissões, sendo certo, contudo, que se deve evitar o caminho da panresponsabilização estatal.

Esta não se verificará quando se aplica o risco administrativo, onde são cabíveis as causas de excludência, como o caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima, quando ocorre o rompimento do nexo de causalidade.

Nesse sentido, é de se examinar se o evento é previsível e resistível, cingindo-se a investigação aos pressupostos da responsabilidade objetiva, o que não pode levar à conclusão oposta, que seria a recusa da responsabilidade objetiva estatal nos casos de comportamento omissivo dos órgãos da Administração.

E, é nessa direção que as cortes superiores vêm se pronunciando, com base nos termos constitucionais, conforme se extrai de ementa do STJ:

“Responsabilidade civil do Estado – Morte de detento. O ordenamento  constitucional vigente assegura ao preso a integridade física ( art. 5º., XLIX DA CF, sendo dever do estado garantir a vida de seus detentos, mantendo, para isso, vigilância constante e eficiente. Assassinado o preso por colega de cela quando cumpria pena por homicídio qualificado, responde o Estado civilmente pelo evento danoso, independentemente da culpa do agente público.”(STJ, 1ª T., Resp 5.711, Rel. Min. Garcia Vieira, julg. 20.03.1991, publ. DJ 22.04.1991).

Ainda, vide a jurisprudência do STF:

“Recurso extraordinário. Agravo regimental. 2. Contaminação de pacientes hemofílicos com vírus da AIDS em hospital de rede pública. 3. Responsabilidade civil do Estado. Teoria do Risco Administrativo. Condenação com base em laudo pericial.” (STF 2ª. T., Ag. Reg. Resp 363.999, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. 08.04.2003, publ  DJ 25.04.2003).

E mesmo as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, porquanto estas respondem objetivamente pelos danos que causem seus agentes, nessa qualidade, com igual ressalva do direito regressivo quando ao causador direto que atuou com dolo ou culpa.

Historicamente é identificável a clara evolução que partiu da total irresponsabilidade estatal (porque le roi ne peut mal faire) passando para a responsabilidade subjetiva, e, em seguida aportando na responsabilidade objetiva lastreada no risco administrativo.

A total assunção pelo Estado de todos os riscos no exercício das atividades administrativas por seus agentes, como se, cessado o estado de sítio, aferem-se danos decorrentes de atos ilícitos decorrentes por seus executores ou agentes.

Na dicotomia existente entre risco integral e risco administrativo, o primeiro é minus, quando não há causas pré-excludentes e pré-redutoras da responsabilidade civil estatal. Se admitem essas causas, não se cogita de risco integral, mas de risco administrativo; se não admitem o risco, que não deixa de ser administrativo, esse é integral.

O risco integral é modalidade extremada da doutrina do risco destinada a justificar o dever de indenizar até os casos de inexistência do nexo causal. Mesmo na responsabilidade objetiva, embora dispensável o elemento culpa, a relação de causalidade é indispensável. Por essa teoria, o dever de indenizar se faz presente tão-só em face do dano, ainda que nos casos de culpa exclusiva e essencial da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior. O direito brasileiro só a adotou em casos excepcionais.

A teoria do risco integral em princípio, não se presta a fundamentar a justa restituibilidade que lastreia a responsabilidade civil como seu fundamento primário. Posto que se o Estado responde pela vítima, é porque há o suposto rompimento do equilíbrio como déficit entre eles, e não haveria isso se, de hipótese, o próprio A se autovitimasse e gerasse o dano.

Age corretamente a doutrina bem como a jurisprudência quando sublinha que a teoria do risco administrativo não leva à responsabilidade objetiva integral do Poder Público para indenizar todo e qualquer dano, mas de fato dispensa à vítima da prova de culpa do agente, da Administração Pública, cabendo a esta a demonstração de culpa integral ou parcial do lesado no evento danoso para excluir ou apenas mitigar a indenização devida.

