morte poética
vc saiu
assim silente, por cima dos telhados...
pisando macio na vida,
com sua inflexível felinidade
era branco, todo branco,
com detalhes rosáceos...
estavas sujo ultimamente
a tortura do banho devido ao inverno
tinha dado uma trégua
vc saiu sorrateiramente da vida
e de todos nós
vc não queria que guardássemos seu corpo,
e nem velasse por sua alma...
porém, de todo jeito
estavas condenado a ser eterno
porque já era humanizado
e humanamente miava,
pedindo leite, comida,
atenção...
me perguntava intimamente
sobre suas sete vidas
aonde estarão as outras seis ??
vc era meu amigo, meu irmão,
meu cúmplice
na hora da leitura,
no sono maroto após o almoço
e, sobretudo meu companheiro
quando caçava os ratos
e, as vezes cruel com as pobres rolinhas
vc partiu sem dizer adeus,
au revoir mon cher...
mon chat blanche...
vc me acompanhava todos os dias até quase
a esquina e, arredio
ia miando por cima de
muros telhados, umbrais...
sua pose elegante, impecável
e se lambia em público com uma
assepsia elegante
de quem toma banho nu
mas, ao mesmo tempo, decente
vc tinha nome de urso polar...
todo branco, alvo
infalivelmente branco...
albino de olhos amarelos
castanhos e medonhos
que nos fazia ver
a finitude de um gesto de amor
e carinho
mas vc está definitvamente
fadado a ser
eterno
o que quer que os sentimentos toquem uma só reles vez
descansa eterno na memória,
na retina, nas mãos e, sobretudo
permanece tatuado na alma
com a certeza
de que irás voltar
muitas vezes
do caminho infinito que tens a seguir...
queria mumificá-lo
queria tê-lo para sempre
quanto egoismo idiota o meu
se eu já lhe amava tanto e,
nós nos pertencíamos
sem nos aperceber...
lá vinha você pular no colo
e a ronronar sobre os mistérios das noites
em claro
sobre a lua prata banhada em purpurina
sobre a chuva a fina a lhe molhar as patas
almofadas e rosas
mas enfim, seu espírito iluminado e belo
escolheu uma morte poética
um partir reticente
por cima de um telhado alheio
vizinho
e, então sua morte não passou de um anúncio
portado por uma criança...
era apenas um gato branco de coleira
que partiu sem dizer
adeus...estava morto
Le mort blanche
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 22/02/2007
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