"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos

Breves considerações sobre as políticas educacionais brasileiras
Autoras:
Gisele Leite
Denise Heuseler


Sensíveis preocupações e esforços foram investidos em mudanças na educação básica brasileira, principalmente nas últimas décadas, e particularmente no final dos anos de 1980.

A consolidação da Constituição Federal Brasileira de 1988 e ainda durante os dois primeiros anos de 1990 tivemos várias reformas educacionais.


E, ao observarmos os fatos do intervalo que compreende de 1988 a 2002 evidenciamos relevante recorte histórico das legislações e reformas federais na área da educação.

Tais diplomas legais constituem um esquema variado de esdos que penetra desde a estrutursa curricular, financiamento da educação, avaliação de desempenho, fluxo escolar, formação docente e também alguns aspectos específicos como gênero, raça e direitos humanos.

O estudo das relações de gênero e educação ganhou maior destaque nas pesquisas somente em meados dos anos noventa, com avanços na sistematização das reivindicações que visam à superação no âmbito estatal e das políticas públicas, de uma série de medidas contra discriminação da mulher e ainda de outros grupos. Daí, a preocupação contemporãnea de termos uma educação inclusiva.

A produção de conhecimento dirigida pelas atuais políticas públicas de educação visa a perspectiva de redução das desigualdades e, infelizmente sofrem precária diculgação.

Poucas são as investigações sobre o impacto da discriminação de gênero nas políticas públicas educacionais, tais como a persistência da discriminação contra as mulheres expressa em materiais didáticos, currrículos, a limitação ao acesso à educação e permanência na escola, principalmente de jovens grávidas, e ainda o fracasso escolar marcante e distinto entre meninos e meninas.

A pobreza dessa abordagem revela a raridade de análises produndas sobre a igualdade entre homens e mulheres prevista na Constituição Federal de 1988.

Importante é suscitar reflexões sobre o atual estágio de desenvolvimento das políticas públicas da educação principalmente se suas consequências reproduzem de alguma forma a desigualdade de gênero, raça e direitos humanos.

Também na escola ganha pouca relevância as relações entre os gêneros e, entre educadores e educadoras, assim como no conteúdo de formação docente.

Há uma rotineira dificuldade em enxergar no cotidiano as dimensões de cada gênero na vivência escolar, principalmente para refletir não apenas sobre as desigualdades entre os sexos, mas também sobre o significado de outros gêneros subjacentes a tais desigualdades e igualmente pouco contemplados pelas políticas públicas vigentes no sistema educacional brasileiro.

A inicial proposta desse texto é analisar o contexto nacional e ainda as reformas educacionais e verificar os avanços e desafios enfrentados pelas políticas públicas educacionais principalmente em face da ampliação dos direitos, tendo a educação conotação importante na construção da cidadania.

A compreensão do significado das políticas públicas corresponde a um duplo esforço: de um viés perceber a dimensão técnico-administrativa que a compõe, buscando verificar a eficiência e o resultado prático para a sociedade; e de outro viés, reconhecer que toda política pública é forma de intervenção nas relações sociais em que o processo decisório condiciona e é condicionado por interesses e expectativas sociais.


As políticas públicas, em sua estruturação, devem seguir definido roteiro de prioridades, princípios, objetivos, normas e diretrizes traçadas nas normas constitucionais, e que buscam suprir as necessidades sociais em termos de distribuição de renda, oportunidades, dos bens e serviços sociais nos âmbitos federal, estadual e municipal.

Ressalte-se que na sociedade complexa tal como a contemporânea temos o palco de conflitos e interesses de diferenciados matizes, especialmente, de classe, as políticas públicas decorrem do embate de poder determinado por  regras, normas, leis, métodos e conteúdo que são produzidos pela interação de distintos atores e grupos de pressão que disputam o poder no Estado.

Tais principais atores são os políticos e os partidos políticos, segmentos empresariais, sindicatos, as organizações não governamentais e entre outros.

O debate sobre a educação no contexto das políticas públicas contemporâneas preocupado com a inclusão social exige que a análise seja orientada para as questões voltadas às mudanças nos conceitos e na forma de implantação das políticas educacionais que vêm sendo definidas para o país.

A política educacional brasileira a partir dos anos noventa, e mesmo a atual e vigente política educacional significa  uma parte do projeto de reforma que tem como diagnóstico a crise do Estado e busca racionalizar recursos, diminuindo seu papel notadamente referente às políticas sociais.