Já a teoria do risco excepcional, a reparação é devida sempre que o dano é efeito de um risco excepcional, que escapa à atividade comum da vítima, ainda que estranho ao trabalho que normalmente exerça. Cavalieri exemplifica os casos de rede elétrica de alta tensão, exploração de energia nuclear, materiais radioativos, etc. Em razão desses excepcionais riscos a que essas atividades submetem a coletividade, de modo geral, resulta para aqueles que exploram o dever de indenizar, independentemente da indagação de culpa.

A teoria do risco criado teve entre os doutrinadores brasileiros, o insigne Caio Mário da Silva Pereira, que assim a sintetiza: “ aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo”. É por exemplo, o caso da responsabilidade civil sobre estabelecimentos bancários ou mesmo na informática.

Assim, se o risco é inerente à certas atividades, aplica-se a responsabilidade sem aferição de culpa, com a caracterização doutrinária da responsabilização objetiva. Também é aplicável nas hipóteses em que a lei não expresse literalmente.

Com efeito, a responsabilidade civil objetiva impõe ao Estado, e demais pessoas jurídicas de direito privado (quando prestadoras de serviços públicos) a obrigação de indenizar os danos causados a outrem por seus agentes e prepostos. Mesmo quando assume o Estado o monopólio decisório da prestação jurisdicional, arca efetivamente com os danos causados, seja por morosidade, por erro judiciário, ou ainda, por culpa ou dolo dos magistrados e serventuários da justiça, ou causado por qualquer pessoa seja remunerada ou não (como por exemplo, os conciliadores dos Juizados Especiais) que exerçam a função precípua ou meramente administrativa na Administração e atuação do poder judiciário. Tal responsabilidade não afasta o exercício da pretensão do direito regressivo contra o agente culpado, ou que agiu dolosamente conforme prevê a parte final do art. 37, § 6º da CF de 1988.

Na teoria do risco criado, responde pelos eventos danosos que a atividade gera para os indivíduos, inerentemente de determinar, em cada caso, se o dano é devido a imprudência, imperícia ou negligência ou a um erro de conduta. Fazendo abstração da idéia da culpa, mas atentando apenas no fato danoso e o nexo causal entre este e atividade desenvolvida.

Não se cogita de ser o dano correlativo de um proveito ou vantagem para o agente. Não se subordina o dever de reparar ao pressuposto da vantagem. A teoria do risco criado importa numa ampliação da teoria do risco proveito. Aumenta os encargos do agente, e é eqüitativa para a vítima visto que não precisa provar que o dano resultou de uma vantagem ou benefício obtido pelo causador do dano.

O risco é perigo, é mera probabilidade de dano, mas não é o suficiente para gerar obrigação de indenizar. Também será necessário violar dever jurídico, ou seja, o dever de segurança que se contrapõe ao risco.

Deve se destacar que a teoria objetiva não substitui plenamente a teoria da culpa. A responsabilidade objetiva conviveu ao lado da subjetiva para atender aos casos específicos, principalmente quando a teoria clássica e tradicional se revelou deficiente.

Não obstante o grande frisson que a teoria do risco promoveu entre os doutrinadores, o certo é que não se chegou a substituir a regra geral básica da responsabilidade civil e a teoria do risco ocupa os espaços excedentes, nos casos e situações que lhe são reservados.

Com o CDC, Código do Consumidor, essa crença restou firmemente abalada posto que o diploma legal consagrou a responsabilidade objetiva nas relações de consumo e, conquistou vasto território outrora pertencente à responsabilidade subjetiva.

O Código Civil de 2002 e, ainda mais ampliou os domínios da responsabilidade objetiva, como se vê das cláusulas gerias que consagram o parágrafo único do art. 927 e no art. 931.

O primeiro diploma legal a abrigar a responsabilidade fundada na teoria do risco foi o Decreto 2.681, de 07 de dezembro de 1912. Onde em seu art. 26 responsabilizava objetivamente as estradas de ferro por todos os danos que, na exploração de suas linhas causavam aos proprietários marginais; no seu art. 17 disciplinava também a responsabilidade do transportador e, também objetivamente, com relação ao passageiro. E tal lei se manteve em vigor durante todo século XX, só vindo a ser revogada pelo Código Civil de 2002, sem perda da amplitude do dever de indenizar.

