Atos Jurídicos
O artigo esmiúça os atos jurídicos traçando o fundamento e os principais defeitos.
Dentre os fatos humanos, há os que são voluntários e os que independem do querer individual. Sendo os voluntários, caracterizados por serem ações resultantes da vontade, vão constituir a classe dos atos jurídicos desde que se revestirem de certas condições impostas pelo direito positivo.
Porém nem todas ações humanas se constituem em atos jurídicos, porém apenas as que traduzem a conformidade com a ordem jurídica, esclarece o brilhante professor Caio Mário da Silva Pereira.
Define o Código Civil, que ato jurídico é todo o ato lícito que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, ou extinguir direitos (vide o atual art. 185 do NCC ou o antigo art. 81 do CC de 1916).
Para ser válido o ato jurídico, para ser ato jurídico perfeito requer agente capaz, objeto, lícito, possível, determinado ou determinável e, ainda prescrita em lei ou não vedada em lei (art. 82 do CC de 1916 ou art. 104 do NCC).
Pela sistemática brasileira, o ato jurídico e negócio jurídico são expressões equivalentes, alguns servem esta última para significar o ato especificamente decorrente de declaração de vontade partida do agente.
O ciclo vital do direito à guisa do ciclo da própria vida prevista na natureza que nos cerca, também nasce, desenvolve-se e extingue-se, essas fases ou momentos decorem de fatos que são denominados fatos jurídicos, exatamente por produzirem efeitos jurídicos.
Fatos jurídicos são, na definição de Savigny, são acontecimentos em virtude dos quais as relações de direito nascem e se extinguem.
Os fatos (lato sensu) podem ser classificados em: fatos naturais (fatos stricto sensu) e fatos humanos (atos jurídicos lato sensu).
Os fatos naturais se dividem em ordinários (nascimento, morte, maioridade, decurso do tempo) e extraordinário (terremotos, raio, tempestades e outros fatos que em geral incluídos nos casos fortuitos ou força maior).
Os fatos humanos dividem-se em lícitos e ilícitos.
Os lícitos são os que a lei defere os efeitos almejados pelo agente. Praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, produzem os efeitos jurídicos voluntários, desejados pelo agente.
Ilícitos ainda que contrários ao ordenamento jurídico, repercutem na esfera jurídica produzindo efeitos involuntários (quando não dolosos) impostos por esse ordenamento.
Aliás, o Novo Código Civil Brasileiro traz novidade muito curiosa no que tange ao art. 185, responsável pela inclusão dos atos jurídicos lícitos, resultado da vitória de Miguel Reale sobre Caio Mário da Silva Pereira, na acirrada polêmica sobre o correto sentido do conceito de “ato jurídico”.
A boa parte da doutrina não considerada como jurídico o ato ilícito, embora este produza efeitos como a responsabilidade civil.
Hoje, se admite que os atos ilícitos integram a categoria dos atos jurídicos, pelos efeitos que produzem (geram a obrigação de reparar o prejuízo) vide o antigo art. 159 do CC de 1916 ou o art. 186 do NCC.
Os atos lícitos ainda dividem-se em: stricto sensu (ou meramente lícitos) e o negócio jurídico. Ambos existem uma manifestação volitiva amparada pela lei e capaz de gerar efeitos (jurígeno).
No ato jurídico, o efeito da manifestação de vontade está predeterminado em lei (como por exemplo, a notificação que constitui em mora o devedor, notificação para rescisão contratual).
Porém, às vezes o efeito do ato jurídico não é buscado e nem imaginado pelo agente, mas decorre de uma conduta que sofre uma sanção pública.
Ato jurídico é potestativo é imposto inderrogável, pois que engedra efeitos na esfera de interesses independentes de sua vontade.
O fundamento do ato jurídico é a vontade real do sujeito que se declarou nas condições definidas em lei capaz de produzir imediata ou futuramente, determinado efeito, como criar, conservar, alterar, transferir ou extinguir direitos ou obrigações.
Desse modo, vontade e declaração integram o ato jurídico, porque vontade indeclarada, de propósito oculto, e irrelevante para o direito, e declaração sem vontade real, como a resultante de dolo ou do erro, não cria vínculos jurídicos.
Correm no campo da doutrina duas teorias são capazes de justificar continuamente o ato jurídico: a teoria da vontade e a da declaração.
