"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

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A eternidade de Platão
A eternidade de Platão

Refletir sobre Platão pode ser um grande desafio mesmo nos dias de hoje. Não resta dúvida de que Platão é mesmo considerado o pai da herança intelectual ocidental, um pensador que posicionou a Filosofia em direção que até hoje é seguida, dois mil anos depois…

Pode-se dizer que a filosofia ocidental é consistente de “uma série de notas de rodapé a Platão” (Alfred North Whitehead), embora possa parecer um exagero, temos que admitir que o referido filósofo possuía de fato posição histórica privilegiada.

Platão tem sido criador e aperfeiçoador da arte literária e do diálogo filosófico. Ainda que considerássemos que não existe o real interesse, a obra de Platão seria interessante e fundamental para todo o pensamento contemporâneo.

Cumpre alertar que seu verdadeiro nome era Aristoclés, sendo uma homenagem ao seu avô. Platos significa largura, e é quase certo de que seu apelido adveio de sua constituição robusta, ombros e frontes largos, apresentando porte físico forte e vigoroso, o que o fez receber várias reverências por seus feitos atléticos na juventude.

Talvez por sua excelente forma física tão apreciada na Grécia Antiga, recebeu o enfoque privilegiado pela educação idealizada por Sócrates e seus companheiros no diálogo.

Aliás, os diálogos de Platão estão repletos de referências à competição de jovens no atletismo.

Cícero nos diz que se Deus tivesse que falar, seria numa linguagem como a de Platão. E, reconheçamos enfim que sua genialidade é realmente extraordinária, e seus diálogos que são empolgantes  trouxeram uma incalculável influência para toda história da Filosofia. Teve Platão como principal obra-prima “A República”.

Em linhas gerais, Platão desenvolveu a noção de que o homem está em contato permanente com dois tipos de realidade: a inteligível e a sensível. A primeira é a realidade imutável, igual a si mesma. E, a segunda corresponde a todas as coisas que nos afetam os sentidos, são realidades dependentes, mutáveis e são imagens da realidade inteligível.

Platão foi discípulo de Sócrates e deixou Atenas depois da condenação e morte de seu mestre (em 399 a.C.). Peregrinou por doze anos e conheceu outros pensadores principalmente os pitagóricos.

Seus diálogos possuem a forma de interrogatórios cruzados, assim uma pergunta é feita, e uma resposta é dada. A resposta é submetida a um exame detalhado, é feita uma série de outras questões, mais réplicas são dadas, e, sucessivamente, e descobre-se que a prima resposta  era insuficiente em determinado aspecto.

Por vezes, é possível que uma resposta venha a contradizer a outra resposta anteriormente dita. É feita, então, nova tentativa de resposta, à luz da discussão recente e sempre acesa, e o processo prossegue até esgotarmos as possibilidades lógicas.

Sócrates fora o mestre e mentor de Platão sendo mesmo o principal personagem dos diálogos e o interrogador contumaz.

A doutrina central de Platão é a distinção de dois mundos, a saber: o mundo visível, sensível ou mundo dos reflexos, e o mundo invisível, inteligível ou mundo das ideias.

A essa concepção de dois mundos se ligam as outras partes de seu sistema cujo método é a dialética (consistindo em que o espírito se eleve do mundo sensível ao mundo verdadeiro, o mundo inteligível, o mundo das ideias) mas este se eleva por etapas, passando das meras aparências dos objetos, em seguida dos objetos às ideias abstratas, e, enfim, de tais ideias às ideias verdadeiras que são seres reais que existem fora de nosso espírito.

Infelizmente temos poucas informações precisas sobre a biografia e os ensinamentos de Sócrates, mas é sabido que fora mestre de argumentação. Segundo Xenofonte, ele podia fazer o que quisesse com qualquer debator. E, confessava publicamente que os homens bons e importantes da antiga Atenas não sabiam o que argumentavam principalmente sobre o conceito da virtude.

Os inimigos de Sócrates só desejavam calá-lo, e então o acusaram impiedosamente de ser corruptor da juventude da cidade.