Outro conhecido caso de responsabilidade objetiva fundada no risco é no acidente de trabalho. Atualmente é a matéria disciplinada pela Lei 8.213 de 24 de julho de 1991, regulamentada pelo Decreto 2.172, de 05 de março de 1997. Registre-se que serve de fundamento para indenização por acidente de trabalho a teoria do risco integral, de sorte que nem mesmo as causas de exclusão do nexo causal afastam o direito do empregado, desde que o evento tenha se dado no trabalho ou em razão deste.

Mesmo o seguro contra acidente do trabalho não exonera de responsabilidade o empregador se houver dolo ou culpa de sua parte. E mesmo antes da constituição de 1988, a referida matéria já constava de Súmula do STF de no. 229onde se extrai que a indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.
A referida súmula ficou superada pelo art. 7º. Inciso XXVIII da CF, que se refere somente à “dolo e culpa”, basta  prova da culpa ainda que leve.

Por força de dispositivo constitucional temos em face do acidente de trabalho duas indenizações uma coberta por seguro social e que deve ser exigida pelo INSS, e, outra quando ocorrer dolo ou culpa do empregador, onde o empregado faz jus à indenização comum ilimitada. Em contraponto da indenização paga pelo INSS que é tarifada, e sujeita aos limites previstos em lei.

O STJ consolidou entendimento no sentido de que desde advento da Lei 6.367 de 1976 restou superada a Súmula 229 do STF, não mais se exigindo a prova de culpa grave ou dolo do empregador, bastando mesmo que leve a culpa, a comprovação desta para justificar a indenização ao empregado.

A responsabilidade civil no painel jurídico brasileiro guarda similitude com o direito tedesco ou germânico. Vejamos que temos no § 823 do BGB que em redação inferior ao que foi previsto no art. 159 do C.C. de 1916 (atual art. 186 do C.C. de 2002) fixou que quem dolosamente ou culposamente lesiona ilicitamente a vida, o corpo, a saúde, a liberdade, a propriedade ou qualquer direito de outra pessoa, fica obrigado à correspondente indenização.

Consagra de forma efetiva o BGB a regra da responsabilidade civil objetiva, apesar da forma culposa como fundamento da responsabilidade civil. E, em seu § 829, o Código Civil alemão prevê que por eqüidade é sempre responsável civil aquele que, a priori irresponsável causou dano, sempre que não se possa pleitear indenização do terceiro com dever de vigilância dele.

Idêntica forma se expressa o direito português onde a regra é a responsabilidade civil subjetiva (art. 483) como princípio geral aplicável a todos os fatos ilícitos. Em seguida, a regra jurídica consagra a possibilidade da responsabilidade civil objetiva que segundo a diccção legal lusa, só ocorre nas hipóteses previstas em lei.

Pode-se tranqüilamente ratificar que a culpa é a doutrina básica ou clássica, sendo o princípio definidor da responsabilidade civil conforme vem estatuído no art. 186 do C.C. de 2002.

Todavia, a responsabilidade civil objetiva não foi pré-excluída, até porque ante ao mundo moderno, e diante da insuficiência da culpa e a robustez do risco, passa a responsabilidade adquirir em certos casos nítido caráter objetivo. Arnoldo Wald consagra magistralmente isso em sua obra intitulada “A responsabilidade contratual do banqueiro”.

Se todo ato ilícito (e para Beviláqua é danoso) implica forçosamente na obrigação de reparar para o responsável seja ele agente (responsabilidade subjetiva) ou não  (responsabilidade transubjetiva) nem toda obrigação de reparar provém de ato ilícito.

A responsabilidade objetiva sob enfoque da doutrina do risco somente é aplicável nas hipóteses que lhes são reservadas, sem prejuízo do princípio clássico que tem na culpa lato sensu a base fundamental e geral da responsabilidade civil.