Nesse contexto merece destaque a educação continuada que não é conceito inovador, mas nesses últimos anos vem agremiando especial atenção tendo em vista as dinâmicas e contemporâneas transformações no mundo do trabalho e na sociedade como todo.

A educação continuada é aquela que se realiza ao longo da vida, continuamente, é inerente ao desenvolvimento da pessoa humana, e relaciona-se diretamente com a idéia de construção do ser. Abrange de um lado, a aquisição de conhecimentos e aptidões e, de outro lado, atitudes e valores, implicando no aumento da capacidade de discernir e agir.

Portanto, a educação continuada envolve todos os universos da experiência humana, além dos sistemas escolares ou programas de educação não-formal. Envolve a repetição, imitação, apropriação, ressignificação, criação e reconstrução, ultrapassando o plano puramente instintivo dos seres humanos, a capacidade de conhecer e cada vez saber mais, principalmente com a relação com o mundo e com a natureza.

Nesse sentido é curial questionar como a educação ajuda para a superação de preconceitos e discriminações, como sair das desigualdades fundamentadas em diferenças físicas, étnicas e biológicas, afirmando seu caráter social, histórico e político.

Gramaticalmente, o gênero deve ser entendido como classificação, como o modo de expressão do sexo, real ou imaginário dos seres humanos, como atribuição do masculino e do feminino.

Para Joan Scott (1995) em seu artigo publicado publicado no Brasil intitulado: “Gênero, uma categoria útil de análise histórica: para além da classificação”; a historiadora feminista ressalta a frequencia com que o antagonismo entre os sexos, como relação inevitável, é perpetuado por diversos teóricos, contribuindo para a consolidação do caráter fixo e binário da oposição entre significados masculinos e femininos.

Para Joan Scott o gênero é compreendido como um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos (e como) um primeiro modo de dar significado à relações de poder. E, conclui: “o gênero constrói a política e a política constrói o gênero”.

O gênero enquanto modo de dar significado às relações de poder estatuídas e difundidas pelas políticas educacionais está presente nas mais variadas esferas, níveis e modalidades de ensino. E a avaliação sistemática das políticas públicas educacionais, nesta perspectiva, pode-se tornar um precioso aporte para a percepção das desigualdades de gênero.

Ao examinar a Constituição Federal Brasileira de 1988 e das principais legislações, planos e parâmetros federais no âmbito da educação brasileira: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Lei 9.394/1996, o Plano Nacional de Educação ( Lei 10.172/2001) e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – PCN.

Reparamos que a análise desses diplomas legais implica em tarefa difícil, dada sua extensão, o amplo material já produzido sobre estes e ainda a impossibilidade prática de levantar e examinar decretos e resoluções que os complementam.

O grande desagio é compreender a lógica do conteúdo de gênero nesses diplomas legais e exige dois movimentos analíticos: um voltado para o exame dessa sistemática legal e na perspectiva de direitos e da construção de cidadania, não necessariamente da referência explícita ao gênero; e outro momento voltado para a idéia abstrata de cidadania, mas tomando a normatização nestes contida como expressão não só da permanência de costumes e formas de controle de um certo momento histórico, mas também de propósitos que procuram dar novos significados à prática social.

Em ambos aspectos analíticos, há a orientação dada pela perspectiva teórica de gênero visando apontar possíveis decorrências do marco normativo no acirramento e/ou minimização das desigualdades de gênero na educação brasileira.

A década de oitenta é bem representativa na história brasileira como sendo o período da abertura democrática do país. O foco das mudanças que tanto caracterizaram a redemocratização da sociedade brasileira foi a garantia dos direitos sociais e individuais e o marco definitivo desse processo, que vai bem além das eleições diretas para a presidência da República, e ainda a elaboração da nova Constituição Federal Brasileira.

Sem dúvida, a CF 1988 foi a que melhor refletiu e acolheu os principais desejos da população, como a melhoria das condições de vida, e o ajuste econômico tendo como um dos fundamentos o primado do princípio da preservação da dignidade da pessoa humana.

O esforço inicial das reformas tem começo em 1990, em pleno governo do Fernando Collor de Mello, passando por breve interrupção no governo do Itamar Franco, e sendo retomado com maior ênfase nos seguintes governos de Fernando Henrique Cardoso, particularmente depois de 1995, com a introdução das reformas neoliberais que afetaria as políticas sociais e obviamente repercutindo diretamente nas políticas públicas de educação.

