"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos

Liberdade, a genuína expressão humana .
O artigo tenta explicar filosoficamente e juridicamente o conceito e a importância da liberdade e a respectiva relação com outros conceitos como consciência, verdade e poder.



A liberdade é condição daquele que é livre, capacidade de agir por si mesmo. A liberdade é a expressão genuína da essência humana. É para alguns, sinônimo de autodeterminação, independência, autonomia. Spencer definiu a “ a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro” assim conferiu cunho político a liberdade, traçando-lhe como possibilidade de o indivíduo exercer, em sociedade, os chamados direitos individuais clássicos, como o direito de voto de liberdade de opinião e de culto.

Já em sentido ético, se traduz como o direito de escolha pelo indivíduo de seu modo de agir, independentemente de qualquer determinação externa. Aliás, em eras medievais muito se discutiu a respeito do livre arbítrio.

É realmente um conceito filosoficamente discutível, teria o homem realmente liberdade absoluta? Talvez numa preciosa e detida avaliação descubramos que só há mesmo valores irrisoriamente relativos.

São tantos os condicionamentos biológicos, psicológicos, sociais, culturais, históricos e geográficos que limitam e ditam inexoravelmente o homem que a existência da liberdade não passa de uma premissa mais do que uma exata verdade.

Kant considera que a liberdade é a ação em conformidade com a lei e moral que nos outorgamos a nós mesmos. A liberdade implica assim na responsabilidade do indivíduo por seus próprios atos. Sem dúvida há no conceito de liberdade o envolvimento com a consciência, poder, dever e identidade do ser humano.

Citando Teilhard Chardin em sua obra O fenômeno humano in verbis: “ O animal sabe. Mas certamente, ele não sabe que sabe: de outro modo, teria há muito multiplicado invenções e desenvolvido um sistema de construções internas. Conseqüentemente, permanece fechado para ele todo um domínio do Real, no qual nos movemos. Em relação a ele, por sermos reflexivos, não somos simples mudança de grau, mas mudança de natureza, que resulta de uma mudança de estado.”

A liberdade é conceito que nos remete irremediavelmente a consciência, por isto mesmo o homem é o homo sapiens sapiens(o ser que sabe que sabe, literalmente). Somente o processo integrado e contínuo de conscientização torna possível o relacionamento com o mundo e consigo mesmo e faz do homem um ser dinâmico, e, mais um ser que é o todo e a parte simultaneamente.  

Benfazeja é a assertiva de Pe. Antônio Vieira que aludia que o todo sem a parte não é o todo, e a parte sem o todo não é parte. Na essência humana, o mundo é moldura assim como este é, o imenso contexto em que nos encaixamos e significamos um pequeno elo de conexão.

Considerando a cadeia inquebrantável dos acontecimentos naturais, é possível dizer que a liberdade nada mais é que uma doce ilusão, estas são as palavras de Immanuel Kant em sua obra Crítica a razão pura.

Neste sentido, Hannah Arendt aduz: “ É como se velhas contradições e antinomias estivessem à nossa espreita para forçar o espírito a dilemas de impossibilidade lógica de tal modo que, dependendo da solução escolhida, se torna impossível conceber a liberdade ou o seu oposto quanto entender a noção de um círculo quadrado”.

Desde de muito cedo o homem aprende a conceber todas as coisas sob a forma de oposição expressa no sim e no não; à direita e à esquerda( a droit ou a gauche); desejo e aversão; afirmação e negação; semelhança e diferença.

Aliás, muitos dos elementos conceituais até se definem pela mera oposição, ou como se diz vulgarmente por eliminação, é o caso por exemplo da boa fé. O primeiro elemento constitutivo da liberdade é a noção de diversidade. O silêncio atual me conduz à possibilidade da palavra e a palavra atual me remete à possibilidade do silêncio; A possibilidade é pois, o segundo elemento constitutivo da liberdade.

O terceiro elemento é a independência significando a imunidade diante de qualquer tipo de coerção ou constrangimento. A multiplicidade de estímulos presentes na essência humana nos faz confrontar com a necessidade de escolher entre os diversos caminhos a seguir, logo a liberdade implica assim na pluralidade.