Reserva-se a responsabilidade civil objetiva baseada no risco aos casos previstos em lei. Não importando se inseridos na codificação civil, se no CDC ou em legislação extravagante (tal como ocorre nos acidentes de trabalho, nos transportes, de navegação aérea, etc.).

Curial é relembrar a pertinência da Súmula 161 do STF que adenda: “em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não-indenizar”. Aliás, toda a excludente por origem pactuada será tida por não escrita, se o risco é peculiar a atividade desenvolvida e, daí, ocorre o dano.

Seria como voltarmos no túnel do tempo e, ancorarmos nos primórdios da responsabilidade civil estatal onde reinava absoluta a irresponsabilidade integral do Poder Público.

Assevera Vilson Rodrigues Alves que embora inexistente a norma legislada, nesse sentido, não restará pré-excluída, com lastro em critérios objetivos, com abstração da culpa no suporte fático, a responsabilidade civil de alguém; a responsabilidade penal.

Ocorrerá exatamente quando no suporte fático estiverem presentes os pressupostos de invocação da teoria do risco criado. Em que pese opinião em contrário de Hely Lopes Meirelles, Álvaro Villaça Azevedo (RT 698/11), Arnoldo Wald.

Portanto tais doutrinadores entendem que a aplicação da teoria do risco está precisamente na lacuna da lei a respeito da responsabilização objetiva.

Arnoldo Wald vê a responsabilidade objetiva fundada no risco, como a do banqueiro, a do Estado para atender às necessidades da justiça e da eqüidade tendo em vista a própria natureza dos serviços prestados pela instituição financeira, ou pela Administração Pública, entende que se impõe a responsabilidade objetiva eis o porquê mereceu ser consagrada constitucionalmente.

Nesse caso, a lesão é a situação criada por quem explora a profissão ou atividade que expôs o lesado a risco do dano que veio efetivamente a sofrer (art. 929 do C.C. de 2002). Foi o princípio que norteou de início a responsabilidade civil nos acidentes de trabalho.

È o que vem sendo aplicado em se tratando de responsabilidade civil de estabelecimentos bancários, no suposto basilar de que esse risco da profissão viria compensado pelos vultosos lucros das operações e negócios que realiza.

Poderá se aludir que a referida responsabilidade objetiva, vem a favorecer a vítima quando nos casos de desigualdade econômica ou social, ergue-se como óbice para reparação do dano por esta experimentado, como por exemplo, nas relações de consumo (art. 4º, I, 6º, VIII, 12, 13 e 14 da Lei 8.078/90 – CDC).

Nas tutelas diferenciadas e protetivas é importante a aplicação da responsabilidade civil objetiva com base no risco.

Composto o suporte fático, tatbestand pode essa responsabilidade civil pode ser ora subjetiva ou transubjetiva, fundada na culpa, a fortiori no dolo, ora objetiva, com abstração de culpa.

De regra, a responsabilidade civil define-se pelo critério subjetivo onde é imprescindível a existência da conduta culposa ou dolosa, para que esta surja. Como exceção, temos a responsabilidade objetiva.

Não havendo previsão expressa de responsabilidade objetiva, há hipótese de aplicação da teoria objetiva do risco criado. Com a responsabilização objetiva do ofensor, logra-se reduzir a injustiça no caso concreto.

Observa Maria Helena Diniz sobre a relação jurídica de direito material entre os bancos e os clientes, ou terceiros, são estas regidas pelo risco – não, acrescente-se aqui, necessariamente risco profissional – por razões de eqüidade e justiça.

Georges Ripert assinala que o princípio da responsabilidade subjetiva, com lastro na culpa do ofensor.

Na maioria das hipóteses a aplicação da responsabilidade objetiva não passa de ultimum subsidium, exatamente para aquelas hipóteses em que a reparação do prejuízo não encontre fundamento nas demais regras.

Sem prejuízo da verificação de alguma causa pré-excludente da responsabilidade civil na hipótese considerada, ou excludente da responsabilidade civil no caso que se aprecie.