A teoria da vontade, liderada por Savigny, diz que a declaração é simples sinal exterior da vontade real, devendo, portanto ser pesquisada, nos seus verdadeiros propósitos, através dos disfarces ocorrentes e possíveis das palavras e dos símbolos.
Tal pesquisa da vontade seria assaz auspiciosa e dificílima.
A teoria da declaração rebela-se porque se substitui a vontade psicológica pela vontade formal jurídica que na declaração se concretiza, eliminadas, desse modo, as auspiciosas sondagens da vontade real de caráter interno e subjetivo. Também levada ao extremo, a teoria da declaração desfecharia num literalismo grosseiro e não aceitável.
Por agente capaz entende-se é aquele que se encontra perante a lei em condições de declarar sua vontade. A capacidade exigida aqui não é só a geral mas também a especial. Ressalte-se que a capacidade civil desceu para 18 anos.
Além dos tipos clássicos de capacidade, a de direito e a de fato, há também a capacidade negocial e a especial. A capacidade negocial é aquela exigida como plus, além da genérica, para realização de atos jurídicos específicos. O referencial não é etário, as vezes são circunstâncias culturais tais como saber ler e escrever, ouvir, e, etc.
Capacidade especial é a aquela exigida para a realização de determinados atos, normalmente fora da esfera do Direito Privado. Aqui, o referencial será a idade que pode ou não coincidir com a maioridade civil. Assim, para votar e casar é 16 anos, para movimentar contas bancárias é 16 anos, para o serviço militar é 17 anos, e, etc.
Pessoas existem porém, a quem a lei não reconhece a capacidade de agir ou de exercício.
São os absolutamente incapazes , a saber: (art.3o.do NCC)
Os menores de 16 anos , os que por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos, os que, mesmo por causa transitória não puderem exprimir sua vontade (como o surdo-mudo inexpressivo, ausentes).
Os relativamente incapazes são (a saber previsto no art. 4o.do NCC) os maiores de dezesseis e menores de 18 anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, (pelo Decreto 891, de 25 de novembro de 1938, e os psicopatas pelo art. 26 do Dec. 24.559, de 3 de julho de 1934), art.1.185 do CPC.
Os toxicômanos pela Lei 4.294/21, foram equiparados aos psicopatas, criando o Dec-
Lei 891/38, no art.30,§ 5o., duas espécies de interdição, conforme o grau de intoxicação(limitada, que é similar à interdição dos relativamente incapazes, e a plena, semelhante à dos absolutamente incapazes), e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, os pródigos. Ressalva ainda em parágrafo único que a capacidade dos índios será regulada por legislação especial.( Lei 6.001, de 19/12/73 Estatuto do Índio, CF/88, arts.22, XIV, 49, XVI, 129, V, 210 §2o., 232, 109, XI, 231, 176 §1o).
É importante frisar que no direito pátrio não existe incapacidade de direitos, porque todos se tornam, ao nascer com vida, capazes de adquirir direitos. Existe tão-somente incapacidade de fato ou do exercício,( art. 2o., do NCC). A capacidade é a regra e a incapacidade a exceção.
A incapacidade descrita nos incisos II e III,do art. 3o., mister se faz que haja manifestação judicial a respeito.
Ratifica o novo codex civil que ao nascituro possui uma expectativa de direito. Ocorrendo as personalidade jurídica, a pessoa torna-se sujeito de direito, transformando-se em direitos subjetivos as expectativas de direito que a lei lhe havia atribuído na fase de concepção. Inclusive Para Arnold Wald, o nascituro teria personalidade condicional.
Correspondendo a incapacidade numa restrição legal ao exercício de atos da vida civil, restrição de caráter protetora pois que a vontade dos incapazes nem sequer é autêntica às suas necessidades.
Em diversos dispositivos na sistemática civil brasileira demonstram o sistema de proteção aos incapazes, como por exemplo, o poder familiar (ex-pátrio poder), a tutela, curatela, à prescrição e outros.
Nesta proteção não está incluída a restitutio integrum ( benefício de restituição) pois se o negócio jurídico for validamente celebrado (com observância de todos os requisitos de representação, e da assistência) não se poderá anula-lo, mesmo que posteriormente, demonstre ser prejudicial ao menor.
Incorporou-se o instituto da lesão enorme e enormíssima como causa invalidante do negócio jurídico, o que já havia sido feito pelo CDC o Código de Consumidor, explicitou-se a representação, a reserva mental, o abuso de direito e da prova dos fatos jurídicos. Manteve-se a influência pandectista para a conceituação do negócio jurídico.
