Considerações sobre os direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro
A priori, pode ser tomada por pleonástica a expressão direito social, dado o feitio eminentemente sociológico, é o que nos ensina Joaquim Pimenta, principalmente pelo que reveste o Direito, qualquer que seja seu aspecto, mesmo individual.
De fato, não se concebe o direito sem ser em função da sociedade. E, nesse sentido o Estado social que supera o então Estado liberal, reconcilia o Direito com sua autêntica função, a função social; seja qual for a idéia ou o conceito e que do Direito se faça, ou por mais transcendente que pareça ninguém conseguirá abstraí-lo do meio social de onde emerge e adquire seu cunho de realidade; quer como produto imediato e espontâneo desse meio, quer como razão de ser, em que se torna, da estabilidade e coesão do grupo ou comunidade humana que o produziu.
Curial, é a observação de Le Fur, “todo direito é, ao mesmo tempo, social ou individual... O indivíduo isolado nem é sujeito nem objeto de direito: o direito só aparece com a vida em sociedade.”.
Ou como já ressaltava o professor Joaquim Pimenta, “não há direito individual que não seja também um interesse social; e não há direito social que não se resolva igualmente em um interesse individual”. (Cf. L. Le Fur, Droit Individuel et Droit Social, “Archives de Philosophie e Sociologie Juridique” ).
Radbruch atribui a esta distinção entre direito social e direito individual, “uma modificação, estrutural de todo o pensamento jurídico, sobre uma nova concepção do homem”. O direito social se dirige ao indivíduo como homem concreto e socializado.
Enquanto que a organização jurídica individualista orientava-se sobre o indivíduo despersonalizado e abstrato. Esta só enxergava as árvores, porém, não a floresta, os indivíduos dissociados, não o laço social que os prendia. (Cf. G. Radbruch, Du droit Individualiste au Droit Social. “Arch. De Philosophie et Socilogie Juridique”).
Dessa oposição existente entre direito social e direito individual se pretende descobrir uma nova concepção de homem, o ser concreto e socializado, e o clássico conceito do homem, ser despersonalizado e abstrato, entende-se por direito social o que emerge de um determinado grupo, organizado ou em via de organização, direito que se plasma e imprime a uma coletividade um regime de conduta, de comportamento, por autodeterminação ou autônomo.
Neste sentido, tanto se distingue do direito individual que, nele tem as suas raízes, como do direito estatal podendo formar-se e estruturar-se à margem deste e até não poucas vezes, em conflito com o poder do Estado, antes de incorporar-se, definitivamente à ordem jurídica dominante.
O direito social ainda sob a velhusca denominação de direito institucional fora estudado por Gierke, Hauriou, Sinzeimer e Gurvitch, este último, em dois excelentes, (um de doutrina – Le Temps Présent et L`Idée du droit social,- e outro de exaustiva indagação histórica I`Ìdée du droit Social).
Tentando uma uniformidade a respeito do direito social, ressalta do conjunto de observações e de conclusões sobre a gênese e natureza do direito social, que este é como a cristalização de uma consciência coletiva que brota espontaneamente do seio da comunidade humana, consciência que vai, por soi même, construindo um sistema de normas de ação, que integram e harmonizam a vida interior da comunidade ou grupo social.
Sem dúvida, o direito social é o direito que precede a sentença, a lei, que se estratifica em hábito, costume, práxis, ou se articula por convenção ou em estatutos (direito estatutário), independentemente da interferência que venha a ter, depois sobre ele, a engrenagem legal e jurisprudencial do Estado.
Para utilizar mais adequada expressão de Ortega Y Gasset: se “o direito ou a realidade direito... é secreção espontânea da sociedade, o direito social é, dentro desta, “secreção espontânea” de todo grupo ou comunidade, mais ou menos estável e autônoma”.
A noção dos direitos sociais como direitos fundamentais de segunda geração, que correspondem aos direitos que exigem do Poder Público uma atuação positiva, uma forma atuante na implementação da igualdade social dos hipossuficientes.