Todavia o ser humano não faz o que quer,mas, sobretudo, pode efetivar realização de metas e fins estabelecidos, e se caracteriza por ser livre por possuir certo grau e medida de possibilidades objetivas de concretizar as escolhas motivadas.

Ser livre é ser incausado, é decidir e agir como se quer , sem causa exterior ou interior, mesmo admitindo que força existam, o ato livre pertence a uma esfera em que perfaz a liberdade humana.

O livre-arbítrio(liberum arbitrium) é poder de se determinar sem outra regra que a própria vontade, vontade não constrangida. É a  liberdade de indiferença, é o homem dotado de poder(quanto à ação e vontade). Foi ele um dos temas mais calorosos da Idade Média especialmente sobre a questão da declarada incompatibilidade entre a onipotência divina e a liberdade humana.

Liberdade de equilíbrio ou de indiferença são denominações que resultam da compreensão negativa de livre-arbítrio, baseado na possibilidade de escolhe entre duas opções, sem que sejam apontados os fundamentos.

O livre arbítrio não é uma faculdade distinta da vontade, mas uma tributo da vontade. É o poder da vontade em se autodeterminar, de agir ou não agir, sem ser a isto coagida por nenhuma força nem anterior e nem interior.

Pode-se demonstra a existência da liberdade através de diversas provas. A prova da consciência resulta da análise que fizemos do ato voluntário, no qual a consciência experimental diretamente a liberdade do querer composta de deliberação, decisão e execução.

As sanções da vida social como recompensa e castigo não têm sentido senão pela liberdade e supõem elas que os homens se reconheçam livres e responsáveis por seus atos.

Por isso, não se punem os dementes que delinqüem por absoluta falta de discernimento e razão e, portanto , de liberdade, seus atos não lhe são imputáveis.

O uso contínuo dos contratos e mesmo o teórico e hipotético “ Contrato Social” de Rousseau através dos quais os homens assumem obrigações recíprocas, igualmente pressupõe a crença no livre arbítrio.

É a prova metafísica que explica o livre arbítrio e demonstra que ele é uma conseqüência necessária ou propriedade da razão.

Sendo a vontade uma faculdade racional que tem por objeto bem conhecido pela razão sob forma universal. A vontade não é determinada necessariamente por nenhum deles, quer dize ela   é livre.

A grande objeção à liberdade consiste em alegar que esta chegará a produzir atos sem antecedentes, ou seja, não determinados, e por conseguinte sem razão de ser.

O ato livre tem então, um antecedente de natureza particular. O que o torna inteligível situando-o no espaço, no tempo e numa seqüência ordenada de fenômenos.

Sartre por sua perspectiva existencialista, crê que o homem é livre, posto que somos aquilo que fazemos do que fazem de nós. Reluta veementemente contra o determinismo que reduz tudo a um maktub – estava escrito.

O homem nunca é um ser acabado predeterminado, sempre há a possibilidade de escolha. E não diferença entre o ser do homem e seu ser livre.

Voltaire ilustra bem a liberdade de pensamento:”Não estou de acordo com o que você diz, mas lutarei até o fim para você tenha o direito de dizê-lo”. É o direito de pensar, e de lutar pela liberdade de exprimir seu pensamento.E que se tornou uma das máximas do Liberalismo.

Prestem atenção na fábula chamada Asno de Buridan que Jean Buridan (século XIV) onde apresenta o livre-arbítrio:

“Um asno com fome e sede, mantido a igual distância de um balde de água e de um cocho de aveia, morreria sedento e faminto por  ser incapaz de fazer qualquer escolha”.

Enquanto os animais são conduzidos por seus apetites, temperamento e até mesmo pelos astros, o homem, ao contrário, tem o poder não só de escolher aquilo que ele pensa ser o melhor, mas também de decidir entre bens de igual valor.

Segundo Buridan, a vontade se pauta por aquilo que a inteligência aponta como bem maior. Porém, quando a inteligência julga dois bens de igual maneira, a vontade não pode decidir-se nem por um e nem por outro; a escolha não acontece. É o caso de nosso pobre asno.

