A inevitável filosofia
As indagações filosóficas se realizam de forma sistemática, tão orgânica e metabólica como qualquer ser vivo...Entender a filosofia é entender um pouco mais da vida.
É cada vez mais residual o número de candidatos nos cursos universitários de Filosofia e, há um grande desinteresse pela disciplina Filosofia no meio acadêmico.
Vários conceitos pejorativos que envolvem injustamente o estudo da Filosofia, e convém ressaltar que esta não se limita as discussões estéreis sobre temas extravagantes. Há até um velho provérbio norte-americano que diz in litteris: “Philosophy makes no bread”, traduzindo: Filosofia não faz pães...
No Brasil, o filósofo tem sido olhado e julgado com um ser estranho, exótico e até meio marginal. Tal enorme menosprezo pela especulação filosófica talvez tenha sua origem alegam alguns, na colonização destinada a terra brasilis e, na espécie de gente que veio para o Novo Mundo; homens rudes, degredados, enjeitados para quem a única coisa importante era ganhar a vida e, se possível enriquecer.
Outros pensadores apontam a nossa pobreza e imaturidade cultural, histórica e política, daí gozar a Filosofia de tão pequena importância e pertinência.
Outros pensadores como Tobias Barreto depois de observar que “não há domínio algum da atividade intelectual em que o espírito brasileiro se mostra tão acanhado, tão frívolo e infecundo, como no domínio filosófico” e, arremeta dizendo: “o Brasil não tem cabeça filosófica”.
Mais recentemente, Caetano Veloso na música chamada “Língua” parafraseando Barreto afirma magistralmente: - “Está provado que só é possível. Filosofar em alemão”.(Língua. Caetano Veloso. In CD Velô, Faixa 11, n. 824024-2, Philips/Polygram, 1989).
Ortega y Gasset alega que talvez a famosa inutilidade da filosofia seja o sintoma mais importante para que a vejamos como um verdadeiro conhecimento. Uma coisa que serve, e nessa medida, é servil. A Filosofia é a vida autêntica, a vida possuindo-se a si mesma, não sendo útil para nada que lhe seja alheio.
Na filosofia, o homem é apenas servo de si mesmo. E possui a plena liberdade de ser filósofo ou ser “sonâmbulo”. Hoje onde impera a impactante mídia e a opressiva onda de propaganda, há cada vez mais a possibilidade de produção em série de “sonâmbulos” ou pessoas sem a menor capacidade de crítica.
A própria televisão permite ao homem informação, lazer sem qualquer esforço possível, e a imagem flui para a consciência humana sem a necessidade de reflexão.
Também aí vislumbramos a crucial importância da Filosofia como instrumento de reflexão crítica, como uma poderosa arma contra a civilização “do ter” (que tenta ser mais valorosa do que a civilização “do ser”) e, principalmente, como despertadora dos sonâmbulos e, por vezes, até revolucionária.
E, talvez aí, ocorra uma angústia, uma espécie fina agonia que o filósofo Heidegger chamava de “dassein”.
Viver não é percorrer um caminho já traçado. É construir a sua própria existência. A vida supõe valores, concepções, acepções, conhecimentos, qualidades, conteúdos, influências e condicionamentos de toda espécie.
Como bem diz Sartre: “o homem é o ente em-si (...) o homem pode nascer escravo numa sociedade pagã _ ou senhor feudal ou proletário. Mas o que não varia é a necessidade para ele de estar no mundo, de lutar, de viver com os outros e de ser mortal”.(in O existencialismo é um humanismo, p.16).
Ainda que não saibamos lá no fundo de cada alma, ainda que confusamente cada um de nós tem sua filosofia. Podemos segui-la sem pensar, quais umas máquinas. Ou poderemos refletir com profundidade sobre as bases dessas nossas concepções, valores, condicionamentos, culturais, e, sobretudo costumes.