Os chamados direitos de segunda geração, ou seja, os direitos econômicos, sociais e culturais que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade (STF Pleno, MS 22164-SP, rel. Min. Celso de Mello, j.30.10.1995, v.u DJU 17.11.1995).
Enquanto que os direitos de primeira geração, os direitos civis e políticos compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais e realçam o princípio da liberdade.
Já os direitos de terceira geração, são materializados podões de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todos as formações sociais consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento , expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, nota de uma essencial inexauribilidade.(STF Pleno, MS 22164-SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 30.10.1995, v.u., DJU 17.11.1995).
Os erros do liberalismo produziram embora tardiamente, uma série de providências por parte do Estado que passa da qualidade de mero espectador do drama humano que sua passividade havia desencadeado, se tornou organismo dinâmico, atuante e intervencionista.
Quando o Welfare State substitui o E`tat gendarme adverte Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o Estado iniciou a sua atividade interveniente na vida econômica dos indivíduos, em busca do bem-estar social.
Por um lado, a liberdade continua a ser valor transcendente do ideal democrático; de outro lado, o fator econômico motivou a hipertrofia do Estado moderno; à liberdade agregou-se a igualdade.
Em oposição ao cidadão abstrato, livre por excelência, surge o homem concreto, operário, o homem do cotidiano, com seus problemas e sentimentos.
Logo após a Primeira Grande Guerra, surgem os direitos sociais, tutelados nas mais de conteúdo que de forma nas constituições da época. A Constituição mexicana de 1917 e a Constituição Weimar em 1919 previram direitos sociais, numa autolimitação do poder do Estado que evocava para si deveres públicos subjetivos.
Nesse sentido, surge na Constituição Brasileira de 1934 dispositivo referentes à matéria sob o título “Da ordem econômica e social” (art. 115 e 143) seguida na Carta Magna de 1937, que dispunha sobre a ordem econômica (nos arts. 135 ao 155).
Foi o art. 136 da CF de 1937 que aludia que o trabalho é dever social e, a todos é garantido o direito de subsistir mediante seu trabalho honesto, e, este como meio de subsistência do cidadão, constitui um bem que é dever do Estado proteger, assegurando-lhe condições favoráveis e meios de defesa.
Novamente, o parágrafo único do art. 145 do mesmo diploma legal enfatiza que o trabalho é obrigação social. A CF de 1967 com Emenda Constitucional 1 de 1969 estabelecia em seus arts.160 a 174, a respeito da ordem econômica e social, dispondo o art.160, in verbis:“no inciso VI expansão das oportunidades de emprego produtivo”.
A vigente Carta Magna de 1988 demonstra redobrada preocupação com a questão social, como se depreende de vários de seus dispositivos (art. 1º, III e IV, 3º, 6º, direitos sociais e art. 170).
Vale ressaltar que no art. 170 da CF/1988, o desenvolvimento nacional e a justiça social devem ser considerados, respectivamente, meio e fim; o desenvolvimento nacional não deve ser um fim em si mesmo, porém um meio de se alcançar a justiça social.
A justiça distributiva de origem platônica preconiza a distribuição das benesses sociais entre os membros da comunidade, observada a igualdade proporcional.
Como assevera J. Flóscolo de Nóbrega, a justiça é a idéia, a representação abstrata do estado de pleno equilíbrio da vida social. Não resta dúvida, que modernamente, o valor predominante é a igualdade, como a liberdade o foi por ocasião da Revolução Francesa.
Será Aristóteles que irá definir o moderno significado da justiça social, quando afirma o princípio da justiça distributiva, pelo qual a comunidade distribui, com cada um de seus membros, os bens, as recompensas, honras, cargos, e funções, observada uma igualdade proporcional ou relativa.
Os instrumentos de que se serve a justiça distributiva são o Direito Administrativo, o Direito Fiscal, o Direito do Trabalho e a previdência social. A distribuição das benesses sociais deve atender a proporcionalidade conforme o mérito de seus destinatários. Devem-se dar coisas iguais aos iguais, e, coisas desiguais aos desiguais, eis a doutrina da isonomia estampada no art. 5º, I, CF.