O homem, no entanto, não morreria de fome e de sede, pode com certeza, suspender ou impedir o julgamento da inteligência.

Tal fábula demonstra a contradição entre a necessidade e a liberdade. O que nos remete novamente a uma questão controvertida sobre o determinismo e sobre a liberdade absoluta.

A questão da liberdade aparece constantemente em Foucault, mesmo quando apenas de um modo tácito. Ela não figura com destaque em suas próprias referências a sua obra nem na literatura secundária sobre ela. E é motivada pela busca de um novo papel para a filosofia na “ ética intelectual”.  

Tal questão se encontra em seu deslocamento das questões fundacionalistas kantinianas para uma análise crítica de nossa objetivação e subjetivação. Enfim, encontra-se, em sua definição genealógica de uma política da verdade.

Foucault inventa uma filosofia que libertaria a nossa experiência de nós próprios ou de nossa subjetividade. Tenta transformar as inter-relações, profundamente arraigadas em nossa tradição histórica, entre concepções de liberdade e de verdade, a fim de propiciar uma análise para a problematização da subjetividade na experiência moderna.

Para explicar a tese central dessa nova espécie de filosofia, devemos traçar uma distinção entre liberdade real e nominal. Para cada concepção instituída de liberdade, aplicamos uma inversão nominalista e tentamos determinar a prática mais vasta dentro da qual ela se figura; essa prática é, pois, o que envolve a nossa liberdade “real”, algo associal que não pode ser instituído ou garantido.  

Assim, a nossa liberdade real não consiste em contar as nossas verdadeiras histórias e encontrar o nosso lugar no seio de alguma tradição ou código moral; em determinar as nossas ações de acordo com os princípios universais; nem em aceitar as nossas limitações existenciais numa relação autêntica com o nosso próprio eu.  

Somos pelo contrário, “realmente” livres porque podemos identificar e mudar aqueles procedimentos ou formas através dos quais as nossas histórias tornam-se verdadeiras; porque podemos questionar e modificar aquelas sistemas que tornam possíveis(somente) certas espécies de ação; e porque não existe nenhuma relação “autêntica” com o nosso próprio eu e a que tenhamos de nos ajustar.

As liberdades formalmente garantidas figuram sempre no âmbito de alguma prática histórica contingente; essa prática é política no sentido de que impõe objetivos que temos realmente liberdade para analisar, contestar e mudar. A liberdade real encontra-se na dissolução ou mudança das comunidades organizadas que consubstanciam a natureza, tal como é, associal ou anárquica.

A filosofia de focaultiniana é um apelo crítico a essa liberdade real que resulta numa verdade diferente das verdades da ciência. Assim a pesquisa filosófica é mais que uma coleção sistemática de conhecimentos, é uma crítica que não tenta fundar o conhecimento, dotar a teoria de uma justificação. Ou defender a Razão, mas possibilitar novos modos de pensamento. É a liberdade não o fim da dominação ou como remoção da história, mas como a revolta pela qual a história pode ser constantemente mudada.  

Não sendo a filosofia de Foucault prescritiva e nem  meramente descritiva. É ocasião, desafio, é risco e permanece sempre sem um fim. É a ética do que o filósofo chama se dépendre de soi-même(desprender-se de si mesmo):o questionamento e a transformação constantes do papel do nosso “eu” em nosso próprio pensamento. Inventa assim uma filosofia não de fundação mas de risco, que é a interminável questão da liberdade.

Para Nietzsche, o homem livre é um lutador e a liberdade é algo que se conquista.Segundo o determinismo científico, tudo que existe tem uma causa. Tal mundo é explicado pela necessidade e não pela liberdade. Ora, se a ciência não partisse do pressupostos do determinismo, seria impossível estabelecer qualquer lei.

Não haveria conhecimento científico se tudo fosse contingente; no século XIX, o positivismo, na ânsia de aplicar o mesmo método das ciências da natureza às ciências humanas, estende a estas o determinismo, considerando a escolha livre uma mera ilusão.