As reformas neoliberais se notabilizaram por preconizarem o esvaziamento das organizações coletivas e das demandas populares, pela redução da responsabilidade estatal quanto à oferta de serviços referentes às políticas públicas sociais.

A principal lógica neoliberal baseiou-se em reformar sem aumentar despesas, prcurando adequar o sistema educacional às orientações e necessidades prioritárias da economia.

A política neoliberal afetou as políticas sociais voltadas para as populações mais pobres, justamente no memoento em que diminuem as oportunidades de emprego e de geração de renda, provocando um mar de contradições: pois se de um lado há a conquista de direitos sociais com a promulgação da Constituição Federal de 1988; de outro lado, as reorientações políticas acarretaram à restrição de espaços públicos e democráticos, a redução de questões políticas a problemas técnicos, sob o argumento de má gestão, desperdício, falta de formação e inadequação de currículos.

A gestão democrática está ligada à formação para a cidadania, passa a ser enfaticamente associada à reforma e modernização administrativa, a implantação de programas de avaliação, à compra de material didático, à capacitação dos professores sem um forte direcionamento de recursos para a recupoeração dos salários.

Um clássico exemplo dessas reorientações foi a aprovação da nova LDB em dezembro de 1996, após oito longos anos de tramitação no Congresso Nacional, mediante intercenção do governo federal.

Em conformidade com a LDB e com o objetivo de estabelecer metas educacionais para as quais deveriam convergir as ações políticas do Ministério da Educação e do Desporto (MEC ) foram elaborados os Parâmtetros Curriculares Nacionais e o Plano Nacional de Educação.

A grande visibilidade das reformas federais implantadas no final dos anos de 1990 trouxe a baila a contradição entre a forte reorientação pela ótica neoliberal e a defesa de várias conquistas de direitos sociais com base na Constituição Federal, mas enfatiza os aspectos das políticas educacionais concernentes à manutenção e/ou supressão das desigualdades de gênero.

Para analisar a Lei 9.394/1996 precisamos lembrar que a primeira vez que uma lei geral sobre a educação é defendida em um texto constitucional brasileiro foi na Carta Magna de 1934, mas foi apenas em decorrência da Constituição Federal de 1946 que foi enviado à Câmra Federal, em 1948, o projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1961 (Lei 4.024/1961).

A atual LDB  começou a ser debatida após a CF/1988 passando por oito longos anos de tramitação, e revogou todos os textos legais até então vigentes. Revela uma conquista dos profissionais da educação e de todos os segmentos mobilizados nesse processo: entidades e movimentos ligados à educação, e parlamentares eleitos no início da década de 1990.

Por outro lado,encerra derrotas quanto às demandas desses setores, pois em 1996, o projeto de LDB sofreu intervenção do governo federal, sob coordenação do Ministério da Educação, em favor de projeto substitutivo elaborado pelo então senador Darcy Ribeiro.

O projeto chamado de “Lei da Educação” e apresentado ao senado brasileiro por Darcy Ribeiro em 1992, ganhando preferência na discussão em detrimento do projeto de lei que estava anterior debate na Câmara dos deputados desde de 1988 e que havia sido aprovado no senado em 1994.

Essa inversão de prioridades retirou do debate o projeto de lei resultante de extenso processo de negociação com os diferentes segmentos compromissados com a defesa da educação pública de qualidade, organizados no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.

Por causa da substituição houve várias modificações e emendas todas de caráter parcial e pequeno, diante dos avanços obtidos com o primeiro projeto.


Cumpre destacar as principais características que são: o direito à educaçaõ para faixa de zero a seis anos, reafirmando caráter educativo, o acesso e peramanência do trabalhador na escolha, o aperfeiçoamento profissional continuado, com licenciamento periódico reminerado, a inclusão do tempo de estudo, planejamento e avaliação na carga horária de trabalho, e a formação docente para técnico administrativo, direção de escola, supervisão e orientação educacional.

Há vários retrocessos em relação ao projeto anterior debatido, entre estes, a indefinição quanto ao número de alunos por sala de aula, o que tem redundado na superlotação das classes e em péssimas condições para o trabalho docente, realidade distante da meta prevista no projeto original que era de vinte alunos por sala para educação infantil; trinta alunos por sala para ensino fundamental e quarenta alunos por sala para o ensino médio.