E, Sócrates em vez de abandonar a Filosofia, preferiu a morte, dando a essa ciência seu primeiro mártir e aos diálogos o seu merecido rigor ácido e cruel.

Enquanto lemos sobre Sócrates insistindo lepidamente em suas definições estrategicamente situadas no intervalo de uma a outra taça de vinho, sabemos que seu fim será na prisão e, por fim, um copo de veneno letal.

Não há uma cronologia pacífica e precisa nos diálogos de Platão, e os estudiosos dividem-nos geralmente em três grandes grupos: os primeiros, os intermediários e os últimos.

Os primeiros diálogos de Platão refletem interesses e visões do Sócrates histórico, ao passo que o Sócrates dos diálogos intermediários e, ainda os últimos representam mais peculiarmente a filosofia própria de Platão.

Os primeiros diálogos são inconclusos, e as investigações empreendidas raramente chegam a um acordo no que diz respeito a uma definição. Alguns enxergam nos diálogos intermediários os derradeiros esforços de salvar o seu mentor e mestre do que seria considerado uma incapacidade em resolver os problemas pontificados em primeiros diálogos.

Certamente a obra “A República” deve ser lida desta maneira e bem representa um diálogo intermediário de Platão e que o traduz em sua força e firmeza, indo além dos interesses de Sócrates na ética e adentrando o campo de Metafísica e da Epistemologia, respondendo a algumas questões propostas inicialmente por seu mentor.

Relevante frisar que desde o início, que o diálogo de “A República” é dividido em dez livros.

Platão acreditava que existiam três espécies de virtudes baseadas na alma, e que correspondiam aos estamentos sociais da pólis: a primeira virtude era a da sabedoria, deveria ser a cabeça do Estado, ou seja, o governante, pois utiliza a razão, correspondente ao ouro; a segunda espécie da virtude é a coragem e deveria ser o feito do Estado, correspondendo aos soldados, guardiões da pólis posto que suas almas de prata eram imbuídas de vontade.

E, por derradeiro, a virtude era a temperança e que deveria ser o baixo-ventre do Estado, ou os trabalhadores e artesãos, posto que suas almas de bronze orientavam-se pelo desejo das coisas sensíveis.

No primeiro livro de “A República” estão perguntas que os livros posteriores tentam responder: O que é justiça e será que vale a pena lutar por ela?

No segundo livro, no terceiro e no quarto Platão está preocupado, de maneira em geral, em lidar com a natureza do estado justo, mas no quarto livro, o filósofo começa a focar-se na justiça do indivíduo.

Já no livro oitavo e nono há a comparação da justiça da cidade com a justiça do indivíduo. Nos livros do meio há ainda a explicação das noções de reforma política de Platão e, constatamos o mais importante discurso sobre a Metafísica e a Epistemologia.

No derradeiro livro que parece ter sido feito às pressas e constam as noções platônicas de arte e da imortalidade da alma.

Enxergava Platão a alma dividida em três partes: a racional que é voltada a controlar as outras duas partes, e cuja virtude principal é a sabedoria ou a prudência (phrónesis); a irascível correspondente ao tórax, dotada de impetuosidade, dos sentimentos e cuja virtude é a coragem (andreia); a concupiscente correspondente ao baixo ventre, dotada de apetite, desejo (seja carnal ou espiritual), cuja virtual principal é a moderação ou temperança (sophrosýne).

Acreditava Platão que a alma depois da morte reencarnava noutro corpo, mas a alma que se ocupava com a filosofia e com o Bem, era privilegiada com a morte do corpo.

Assim com a morte era concedida o privilégio de passar o resto dos seus tempos em companhia dos deuses.

A questão da justiça surge mediante uma observação informal por parte do velho e próspero comerciante chamado “Céfalo”, que sustenta que uma das vantagens de ser rico é o fato de não ter que mentir ou enganar os outros.

Assim ele afirma que é um conforto saber que possui os meios para tratar os outros com justiça, podendo dizer a verdade e devolver o que tomou emprestado. Essa observação é suficiente para fazer com que Sócrates prossiga.