A psicologia de Watson e Skinner reflete, no século XX,a influência da visão positivista nas ciências humanas. Um dos mais expressivos deterministas foi taine, discípulo de Comte, principalmente por causa de suas leis da sociologia, segundo as quais toda a vida humana se explicaria por três fatores: raça (força biológica, hereditária determinante do comportamento do indivíduo); meio(fatores geográficos, sociais , culturais); momento (o homem é fruto da época em que vive).

Tal determinismo também encontrará eco na clássica de Lombroso pela qual pela análise das características físicas dos indivíduos, poderíamos indicar o criminoso-nato.

Contrapondo-se ao determinismo surgiram teorias que enfatizam a possibilidade da liberdade humana absoluta, e do livre arbítrio. Bossuet( século XVIII) no Tratado sobre o livre-arbítrio, diz o seguinte: “ Por mais que eu procure em mim a razão que me determina, mais sinto que não tenho nenhuma outra senão apenas a minha vontade; sinto aí claramente minha liberdade, que consiste unicamente em tal escolha. É isto que me faz compreender que sou feito à imagem de Deus”.

O filósofo personalista Mounier diz: “Enquanto se desconheceram as leis da aerodinâmica, os homens sonhavam voar; quando o seu sonho se inseriu num feixe de necessidades, voaram”.

Não há mágica, há conhecimento dos determinismos. O sonho se concretiza no trabalho do homem como ser consciente e prático. Aliás, uma das grandes contribuições de Freud é ter mostrado que o neurótico não é livre, pois se acha dominado por forças inconscientes que marcam suas ações.A cura da neurose estaria à trazer à consciência a causa oculta, ajudando o paciente a lidar com seu próprio desejo.

Tratar da liberdade do homem situado, do homem enquanto relação é mais propriamente o campo da sociologia que da filosofia. A facticidade (ou imanência) e a transcendência humanas são pólos antitéticos, ou seja, contraditórios, mas indissoluvelmente ligados.

A facticidade é a dimensão de “coisa” que todo homem tem, é o conjunto das suas determinações. São os fatos ( donde facticidade) que estão aí, tais como são e sem possibilidade de ser de outra forma.

O fenomenólogo Luijpen diz:” Refletindo sobre sua existência, o homem se encontra, com efeito como já imerso em determinado corpo e já envolvido em determinado mundo.

Tudo isto constitui o que ele já é, a saber, seu passado. Esse já é também chamado  de “determinação” do homem. A transcendência é a ação pela qual o homem executa o movimento de se ultrapassar a si mesmo. É a sua dimensão de liberdade.

A liberdade não é uma dádiva e, sim resultado de uma árdua tarefa, de uma conquista. A liberdade não é ausência de obstáculos, mas a conquista da capacidade de superá-los, de transcender.

Gusdorf conta que “um grande pintor tendo feito algumas sessões o retrato de um freguês; teve que ouvir deste, objeção que o preço exigido era muito alto por algumas horas de trabalho”.E ele fez da liberdade seu grande argumento.

A juventude é a fase em que se torna mais forte a reivindicação de liberdade. Também é quando se inicia o exercício desse poder.

Van Riet demonstra a estrutura do homem e o entrelaçamento de responsabilidade, liberdade e necessidade.  Destacou Van Riet, o homem possui uma estrutura formada de aspectos distintos, mas ligados entre si, empírico (ou corpóreo), pessoal (ou voluntário) e o aperceptivo (ou intelectual).

O aspecto empírico do homem é o  corpo sujeito às leis da  física, é o corpo biológico, sujeito as leis da natureza e da genética.

O homem é um ser psicológico e com o tal percebe o mundo, reage emocionalmente a ele e elabora as próprias vivências.

O homem é um ser cultural, vive em meio humanizado, transformado por meio de sua própria ação. É dotado de historicidade, sempre é situado em determinada época, sociedade e cultura.

Se considerarmos apenas o aspecto empírico do homem, concluiríamos que o homem é determinado e não livre.

Aspecto pessoal é também chamado de voluntário, é capaz de transcender, decidir, escolher e ser responsável pelos seus atos e, por isto engajado numa ação.