A então nova LDB também prevê a garantia de educação para jovens e adultos, mas focada apenas no ensino fundamental, após esse nível, só resta o supletivo e a educação a distância.

Não pressupõe a liberdade de organização e associação de estudantes e, no caso das condições de trabalho docente, reduz a proposta original de psio salarial nacional para dar uma pulverizada de diferentes pisos salariais municipais e estaduais.

Na Constituição Brasileira de 1934 havia um artigo específico (o art. 150) que declarava a competência do Estado quanto a definição de Plano Nacional de Educação, compreensivo ao ensino de todos os graus, ramos, comuns e especializados, coordenar e fiscalizar a execução em todo território nacional. Tal revindicação foi oriunda de uma reivindação de um grupo de educadores brasileiros de 1920.

Todas as posteriores constituições brasileiras, com exceção a de 1937, incorporam a proposta explícita de Plano Nacional de Educação, mas o primeiro plano surgiu apenas em 1962, e foi feito sob a vigência da primeira LDB.

A proposta sofreu alterações em 1965 como o incentivo à elaboração de planos estaduais, em 1966, foi feito um Plano Complemental de Educação que trouxe relevantes modificações, sobretudo, na distribuição de recursos federais, cursos profissionalizantes e proposta para erradicação do analfabetismo.

Com a Constituição Federal de 1988 (art. 214) foi finalmente instituída com força de lei a obrigatoriedade de Plano Nacional de Educação de longo prazo. Também a vigente LDB prevê que cabe à União elaborar o referido plano (art. 9º) ainda que em parceria com estados e municípios, e encaminhá-lo para a aprovação do Congresso Nacional no prazo de um ano, após a publicação da LDB ( art. 87, primeiro parágrafo).

Em 1998, o então deputado Ivan Valente apresentou ao Plenário da Câmara dos Deputados o plano elaborado no segundo Coned,  então transformado no projeto de lei 4.155/1998 que passou a ser debatido na Comissão de Educação da Câmara Federal. Entretanto, a União não apoiou a discussão da proposta apresentada e submeteu à apreciação um outro Plano Nacional de Educação.

Cumpre destacar alguns aspetos que distingue o PNE proposto pela sociedade brasileira do Plano Nacional de Educação proposto pelo MEC e aprovado. Trata-se em verdade de dois projetos opostos, o que fica evidenciado no tema do financiamento.

O Plano do MEC enfatiza basicamente o ensino fundamental, não se referindo aos demais níveis escolares, com propostas detalhadas e, principalmente, com previsão financeira.

Enquanto que o PNE proposto pela sociedade brasileira enfatizava a gestão democrática, com previsão financeira para todos os níveis e modalidades de ensino.

Ignorando a necessidade de ampliar o empreendimento em educação, o Executivo fecha os olhos para a experiência de países que venceram o desafio educacional (investiram maciçamente, tal qual Japão, que gastou quatorze porcento do PIB, no imediato pós-guerra) essas foram as palavras do deputado Ivan Valente, em 2002.

As demandas relativas à erradicação das desigualdades de gênero também não restaram imunes ao processo de substituição do Plano Nacional de Educação elaborado pela sociedade civil.

A idéia do Coned era garantir a organização curricular mínima que garantisse a identidade do povo brasileiro, o desenvolvimento da cidadania, as diversidades regionais, étnicas, culturais, articulados pelo sistema nacional de educação. Incluindo, nos currículos, temas específicos da história, cultura, manifestações artísiticas, científicas, religiosas e de resistência da raça negra, dos povos indígenas e dos trabalhadores rurais e suas influências e contribuições para a sociedade e educação brasileira.

Já se percebe a preocupação com a diversidade, e a relevância de se garantir a inclusão dos grupos considerados como minoritários (negros, índios e homossexuais).

Ao final de 1995 surge uma versão preliminar dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (PCN) foi encaminhada para consulta e avaliação a professores de diferentes graus de ensino, especialistas da educação e de outras áreas, além de instituições governamentais e não-governamentais.

A partir dessa consulta resultou um conjunto de pareceres, com bases nos quais o MEC reelaborou a proposta, encaminhando a nova versão ao Conselho Nacional de Educação para que deliberasse a respeito.

Em 1997, os Parâmetros Curriculars Nacionais para o ensino fundamental foram publicados logo em seguida da aprovação da nova LDB, constituindo referência nacional para o ensino fundamental.