Suponha que um amigo lhe tenha emprestado armas, cogita Sócrates, e logo depois tenha se tornado insano. Avexadamente rubro de ira e fora de si, talvez até pensando em homicídio, este exige a devolução do que é dele.

No entendimento de Céfalo, seria justo ou correto devolver as armas, mas isso não pode ser tudo a declarar sobre a questão. Mais algumas definições convencionais são oferecidas pelas outras, porém todas insuficientes, até que o clima agradável da conversa é quebrado pela explosão de Trasímaco, um personagem retórico e sofista.

Quando este entra vigorosamente em ação, é um momento crucialmente dramático quanto se pode imaginar em uma conversação filosófica.

Trasímaco cansado da magnitude da conversa, afirma que aquilo que chamamos justiça não nada além de interesse próprio. Os detentores do poder criam a lei que satisfaz aos interesses e objetivos próprios, e a justiça não passa de uma sublime codificação do desejo do mais forte. Portanto, o poder dita as regras.

Adiante, Trasímaco argumenta que inerentemente do que possa ser dito na companhia das pessoas educadas, os corruptos são mais felizes e nós geralmente os admiramos, posto que consigam o que desejam.

Ser justo, no sentido convencional, simplesmente não vale a pena, não é vantajoso e nem é agradável. Para que se incomodar com a justiça e com a virtude quando a dedicação aos próprios interesses nos conduz claramente à felicidade?

A explosão de Trasímaco  encontrou eco na História da Filosofia e transcende. Correspondendo a primeira expressão de suspeita sobre a fundamentação da moralidade que se transformou em niilismo, egoísmo ético, realismo cínico, imperativo político, relativismo e ainda ceticismo.

Platão trata dessa questão durante todo o restante do diálogo..

É de difícil abate, a caça a respeito da natureza da justiça, e o melhor lugar para encontrá-la é certamente na cidade justa.

Mas, qual seria, então a natureza da cidade justa na visão de Platão? Arte desenvolvida por Platão é repleta de questionamentos incômodos.

O debate sobre a ordem justa surge exatamente para se descobrir se a justiça é melhor que a injustiça e, se a vida do homem injusto é mais regalada e farta do que a do justo. E, depois de exaustiva discussão, conclui-se que a justiça é preferível à corrupção.

O diálogo aporético sobre a justiça levantam questões respondidas pelo mito da salvação e, é apoiado pela intensa argumentação dialética (que se caracteriza por apreender a realidade à luz das contradições, uma das quais acaba por ser compreendida como verdadeira e outra falsa).

A imagem correspondente é do confronto entre a luz (sol ou claridade) com as trevas (escuridão ou caverna). A aporia como figura de retórica refere-se aos momentos em que um personagem  dá sinais de indecisão ou de dúvida sobre a forma de se expressar e a de agir. Melhor exemplificação é o célebre solilóquio escrito por Shakespeare em Hamlet, consagrado na expressão “to be or not to be” ( que podemos traduzir ser ou não ser”).

Sócrates imagina os primórdios da coletividade humana, e salienta que os seres humanos não são autossuficientes (pois precisam uns dos outros e demandam por cooperação para sobreviver).

Em verdade a obra “A República” começa com um grande sofisma, pois Trasímaco declara que a força é um direito e que a justiça nada mais é do que o interesse do mais forte.

E para responder a pergunta: “Como seria uma cidade justa?”, Sócrates começa a dialogar, principalmente com Gláucon e Adimanto. Platão salienta que a justiça seria simples se os homens fossem simples e, vivessem produzindo de acordo com suas necessidades, trabalhando muito e sendo sem luxo.

Absurdamente Platão imagina que o sistema de governo deve começar da estaca zero. O primeiro passo seria tirar os filhos de suas mães e o Estado deveria assumir a formação e instrução dos cidadãos.

Somos naturalmente capazes de exercer determinadas tarefas, e a eficiência aconselha que os indivíduos façam aquilo que melhor sabem fazer. Essas linhas gerais de pensamento levam a Socrátes a delinear a concepção de justiça na cidade ideal.