Para Aristóteles o justo legal é aquilo que o bem comum justifica e exige. Com o Welfare State a versão intervencionista do Estado intensificou, particularmente, na vida econômica individual, na busca do bem-estar social.
Conclui-se também que o conceito de bem-comum foi muito alterado com surgimento de novas ambiências sociais. Para exercício de suas funções sociais, a iniciativa privada pode, às vezes, restringida. O Estado deve transcender a mera legalidade e, objetivar, ativamente, a justiça social.
Superando Estado gendarme, que era mero cão de guarda de ordem pública e, o passa então a atuar e agir em três distintos planos bem definidos:
a) plano político – ao manter sua segurança interna e externa;
b) plano jurídico – ao construir o Estado de justiça.
c) plano social, ao atender às necessidades assistenciais, previdenciárias e educacionais da coletividade.
Diversas são as espécies de direitos sociais. E podemos agrupá-los nas seguintes categorias: E podemos agrupá-los nas seguintes categorias:
1ª) os direitos sociais dos trabalhadores;
2ª) os direitos sociais coletivos do trabalhador.
Por sua vez, esses direitos sociais dos trabalhadores podem ser direitos sociais individuais; ou direitos sociais coletivos. Já os direitos sociais da seguridade social compreendem: 1ª: direito à saúde; 2ª: direito à assistência social; 3ª: direito à previdência social.
Os direitos sociais de natureza econômica envolvem todas as prestações positivas do Estado voltadas à busca do pleno emprego; à redução das desigualdades sociais e a regionais; à erradicação da pobreza e da marginalização; à defesa do consumidor e da concorrência. Nesse contexto, também se insere a função social da propriedade privada e, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza criado em dezembro de 2000 pela EC 31.
Há também os direitos sociais da cultura que englobam o direito à educação e à cultura propriamente dita. Tem como destinatários todos os indivíduos, mas pretendem os direitos sociais especialmente atenderem aqueles que necessitam de amparo maior do Estado.
Embora não haja conceituação constitucional para o que seja exatamente “trabalhadores” apela-se indubitavelmente para a hermenêutica constitucional para podermos melhor dimensionar tal conceito.
Assevera Amauri Mascaro Nascimento que “a Constituição é aplicável ao empregado e aos demais trabalhadores nela expressamente indicados, e nos termos que o fez; ao rural, ao avulso, ao doméstico e ao servidor público.” Não mencionando, todavia, os trabalhadores como o eventual, o autônomo e o temporário, os direitos destes ficam dependentes de alteração de lei ordinária à qual se restringem.
Destaca-se que na definição de trabalhador urbano, por exemplo, opera-se justamente o raciocínio por exclusão, ou seja, o trabalho não deve ser de natureza agropastoril.
Curial se faz trazer à baila, a definição legal de trabalhador urbano esculpida no art. 3º., da CLT, in verbis:
“Toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário”.
Muito próxima é a acepção de trabalhador rural, apenas distinguindo-se entre si por força da finalidade laborativa posto que presta serviços relacionados à lavoura e a pecuária.
A Carta Magna não distingue, contudo, o tratamento jurídico dado entre trabalhador urbano e o rural. A nova redação do inciso XXIX do art. 7º., da CF/1988 dada pela EC 28/2000 oferece tanto a um como ao outro o poder de propor ação relativa aos créditos resultantes das relações de trabalho no prazo prescricional de cinco anos (prazo, portanto que agora alcança também os trabalhadores rurais) até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.
Os direitos sociais não são numerus clausus e visam à melhoria da condição social dos trabalhadores. Outra característica relevante é a sua irrenunciabilidade, posto que os direitos sociais sejam normais cogentes, vale dizer, de ordem pública, portanto, não anuláveis pela vontade dos interessados. O que já rendeu em doutrina alguns comentários que negam a natureza contratual do contrato de trabalho.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 09/02/2007
Alterado em 06/01/2010