Destaque-se que essa orientação conferiu maior flexibilidade ao trato dos componentes curriculares, configurando-se como uma referência e não se impondo como obrigatória diretriz.

Os PCNs possuem como função subsidiar a elaboração ou revisão curricular dos estados e municípios brasileiros que deverá contextualizar de acordo com cada realidade social. Sendo curial a participação de toda a equipe pedagógica, a fim de garantir o diálogo entre tais orientações e as práticas já existentes nas instituições educacionais.

A análise dos PCNs corresponde apenas à introdução dos parâmetros e ainda aos temais transversais para o ensino fundamental.

Percebemos que a forma de tratamento dada as questões de gênero são distintas sejam constantes na  Constituição Federal Brasileira, na LDB, e no Plano Nacional de Educação.

Uma forma refere-se a linguagem utilizada; a segunda reporta-se à questão dos direitos humanos, na qual o gênero pode ser entendido; e a derradeira, adquire relativa ambiguidade, pela qual a referência ao gênero desaparece da apresentação geral do diploma legal, mas aparece timidamente em alguns tópicos.

Atentando para a linguagem utilizada ao longo desses diplomas legais para nomear os indivíduos de ambos os sexos, com ênfase notória a forma masculina.

Observem no art. 207, primeiro parágrafo da CF/1988, in verbis:
“É faculdade às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.”

Em outra passagem presente na LDB, a Lei 9394/96, art. 25:
“ Será objetivo permanente das autoridades responsáveis alcançar relação adequada entre o número de alunos e o professor (…)”.

No PNE Educação Infantil:
“Promover debates com a sociedade civil sobre o direito dos trabalhadores à assistência gratuita a seus filhos e dependentes em creches e pré-escolas.

E, ainda no PNE Ensino Fundamental:

“A gestão da educação e a cobrança de resultados, tanto das metas como dos objetivos propostos neste plano, envolverão comunidade, alunos, pais, professores e demais trabalhadores da educação.”

É sabido que em nossa sociedade, o uso da palavra articulada ou escrita como meio de expressão e de comunicação tem no masculino genérico a forma utilizada para expressar idéias, sentimentos e referências a outras pessoas. Todavia, essa referida utilização nunca é neutra.


A linguagem enquanto sistema de significação constitui em si mesma a expressão da cultura e das relações sociais de um determinado momento histórico. Sendo exatamento isso que as frases nos diplomas legais mostram.

O uso do masculino genérico expressa a forma comum de expressão, e em especial em textos legais, não é impune pois a exclusiva adoção do masculino pode esboçar a discriminação sexista e reforçar o modelo linguístico androcêntrico.

E, o androcentrismo não deve e nem pode ser aceito como inquestionável ou mera questão de norma linguística. Pois o uso do masculino genérico camufla as desigualdades de gênero.

Sendo importante o reconhecimento da distinção de gênero na linguagem que fundamenta as políticas educacionais pode justificar formas de conduta que não privilegiam mudanças nas relações de gênero no debate educacional, perpetuando sua invisibilidade e concretizando a indiferença.

Defende-se a menção indispensável aos direitos entre ambos os sexos, pois, se queremos construir novos significados para a prática social, precisamos reconstruir nossa linguagem, despojá-la da ideologia tendenciosa e androcêntrica.

Com relação à questão dos direitos, embora de modo velado podemos perceber as relações de gênero.

Se na CF/1988 podemos indicar menções explícitas aos direitos relativos às diferenças entre os sexos como é o caso da defesa do “bem de todos, sem preconceitos, de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” O mesmo já não se pode alegar quando se refere a educação.

Quando se refere aos alunos e professores, mantendo o uso do genérico masculino indiscriminadamente, soma-se à ausência do gênero nas premissas que discutem os direitos e a organização do sistema educacional pátrio.

E as restrições acentuam-se na LDB e o que não impede que enxeguemos algumas reivindicações de interesse para as mulheres e/ou para a igualdade de gênero.

É preciso decifrar essas leis, e reconhecer na defesa dos direitos em geral, pequenos avanços quanto às questões de gênero, como é o caso do direito à educação das crianças pequenas, para além do cuidado e da assistência.

Quanto à defesa da educação como um direito, é na proteção da cidadania, da liberdade, da solidariedade e da tolerância que podemos entrever as reivindicações e demandas de gênero no Capítulo III da CF/1988 – Da Educação, da Cultura e do Desporto.