Em resposta ao prosaico provérbio norte-americano poderíamos afirmar que “sem alguma Filosofia” nunca teríamos um pedaço de pão. O ato de alimentar não supre apenas nossos extintos e a sede de sobrevivência. E se há o pão, diante dele surge o valor da vida que se apresenta como um problema filosófico.
E a vida vale a pena ser vivida? É viver apenas sobreviver, “sub-viver”...? Viver é o mesmo que vivenciar? Para os filósofos pessimistas a resposta caminha em direção ao suicídio, e, portanto, para a desnecessidade de pães.
Já outras doutrinas filosóficas nos respondem afirmando a superioridade da vida, de sua conveniência e de sua manutenção. Uma das grandes funções da Filosofia é precisamente a de procurar responder ou aclarar os grandes problemas que os homens colocam para si mesmos no momento exato da reflexão.
Além de importante, a Filosofia é mesmo inevitável. Aos que pretendem contesta-las, cumpre apontar que isto já significa uma forma de filosofia. Aos que a ignoram, também.
A expressão profética de Maritain melhor esclarece a questão: “o homem faz Filosofia até quando respira”.
Porém, o melhor argumento em favor da Filosofia é mesmo de ordem histórica, há mais de vinte séculos a cultura filosófica da Grécia marcava o apogeu de uma das maiores civilizações do passado e que deixou vestígios vivos até os dias de hoje.
E, daí superando obstáculos e dificuldades a Filosofia atua intensamente sobre todos os períodos da História antiga, medieval, moderna e contemporânea.
E até hoje não há universidade, centro de cultura no Ocidente ou no Oriente em que a Filosofia não seja objeto de estudo e pesquisa como disciplina indispensável ao desenvolvimento humano e às ciências como um todo.
Filosofia pode ser definida como reflexão crítica ou busca do saber, como a concepção geral do mundo e da vida (cosmovisão), como a reflexão sobre os fundamentos ou pressupostos das ciências (Filosofia das Ciências ou Epistemologia).
E ainda como reflexão sobre a totalidade das coisas e sobre o ser enquanto ser (Ontologia, Meta física ou Filosofia Primeira).
Filosofia não é sophia (sabedoria), é somente o desejo, o amor(philo) dessa sabedoria. Tal distinção foi proposta por Pitágoras e é atualmente ressaltada por Karl Japers (que acentua a essência da filosofia não é a posse do saber e, sim exatamente a procura do saber).
A Filosofia que se transforma em dogmatismo, se trai a si mesma. Fazer filosofia é estar a caminho, e as perguntas são mais cruciais do que as respostas e, a cada resposta surge sempre uma nova pergunta. Daí a maiêutica.
Na pesquisa filosófica há uma verdadeira humildade que se opõe furiosamente ao orgulhoso dogmatismo do fanático, do convicto. Eis a máxima socrática: Só sei que nada sei.
A consciência filosófica não é nem uma consciência feliz, satisfeita em possuir um saber absoluto.É uma consciência irrequieta e à procura da verdade.
Definir a Filosofia como reflexão (é uma espécie de movimento de volta a si mesmo executado pelo espírito e que põe em xeque os conhecimentos que possui), é ver na reflexão não um conhecimento em primeiro grau, mas em segundo grau, um saber do saber.
Uma das grandes significações correntes da palavra filosofia é a que identifica com a “concepção da vida e do mundo”, adotada por uma pessoa ou grupo social. Assim é o conjunto de valores, sentimentos, ideais e aspirações que aproximam os membros de uma classe, grupo, comunidade e os distingue ou opõe a outros grupos. Cada homem tem sua “filosofia”.
Os alemães indicam esse significado com a palavra weltanschauung (visão do mundo) criada por Humboldt e, hoje se generaliza o uso da expressão cosmovisão, mundividência e, outras semelhantes.