Seria injusto e poderia se configurar como furto, se uma pessoa ocupasse o papel natural de outra, o que seria o mesmo que retirar algo de alguém. É melhor, para mim, e para todos os outros, se eu fizer o que naturalmente sei fazer de melhor. A distância é mínima entre esses pensamentos e a visão de que a justiça na cidade depende de cada um fazer aquilo que naturalmente é pretenso a fazer.

Para Platão, em resumo existem três classes de cidadãos, a saber: os guardiões que governam, os auxiliares que policiam e defendem, e os artesãos que produzem os bens e prestam serviços.

Assim, segundo a visão platônica de cidade justa, as pessoas corretas deveriam ser destinadas aos papéis corretos, e isso é feito, por certo tipo de reprodução seletiva, conjugado com regime educacional e doutrinal – alguns chamariam de censura, propaganda e até lavagem cerebral.

Ademais, as pessoas precisam permanecer nos papéis aos quais foram designadas, apesar de que Platão aprovar a possibilidade de  mobilidade de classes sociais, um simples artesão dando-se ares de ser um governante de qualidade, simplesmente não poderia acontecer.

Sugere Platão que os governantes possam contar uma “nobre mentira ” que consiste em narrar que os Deuses estabelecem o destino de cada pessoa na terra, misturando em seus corpos um metal correspondente a sua classe social.

Desta forma, os guardiões são as crianças de ouro, nascidas para governar e de grande valia; os auxiliares seriam as crianças de prata, nascidas e vocacionadas a luta; e por fim, os artífices corresponderiam às crianças de bronze, nascidas para produzir e trabalhar e, portanto, resistentes.Não poderia haver mudanças de papéis, posto que o lugar do sujeito é predeterminado.

O fatalismo é, sem dúvida, uma das marcas peculiares da visão platônica, no mito da República, Láquesis (que é uma das três Moiras) tem em seu regaço fichas para um sorteio (símbolo da contingência) e ainda padrões de existência; e cada alma deve escolher o Gênio (demônio) que a acompanhará na sua existência, de entre uma série de escolhas, cuja ordem foi tirada à sorte.

Uma vez realizada a escolha, a existência é necessidade. Ou seja, cada alma escolhe seu destino, mas este destino escolhido é irrevogável (assim quer tornar Deus inocente do mal que fazemos, assim a moralidade ganha um valor original).

A escolha é enfermidade reservada às almas que não participaram da vida filosófica; mas os filósofos estão isentos desta enfermidade que é a liberdade infernal da escolha. Quando a especulação filosófica incide sobre o conceito de Destino, o problema do voluntário ou involuntário transforma-se em um problema metafísico: o do livre arbítrio.

Mas você deve estar se questionando como uma cidade pode ser construída e baseada em mitos, mentiras, censura, propaganda e reprodução seletiva, como podem as pessoas nascerem programadas e fazerem apenas o que os guardiões dizem. Portanto, a cidade justa de Platão é onde tudo corre exatamente como deve ser, sendo estável e eficiente.

Na lógica de Platão, portanto, a cidade justa deve ser governada e administrada pelos filósofos e pelos homens da ciência e, onde cada classe cumprirá naturalmente sua função para o bem da pólis

Por outro lado, a cidade injusta é aquela na qual o governo está nas mãos dos proprietários e, naturalmente não pensam no bem comum da cidade, e, sem dúvida, lutarão apenas para preservar seus interesses econômicos particulares, ou nos militares que levarão a cidade em estado de guerra constante para contemplar e vislumbrar desejos pessoais de honra e glória.

Não deveriam as pessoas ser felizes, e terem um pouco mais de liberdade para influenciar no funcionamento da cidade? , Não haveria como Sócrates se opor à explosão de Trasímaco, incorrido na defesa do que ele havia acabado de negar, que a justiça não é nada mais que a obediência à vontade dos poderosos?