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (CF/1988, art. 205).

A evidente ênfase aos princípios de liberdade e solidariedade deveria estar voltada para a dimensão de gênero como uma das expressões dos direitos humanos, apesar da discreta necessidade de superação das discriminações relativas escolares, assim como nas questões que permeiam algumas decisões a serem tomadas no âmbito da legislação educacional.

O não detalhamento das definições e derivações desses princípios em sua interação com as relações de gênero pode acarretar maior discriminação. É o caso, por exemplo, da menção à tolerância.


De um lado, tê-la como princípio do ensino significa admitir modos de pensar, agir e sentir que diferem entre indivíduos ou grupos determinados, políticos ou religiosos, o que aumenta a possibilidade do gênero, isso poderia significar tolerância quanto ao aborto, quanto as diferentes formas de constituição familiar e de orientação sexual de professores (as) e alunos (as).


Mas a menção à tolerância pode também restringir-se à capacidade de tolerar, no sentido de suportar, desculpar e ser magnânimo diante da situação que apresente divergências e implique o convívio com as diferenças de gênero que, nesta segunda opção, seriam necessariamente transformadas em desigualdades.


É também possível ler na CF/1988 e da LDB a afirmação da educação das crianças pequenas para além do cuidado.


O reconhecimento da maternidadee como uma função social tem como principal decorrência para a educação a defesa do dever do Estado com a educação escolar pública e, de modo inédito, com a educação infantil (atendimento educacional a crinaças desde seu anscimento até os seis anos em creches e pré-escolas).


É na CF/1988 (art. 208, IV) que a educação infantila é tida como um direito da criança pequena à educação, op que é reprtido e mantido pela LDB em seu art. 4º, IV. Ambas as leis apresentam o mesmo texto, e reforça que as instituições devem ser educativas e não apenas meramente assistenciais.

Infelizmente a proposta da criação do salário-creche  foi derrotada no processo de votação da LDB atual, e agravada pelas regras de financiamento da educação, especialmente a que criou o Fundo De Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).

Trta-se de uma medida do governo federal que modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da CF/1988 e dá nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no fito de enfatizar o ensino fundamental como principal alvo de recursos da educação nacional, em detrimento da educação infantil e alfabetização de jovens e adultos.

A outra forma percebida no Plano Nacional de Educação apresentado pelo MEC, aprovado pela Comissão de Educação na Câmara de Deputados e sancionado pela presidencia da república, considera a igualdade sem distinção de raça, cor, sexo ou idade, mas não há menção a gênero em seus objetivos gerais.

Sobre a educação infantila também novamente não aborda a questão de gênero, lembremos que se trata de fase importante da socialização das crianças onde as diferenças de sexo e gênero deveriam ser trabalhadas adequadamente por educadoras e educadores.

No item destinado aos Objetivos e Metas para o Ensino Fundamental do PNE preocupa-se em fixar, como um dos critérios do programa de avaliação do livro didático , criado pelo MEC,a adequada abordagem das questões de gênero e etnia e a elimnação de textos discriminatórios ou que reproduzam estereótipos acerca do papel da mulher, do negro e do índio.

Novamente a preocupação com as questões de gênero surgem no tópico referente às Diretrizes do Ensino Superior, ao indicar seus objetivos e metas, a inclusão nas diretrizes curriculares dos cursos de formação de docentes temas relacionados às problemáticas tratadas nos temas transversais, especialmente no que se refere à abordagem de gênero, educação sexual, ética, justiça, diálogo, respeito mútuo, solidariedade e tolerância, pluralismo cultural, respeito e preservação do meio ambiente, da saúde e ainda temas locais.

As estatísticas apontam que há equilíbrio quanto ao ingresso de meninos e menias na rede de ensino fundamental, porém o referido equilíbrio abala-se diante das alterações na distribuição por sexo no decorrer dos anos, aspecto que não deveria ter sido desconsiderado na diagnose de metas e objetivos do PNE.

Essa desconsideração ignora peremptoriamente o fracasso sistemático de meninos na educação básica, e especialmente no ensino fundamental.

Existe, de fato um problema crescente de acesso e permanência na escola para pessoas do sexo masculino. Percebe-se claramente a maior presença de crianças e adolescentes do sexo masculino nas séries iniciais, mas a concentração do sexo feminino nas últimas séries, o que revela o melhor desempenho das alunas no percorrer de todo ensino fundamental, visto que desde os sete anos, o índice de defasagem entre idade e série escolar é maior para os meninos (na ordem de 14.7%) do que para as alunas (13%).