Exemplo interessante é o da linguagem, que faz parte do aspecto empírico, já que se trata de um fato da cultura herdada.  No entanto, as mesmas palavras usadas por todos podem ser organizada de modo original.  

É possível  então decorrer a originalidade e a criatividade humanas.  Se aspecto pessoal justifica a liberdade do homem, e essa é pessoal e intransferível, cabe cada homem decidir o que é melhor para si; logo desejar determinar o que é melhor para todos seria violar a liberdade de cada um.

O extremo individualismo é perigoso, pois o relativismo moral e o solipsismo (o homem voltado para si mesmo e incapaz de comunicar-se com o outro).

Aspecto aperceptivo é  o além da percepção, é abstrato e intelectual.  É quando as afirmações subjetivas aspiram à objetividade, permitindo o superar da contingência e da própria experiência.

A busca da relação intersubjetiva possibilita a comunicação e retira o indivíduo do seu universo fechado.

Não se pode ter entendido que tais aspectos são isolados e que surgem forçosamente nessa seqüência. A moral é tecida na trama destes três aspectos que embora contraditórios se acham indissoluvelmente ligados.

Privilegiar o aspecto empírico é mergulhar na heteronomia, é regular-se por leis externas e sucumbir ao determinismo.  Sublinhar tão somente o aspecto pessoal é negar a dimensão intersubjetiva da moral.  

Ater-se somente ao aspecto aperceptivo é tornar a moral e liberdade conceitos abstratos e descarnados.  A relação entre tais aspectos é dialética pois supõe a reciprocidade de influências.  Só se ruma em direção da autonomia quando se supera a heteronomia, e enfim conseguimos a realização do ato moral livre.

O  social é herança cultural, é impossível a liberdade fora da comunidade dos homens.  As relações entre os homens não são de contigüidade, mas de intersubjetividade, de engedramento, os homens são feitos uns  pelos outros; o homem se humaniza pelo trabalho cuja ação é social.

O caráter social da liberdade se contrapõe ao individualismo  associado a liberdade herdada da tradição liberal burguesia.

A escravidão é condenada e o contrato de trabalho se apresenta como uma forma legal de acordo livre entre iguais: o dono do capital paga o salário ao operário que vende a sua força do trabalho.

Aliás, a democracia de direito traduzida pela democracia liberal, não é uma democracia de fato, pois permite a elitização do poder. A decorrência é que os homens não são tão iguais assim e, portanto a liberdade de escolha não é tão livre quanto se poderia imaginar.

Na verdade, as condições de escolha já estão predeterminadas e reduzidas para aqueles que não são proprietários. O princípio do liberalismo é: “A raposa livre no galinheiro livre”

O pensamento liberal burguês não parte da liberdade individual mas sim o interesse coletivo pois é a partir dele que o comportamento individual se regula.

A vida moral só é possível enquanto ação baseada na cooperação, na reciprocidade e no desenvolvimento da responsabilidade e do compromisso.  

Só assim torna-se viável a efetiva liberdade de cada um . Não é o outro que é limite da nossa liberdade, mas a condição para atingi-la.

É de Espinosa, filósofo holandês de origem judaica quem afirma:  

“ Deve-se notar que, embora a alma humana seja determinada pelas causas exteriores para afirmar ou negar, não é determinada a ponto de ser constrangida por elas, mas permanece sempre livre, pois nenhuma coisa tem o poder de destruir a essência dela.

Portanto, aquilo que afirma e nega, afirma e nega livremente(...) Se, depois disso alguém perguntar: por que a alma quer isto e não quer aquilo? Responderemos: porque a alma é uma coisa pensante, isto é, uma coisa que por sua natureza tem o poder de querer e não querer, de afirmar de negar, pois é isto ser uma coisa pensante.”  

Na verdade, não há contradição entre a liberdade e determinismo, mas é possível a complementaridade entre ambos os conceitos.

A liberdade só tem sentido positivo por seu poder de determinação. O homem é princípio determinante, sob os influxos é capaz ainda de dar uma nova dimensão e de um novo valor que decorre de sua ação pessoal.