As incapacidades podem ser supridas por meio da representação que ocorre quando alguém autorizada pela lei, pratica os atos jurídicos em nome do incapaz.
São representantes legais:é o pai e a mãe dos filhos menores de 16 anos, é o tutor dos órfãos menores impúberes, é o curador, dos insanos com maioridade, os surdos-mudos, e etc. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado.
È anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.(ex vi art.117 NCC). O representante é obrigado provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem.
È anulável o negócio concluído em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou.
O prazo a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade, é de 180 dias, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação prevista neste artigo.(ex vi art. 119 do NCC).
Os relativamente incapazes têm a incapacidade suprida ou pela assistência ou pela autorização(ato pelo qual o relativamente incapaz obtém a autorização de quem legalmente pode concede-la para realizar certo ato jurídico).
Ao declarar sua vontade, o agente dá seu consentimento ao negócio , que não pode ser prejudicado por nenhum dos defeitos do ato jurídico tais como o erro, dolo, coação, e a simulação.
No dizer de Fiúza defeito é todo vício que macula o ato jurídico, tornando-o passível de anulação. Os mais graves defeitos, viciam o ato de forma definitiva e os menos sérios podem ser remediados pelas partes interessadas.
São previstos no art. 166 do NCC, in verbis:
“É nulo o negócio jurídico quando:
I celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV não revestir a forma prevista em lei; V for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a validade; VI tiver por objetivo fraudar a lei imperativa; VII a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.”
São defeitos relativos ou leves os listados no art.171 do NCC, a incapacidade relativa doa gente do agente, os vícios do consentimento(erro, dolo, coação) o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores, além de outros, previstos na legislação de maneira difusa.
Por objeto do ato jurídico deve ser lícito, possível(ou seja ter natureza e existência judicialmente reconhecida). Se for impossível o objeto, seja física ou juridicamente, dar-se-á a nulidade absoluta do ato jurídico.
E em boa hora, o Código Civil de 2002 acrescenta o que já ermitava consagrado em doutrina, há de ser o objeto lícito, possível, determinado ou determinável que atende à clareza do negócio.
Quanto a forma dos atos jurídicos convém ressaltar os que integram a substância do ato(a forma ad solemnitatem) tais como a escritura pública para a alienação de bem imóvel, o testamento; e os que se revestem de formalidade ad probationem tantum que é exigida apenas como prova do ato, por exemplo, o assento do casamento no livro de registro art. 1.536 do NCC.
Todavia, existem os atos ditos não solenes ou de forma livre, não reclama nenhuma formalidade para seu aperfeiçoamento podem ser inclusive celebrados pela forma verbal.
Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.(art.108 NCC). Continua a ser a forma livre do ato a regra, e a exceção a forma especial ou solene que a lei ou o próprio negócio jurídico exigir.(ex vi art. 109 NCC).
Algumas vezes, a forma é essencial à validade do ato e em outras é simplesmente um meio de prova, se a formalidade é da essência do ato, este não valerá, por exemplo quanto aos débitos inferiores a dez vezes o salário mínimo, o CPC admite a prova exclusivamente testemunhal( art.401 CPC), mas a existência do contrato independe da forma escrita e desde que as partes cumpram as suas obrigações o contrato mesmo de valor superior a dez salários mínimos será perfeito e acabado, embora não tenha a forma escrita.A nova legislação trazida distinção entre as formalidades exigidas pelo ato para sua existência e as que são exigidas para prová-lo.
O NCC traz dois novos institutos como causa de invalidação do negócio jurídico, o estado de perigo (art. 156 NCC) e a lesão (art.157NCC). Configura-se o estado de perigo quando alguém, por exemplo, vende um bem imóvel por preço vil, em razão de premente cirurgia de uma pessoa de sua família. Tal venda poderia ser anulável por se encontrar o vendedor em estado de perigo.
Já a lesão a pessoa assume uma prestação desproporcional em função de premente necessidade ou inexperiência. Tal instituto tende a evitar negócios jurídicos onde impera a má fé de uma das partes, onde não ocorre a observância do princípio da boa-fé objetiva. O negócio, contudo, pode ser convalidado e for ofertado suplemento suficiente, ou se a parte favorecida estiver de acordo com a redução do proveito.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 29/03/2007
Alterado em 20/05/2010