Cogite-se, por exemplo, da legítima defesa, do estado de necessidade, exercício regular do direito, estrito cumprimento do dever legal, causação da lesão pela própria vítima ou outrem (fato de terceiro) sem concorrência causal lesiva do legitimado passivo, caso fortuito ou força maior, cláusula eficaz de não indenizar, renúncia ao direito à indenização.

Na diccção constitucional brasileira vigente o vocábulo “Estado” significa qualquer entidade estatal ou, não-estatal, se prestadora de serviços públicos. E não importa sua essencialidade.

A ilicitude é a contrariedade ao direito, subjetiva ou objetiva por ato, por fato, por ato-fato. Pode ser relativa a algum fato jurídico lato sensu (incluindo-se também negócios jurídicos).

A história da responsabilidade civil estatal se desenvolve em continuada e progressiva ampliação e, passa da fase do nullus (nenhuma responsabilidade civil); ao plus (responsabilidade subjetiva) com o dado intermédio (o do minus).

A irresponsabilidade estatal pautada no adágio Le roi ne peut mal faire, the king can do not wrong, espelha que admitir a responsabilidade estatal seria mesmo um atentado à soberania do Estado. Também explicável pela suposição de que não existem atos próprios do Estado, mas das pessoas dos governantes, sendo, portanto impossível a imputação de culpa; ademais, o Estado não pode autorizar o ilícito; o Estado é o verdadeiro tutor do Direito, e não pode ficar subordinado aos mecanismos jurídicos  por ele mesmo criados.

A tese da irresponsabilidade estatal ainda se encontra prestigiada nos dias de hoje pelos doutrinadores que insistem em não admitir a responsabilidade estatal pela prestação jurisdicional Tal tese assenta-se na idéia de que o Estado não pode violar a lei e, por essa razão, se essa infringência ocorre, não o é pelo Estado, mas sim por seu funcionário.

Ultrapassada a tese da irresponsabilidade civil estatal que serve para bem traçar a evolução com que se chega à antítese da responsabilidade civil. Contemporaneamente há a possibilidade da invocação da responsabilidade civil estatal, senão pelo risco assumido pelo monopólio da prestação de certas atividades com que o serviço público se faz e se entrega ao público, pelo fato de que expressamente essa responsabilização está regrada na Constituição Federal Brasileira aferível definitivamente pelo critério objetivo.

A teoria da falta do serviço público (faute du service) enunciava que se o serviço público não funcionasse, ou mal funcionasse, ou fosse prestado tardiamente, haveria responsabilidade civil estatal inerentemente de culpa, bastaria o adimplemento ruim do dever estatal do bom serviço público.

A fase da responsabilidade civil transubjetiva, significa um nítido avanço ideológico do individualismo liberal do século XIX. A distinção entre os atos de império (de caráter político) e os atos de gestão (de caráter administrativo ou patrimonial) mantinha-se a irresponsabilidade estatal quanto aos atos de império, mas criavam-se mecanismos à responsabilidade estatal no pressuposto de culpabilidade de seu funcionário.

Foi o que se deu no direito alemão, austríaco, suíço, assim como na doutrina desenvolvida na Itália e França.

É óbvio que atualmente tal teoria não se sustenta, e é impertinente, não há como responsabilizar o Estado porque editou lei inconstitucional, desapropriou mal ou emitiu provimento jurisdicional lesivo, no pressuposto de que se trata de atos de imperii, mas responsabilizá-lo por ilicitude relativa como se descumprisse negócio jurídico a pretexto de que se versa de ato de gestão.

Tanto ali quanto aqui, age o Estado não importando à responsabilidade civil dele se a atividade se deu por meio de seu órgão ou por funcionário público sem esse poder de representação.

Finalmente se atingiu a responsabilidade estatal objetiva, que é a atual, seja por atos negativos ou positivos de seus agentes, foi o fato de não poder-se regrar por princípios privatísticos mais assentados sobre os conceitos de culpa e dolo, mas publicísticos.