Para Dilthey, há três espécies de cosmovisões: a dos filósofos (baseada em razões lógicas ou objetivas, dotadas de validades universais), mas que são ditadas pela realidade e pelas disposições psíquicas e os temperamentos diferentes dos filósofos.
A segunda seria a cosmovisão dos artistas baseada no sentimento estético, e exprimindo simbolicamente a atitude subjetiva do artista em face da vida e do mundo, assim para Stendhal e Balzac a vida parece um tecido de ilusões, paixões, beleza e perdição, em que domina a vontade egoísta, ao passo que para Corneille e Schiller a vida é o cenário da ação nobre e heróica (vide Ozymannias).
Finalmente, a cosmovisão dos religiosos baseada na consciência de dependência do homem para com o sobrenatural ou super-sensível. É avessa ao naturalismo que se contenta com a realidade sensível e material.
Van Acker definiu em sua “Introdução à Filosofia e Lógica”: “Filosofia é a crítica aos postulados das ciências particulares”. Todas as ciências possuem, em seu cerne, certos pressupostos, postulados ou suposições que são aceitos, sem discussão ou crítica que servem de ponto de partida nas respectivas investigações. É um de suas perspectivas mais relevantes da Filosofia o estudo de tais problemas fundamentais.
Em sentido estrito a filosofia se identifica com ontologia, metafísica, ou Filosofia primeira, a ciência do ser enquanto ser, diz Aristóteles (Metafísica, livro XI, cap. III).
Em outra passagem: “esta ciência é diferente de todas as ciências particulares, porque nenhum delas estuda o ser enquanto ser. Elas só tratam do ser sob determinado ponto de vista e, apenas sob tal ponto de vista, estudam seus acidentes, como por exemplo, a” Matemática “.
Munidos dessa acepção, Rayemaeker define: “a Filosofia é um conjunto de conhecimentos naturais metodicamente adquiridos e ordenados, que tende a fornecer a explicação fundamental de todas as coisas”.
Descartes (1596-1650), considerados por muitos como o pai da Filosofia moderna, adota uma postura idealista, e, partindo da dúvida metódica, começa por duvidar de todas as coisas: “dos sentidos, da ciência, da alma, de Deus...”
Só não posso duvidar de uma coisa é de que estou duvidando e, portanto, pensando. Mas se penso, eu existo. Cogito ergo sum, é a partir daí que Descartes constrói todo seu sistema filosófico.
Ortega y Gasset enxerga a vida humana como objeto metafísico por excelência, sendo a doutrina da vida humana a questão central de sua filosofia. E reconhece que a vida humana não é a única realidade no universo, e sim a realidade básica, fundamental, de que todas as demais realidades fluem.
A primeira característica da atitude filosófica é negativa, pois diz não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às idéias da experiência cotidiana ao que “todo mundo diz e pensa”, ao estabelecido.
A segunda característica da atitude filosófica é positiva, pois significa uma interrogação sobre o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, de nós mesmos.(O que é, por que é? Como é?).
A face negativa e positiva da atitude filosófica constitui o que chamamos de atitude crítica e o pensamento crítico.
Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício dos seres humanos.
Descartes como estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes.
Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e, o que pode fazer, tendo como finalidade à felicidade humana.
Marx declarou que a Filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo e que se tratava, agora de conhece-lo para transforma-lo, transformação que traria justiça, abundância e felicidade para todos.
Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar para ver e mudar nosso mundo.
Spinoza afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.
De posse de ligeiras idéias do que é a Filosofia, de suas pretensões e preocupações, qual conceito você elaboraria para Filosofia??
Pensar é preciso. Pensar para viver é essencial! A filosofia é mesmo inevitável...
Referências
LEITE, Celso Barroso org. O Livro das Citações para todas ocasiões Ediouro, 1979.
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia História e Grandes Temas Editora Saraiva, 2000.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. Editora Ática, 1999
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 28/03/2007
Alterado em 05/12/2012