O homem é assim causa original, fonte de iniciativa que determina pelo que aceita e pelo que impõe. Não é só uma escolha, mas a reelaboração dos dados por uma projeção que vem de si mesmo, bem como dimensiona um processo contínuo de criação.

È indispensável aprender a viver com as coações as necessidades e superá-las através da capacidade criadora e inteligente de ordená-as e submete-las a uma direção determinada, privilégio exclusivo do ser humano como único ser racional.

Todos os filósofos que acreditam na existência de Deus, acreditam na onipotência e onisciência divinas, afirmam a existência de um homem capaz de decisões autônomas, senhor de sua ação livre e independente.

Para Santo Agostinho a liberdade humana e a graça divina são absolutamente compatíveis.A liberdade é salvaguarda e a influência imediata de Deus. Da liberdade plena e perfeita é que advém o ato bom, dotado da graça divina antes de ser resultado de uma atividade humana.

Em Nietzsche e demais existencialistas ateus, como Sartre, Camus, Heidegger, Merleau-Ponty, a liberdade do homem é afirmada com a “ morte de Deus” e a recusa de um projeto de vida endossado antecipadamente pela graça divina.

Nietzsche afirma categórico: “ Agora esse Deus morreu! Homens superiores, esse Deus foi o vosso perigo. Ressuscitastes desde que ele jaz na sepultura. Só agora torna o Grande Meio-Dia; agora torna-se senhor o homem superior(...)”

E continua bramindo enfurecido: “Homens superiores! Só agora vai dar luz a montanha do futuro humano. Deus morreu: agora nós queremos que viva o Super-Homem.”

Para os tementes a Deus, o homem é dotado de uma natureza humana que lhe foi conferida por um Deus pelo fato de ser criatura Dele.

Para Sartre, no entanto, o homem é o ser pelo qual o nada vem ao mundo, e conseqüentemente pode e deve escolher-se a si mesmo. È um projeto, é um perpétuo fazer-se, é uma escolha a partir da liberdade.

A existência procede a essência eis aí um dos mais importantes primados do existencialismo. O homem em primeiro lugar existe, encontra-se no mundo e só depois se define quanto ao que é ou se faz.

Sartre decreta a morte divina pois entende que a condição humana é incompatível com uma possível realidade divina criadora, onipotente e onisciente. Deus se revela muito inútil diante de um homem abandonado à sua contingência radical.

Em sua obra O ser e o nada, explica Sartre porque o homem é o nada. “Assim, não há natureza, visto que não há Deus para a conceber. O homem não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência , como ele se deseja após esse impulso para a existência; o homem não é mais que o que ele faz.”

Para Burrhus Skinner, psicólogo norte-americano contemporâneo, a liberdade é um mito divulgado pelas filosofias e literaturas sobre o comportamento e a cultura dos homens como saída para uma vida plena e feliz.

“O principal efeito da liberdade é evitar ou fugir dos chamados aspectos “adversos” do ambiente. A luta pela liberdade está interessada em estímulos intencionar produzidos por indivíduos. A literatura da liberdade identificou os indivíduos e propôs meios de fuga ou de enfraquecer ou destruir o seu poder(...)” Skinner, B.F., O mito da liberdade, Tradução Leonardo Goulart e Maria Lúcia Ferreira Goulart, 3 ª edição, Rio de Janeiro, Bloch, p.37.

Estamos sós, sem desculpas. O homem está condenado a ser livre. Condenado porque não criou a si mesmo, e como no entanto é livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz.

O existencialista não acredita no poder da paixão. Ele jamais admitirá que uma bela paixão seja uma corrente que conduz o homem fatalmente a determinados atos, e que, conseqüentemente, é uma desculpa. Ele considera que o homem é responsável por sua paixão.

O homem é uma espécie de intersecção entre dois mundos: o real e o ideal. Pela liberdade humana, os valores do mundo ideal podem atuar no mundo real. Nicolai Hartman

Por tudo isto, podemos caracterizar a liberdade como a genuína expressão da essência humana sem o que não há identidade , pecado ou virtude.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 21/02/2007
Alterado em 04/03/2014
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