Destacam-se três subteorias que receberam denominações variadas pela doutrina. A teoria da falta do serviço público, a teoria do risco administrativo e a teoria do dano objetivo.

Destaque-se que o STF desgarrou-se do critério da culpa subjetiva para esposar a culpa objetiva onde se cogita apenas na causalidade do dano pelo ato praticado pela Administração Pública. (RDA 40/337).

Basta a falta no serviço público seja pela omissão ou pela prestação deficiente ou tardia para que o Estado responda pelo dano advindo daí, no suposto da culpa. A objetividade na definição da responsabilidade estatal, é clara, com desnecessidade de perquirição de qualquer elemento subjetivo.

No julgado RT 611/221 onde se analisou a responsabilidade civil estatal por falha ou mau funcionamento do serviço público, fixou-se o posicionamento de que se a culpa da própria  vítima for causa imediata do acidente não se configurará a responsabilidade civil da Administração Pública, ainda que se ache envolvido algum agente público.

O que não é correto, pois causa imediata não significa causa exclusiva e nem causa suficiente. Pode haver concausalidade onde o Estado responderá, se acrescentou causa mediata.

Não parece escorreito o entendimento de que a responsabilidade objetiva da Fazenda Pública é excluída se total a culpa da vítima, vez que pode ainda ter havido inserção do agente público na linha de causalidade, e mesmo sem culpa deste, o Estado seria responsável na exata proporção dessa parcela de causalidade.

Para se excluir a responsabilidade estatal, é relevante que a causalidade integral seja da vítima.

Já a teoria do risco administrativo escapa do extremismo consternado do risco integral que faria do Estado uma espécie de “segurador universal”. Ou nas palavras de Tepedino de panresponsabilização estatal.

Em vez de referir-se à falta no dano, cogita-se do fato do dano. Quanto as atividades perigosas, a responsabilidade estatal surgiria independentemente de se referir a qualquer falha do agente, mas apenas ao fato mesmo do dano, porque seria dele a inferência dessa culpa.

Ainda que o Estado funcione bem poderá causar dano a outro e por isso é equivocado afirmar que se condiciona a responsabilidade estatal a alguma falha ou mau funcionamento do serviço público, mesmo quando se trate de omissão específica do Estado.

Os tribunais brasileiros têm reconhecido a omissão esquecida do Estado quando a inércia administrativa é causa direta e imediata do não impedimento do evento danoso, como nos casos de morte de detento em penitenciária e acidente com aluno de colégio público durante o período de aula.

A teoria do risco administrativo consagrada em sucessivos textos constitucionais brasileiros desde Carta de 1946, confere responsabilidade civil objetiva, por ação ou omissão onde se evidencia o nexo de causalidade material plenamente configurado em face de comportamento omissivo em que incidiu o agente público, que se absteve de adotar as providências reparatórias em face do dano.

Se assiste ao Poder Público a garantia de dar acesso a todos à educação formal, também é irrecusável reconhecer o dever de preservar o bem-estar e a segurança de todos os que, matriculados regularmente nas escolas públicas, e durante o período de sua permanência no recinto escolar, a obrigação de preservar a intangibilidade física dos alunos, deferindo proteção efetiva a todos os estudantes que se encontrem sob a guarda imediata do Poder público nos estabelecimentos oficiais de ensino.

Se descumprida tal obrigação e vulnerada a integridade corporal do aluno, emerge a responsabilidade civil do poder Público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, atenção, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares. (RTJ 163/1.107-1 114).

Se os benefícios do serviço público se repartem entre todos, também os prejuízos devem-no ser. É o que nos ensino o princípio da repartição eqüitativa dos ônus e encargos públicos.

Em verdade, não há ônus nem na prestação do serviço público nem na responsabilização estatal imediata pela prestação deficiente do serviço público. O ônus nada tem de fato haver com o dever de prestar serviço público, a fortiori com a obrigação estatal de indenizar o dano causado pelo adimplemento defeituoso desse mesmo dever.