Os alunos são maioria (53,2%) na primeira série mas a partir da quarta sére a repetência entre os meninos é sobejamente maior do que entre as meninas e, nas oitavas séries, 55% dos alunos são do sexo feminino.

Esse fenômeno fica ainda muito mais evidente nos altíssimos índices de inadequação série-idade, uma vez que os dados da reprovação muitas vezes estão submetidos à tendência das escolas públicas de manipulá-los, ou seja, diminuí-los ao máximo, visando atender as exigências das secretarias munciipais ou estaduais de educação.

Também está relacionado a esse fenômeno é o fato de que a maior parte dos alunos que são indicados para aulas de reforço e/ou classes de aceleração nas escols públicas geralmente são meninos.

Concluimos que nesse particular a presença dessas questões de gênero no PNE, embora parcial e ambígbua, revela já um avanço em relação ao tratamento dispensado pela Constituição e pela LDB dado à educação.

Os parâmetros curriculares nacionais como um todo e aqueles que tratam especialmente do ensino fundamental fogem à regra da dissimulação.  Nesses documentos as questões de gênero aparecem, evidenciando zelo e cuidado com muitos aspectos relativos aos significados e às implicações de gênero nas relações e nos conteúdos escolares.

Também é inovadora a inclusão de temas como ética, diversidade cultural, meio ambiente, sexualidade e saúde além dos conteúdos tradicionais trabalhados nas escolas.

Nesse sentido, os PCNs realçam as relações de gênero, reconhecendo-as como referências importantes para a constituição da identidade de crianças e jovens.  

Assim, como eixo central da edcuação escolar os PCNs apontam o exercício da cidadania, e apresentam como invocação a inclusão de temas que visam resgatar a dignidade da pessoa humana, a igualdade de direitos, a participação ativa na sociedade e a coresponsabilidade pela vida social.

O diploma legal se orienta pelo eixo norteador o desenvolvimento das capacidades de alunas e alunos, processo em que os conteúdos curriculares devem atuar como meios para aquisição e desenvolvimento dessas capacidades, e não como fins em si mesmos.

Não se trata de renegar a relevância do acesso ao conhecimento acumulado pela humanidade, mas de incluir na pauta educacional temas relacionados mais diretamente com o exercício da cidadania.

A grande e desafiadora proposta é integrar os diferentes campos do conhecimento às distintias áreas curriculares.

Na introdução aos PCNs há explícita menção as diferenças de gênero, mas a grande oscilação desse indicador é mesmo atribuída à variável cor, destacando-se o relativo equilíbrio no ponto de vista do gênero.

No mesmo equívoco incorre o apontado PNE quanto ao ingresso de meninos e meninas na escola sem aludir às alterações na distribuição por sexo ao longo do percurso escolar.

Outro equívoco refere-se ao gênero no cabeçalho de uma tabela (de número médio de anos de estudos) em vez de sexo, é na análise dos dados que carece ser adotada a perspectiva de gênero, de modo a evidenciar as diferenças e similitudes percebidas entre os sexos.

Bem, esse presente artigo possui apenas o humilde escopo de realizar breves considerações as políticas educacionais brasileiras com intuito de apontar as principais arestas que devem ser observadas para que possamos de fato melhorar a qualidade de ensino e garantir o acesso à educação ao maior número de pessoas que possível.

Só assim poderemos entender e respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana que é fundamento da república brasileira e que prega a tolerância, a compreensão entre os diferentes gêneros, etnias, origens e credos e pretendefazer prosperar a paz e a boa convivência.

Referências


SANTOS, Sônia Querino dos. E Vera Lúcia de Carvalho Machado. Políticas Públicas educacionais: antigas reivindicações, conquistas (Lei 10.639) e novos desafios Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40362008000100007 acesso em  17/07/2011.

PRETTO, Nelson. Políticas Públicas Educacionais no mundo contemporâneo.  Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40362008000100007 acesso em 17/07/2011.

VIANA, Cláudia Pereira. E Unbehaum Sandra Unbehaum . O gênero nas políticas públicas…(1988-2002). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v34n121/a05n121.pdf   Acesso em 17/07/2011.



GiseleLeite e DENISE HEUSELER
Enviado por GiseleLeite em 18/08/2011
Alterado em 29/04/2012
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