A qualificação do risco de administrativo é acientífica porquanto que esta se caracteriza mas, não se discrimina do risco integral que é também administrativo. A integralidade do risco é apriorística, não se vê concausalidade com respeito ao próprio ofendido. E reside no fato de que o Estado responde sempre, ainda que nas hipóteses de concausalidade.

O risco administrativo é um risco temperado pois se provado que a vítima concorreu para o dano, justifica-se plenamente a mitigação das indenização a ser paga pelo Estado. E, se comprovado que a causalidade exclusiva se deve à vítima pelo dano produzido, justifica-se então, a irresponsabilidade estatal pelo afastamento do nexo de causalidade quanto a este. (RT 553/90).

A terceira teoria é a do dano objetivo, cujo princípio ético subjacente é o mesmo da teoria do risco administrativo, quanto a igualdade das pessoas diante dos encargos públicos, sem qualquer limitação ou discriminação.

Basta, nessa ponderação, o nexo de causalidade ocorrido entre o dano como efeito decorrente da atividade estatal (tida como causa), então é cabível a indenização. Tem o ofendido o ônus de alegar e provar que o ato positivo ou negativo do agente das pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado (prestadoras de serviços públicos) lhe causou o prejuízo.

A mera alegação de ineficiência in abstracto do Estado não basta para sua responsabilização. (RT 640/83). A extensão do dano é mero dado acidental, embora sirva para dimensionar a indenização devida. Mas nem sempre o dano é cógnito.

Mede-se o nexo de causalidade pela teoria da interrupção do nexo causal, em se considerando a linha de desdobramento físico-causal, o ato positivo ou negativo, e se assim o dano não se daria, a relação de causalidade existe.

A pertinência da culpa da vítima não está em sua exclusividade, mas de ser a exclusiva causa do dano. A solução de justiça social foi codificada e vindo a ser constitucionalmente regrada sob a influência de princípios e regras jurídicas publicístas.

Com a Constituição de 1988, mais precisamente com seu art. 37, § 6º. , em princípio é forçosa admitir que a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado (prestadoras de serviços públicos) se caracteriza com a prova do dano efetivo causado por seu agente e do nexo causal entre o ato dele (seja positivo ou negativo), e o referido dano.

Sem dúvida, há maior intensidade na participação do Estado na vida cotidiana de todos, quer no nível legislativo, administrativo e judiciário. E, por essa integração estatal nos mais variados ramos de atividade, sendo maior o risco no exercício dessas atividades, que expõe o alter a danos sejam efetivos ou potenciais.

A definição dessa responsabilização estatal é garantia eficaz contra o arbítrio e o abuso do Estado, é clamor direto do Estado de Direito. Mas, nem por isso podemos acreditar que foi adotada a tese do risco integral, e, sim a do risco administrativo.


Gisele Leite


Referências

FILHO, Sergio Cavalieiri. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª edição, revista, aumentada. 2005, São Paulo, Editora Malheiros.

STOCCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – Responsabilidade Civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. 5ª edição, revista, atualizada, ampliada, 2001.

ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade Civil do Estado por atos dos agentes dos Poderes legislativos, executivo e judiciário. 1ª edição, 2001. Tomo I e II, Campinas, SP, Editora Bookseller.

BITTAR, Calos Alberto. Responsabilidade Civil: teoria & prática, 4ª edição, 2001, Rio de Janeiro, Forense Universitária.

DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade civil, volume I e II, 8ª. edição, Rio de Janeiro, 1987, Editora Forense.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina, jurisprudência. 6ª edição, atualizada e ampliada. 1995, São Paulo, Editora Saraiva.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, volume III, 12ª edição, atualizada por Régis Fichtner, 2006, São Paulo, Editora Forense.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª edição, 2005, São Paulo, Editora Atlas.

WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade Civil das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris.

BESSA, Fabiane Lopes Bueno. Responsabilidade Civil das empresas. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 02/04/2007
Alterado em 06/11/2013
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