Existe uma resposta para essa questão, embora não seja apropriada. Platão afirmava que a cidade ideal não pode se tornar real até que os reis sejam filósofos ou até que os filósofos tornem-se reis, até que o governante tenha sabedoria, particularmente a compreensão do fato que é a bondade.

Os governantes não são meros tiranos, mas pessoas que por sua origem e criação estão em posição privilegiada, podendo assim, naturalmente escolher o que é de benefício para todos.

Eugenias e mentiras à parte, talvez o povo possa realmente ser feliz, já que é cuidado por pessoas treinadas para ter em conta seus interesses. Desta forma, não significa apenas obedecer à vontade dos mais fortes, mas ser governado pelos que sabem mais e pelos que amam a sabedoria.

Defendia Platão que a educação visava o objetivo final de formar moralmente o homem exatamente para viver na cidade justa.

Rejeitava a educação grega praticada pelos sofistas que eram encarregados de transmitir conhecimentos técnicos, principalmente como a oratória, para os jovens da elite, que deveriam se tornar aptos para ocupar as funções públicas.

E, ainda apregoava que toda educação era de responsabilidade do Estado, e ainda, já naquela remota época reivindicava o acesso universal à educação e a mesma instrução para ambos os sexos. Era ferrenho opositor da democracia ateniense principalmente por entregar poder às pessoas despreparadas para governar.

Desta forma, o sistema educação platônica definia-se poela renúncia do indivíduo em favor da comunidade e o processo educacional reconhecidamente longo tinha a missão de revelar o talento e o gênio.

Na ótica de Platão a escola deveria testar as aptidões dos discípulos para que os revelassem tendências ao conhecimento e recebessem a formação completa para serem governantes.

Segundo Platão, a formação da pessoa, e da cidadania ocorreria antes mesmo do nascimento através do planejamento eugênico da procuração que se baseia em condições que favoreçam a reprodução e o aperfeiçoamento da etnia humana.

Platão propõe uma sucessão de analogias nos livros seis e sete, todas com a intenção de aclarar o tipo de conhecimento requerido pelos governantes, o conhecimento do Bem. E, para tanto recorremos a teoria das formas, pensando nos seguintes problemas:

Dizemos que diversas coisas são “vermelhas”, mas como conseguimos aprender o significado da palavra, se nunca nos foi apresentado um exemplo ambíguo de vermelhidão? Coisas vermelhas podem ser redondas e vermelhas, suculentas e vermelhas e, ainda, crocantes e vermelhas.

A incrível solução de Platão para esses problemas é a teoria das formas: a ideia de que exemplares perfeitos e imutáveis das coisas. Desta forma, todas as coisas vermelhas compartilham ou participam da forma de vermelho; todas as cidades, pessoas e ações justas compartilham da Forma de Justiça, e assim por diante.


Em verdade, as formas são realidades conceituais, e assim como a luz do Sol faz com que os objetos mundanos sejam visíveis, o conhecimento do Bem faz com que o rei filósofo “veja” o mundo das formas. Um governante iluminado, portanto, sabe o que é bom para todos, e governa de forma compatível com o bem estar de todos.

Diante das teses defendidas por Platão, Sócrates é levado a argumentar que a justiça tem valor em si mesma, dependendo apenas das condições para o seu exercício. Daí ser mais facilmente ser encontrada na atividade pública (na cidade), do que nas pessoas.

O primeiro princípio da justiça é a solidariedade social, ou as formas pelas quais a pessoa contribui para o bem estar coletivo, pois este é que tem a prioridade.

Desta forma, ressalta-se ainda o segundo princípio, necessário para a manutenção da integridade social: o desprendimento, o dever consciente de pessoas realmente dispostas a prover o bem comum. Eis aí, a justificativa para se criar uma classe social distinta das atividades econômicas, a dos guardiões, futuros reis-filósofos que sustentarão a felicidade do Estado.

A principal finalidade da polis é educar as pessoas e esta não precisa legislar sobre tudo. A cidade é sábia porque é governada por reis-filósofos; a cidade é corajosa, posto que garantida por guardiões valentes.

Há de ter temperança nas paixões e esta deve ser praticada tanto pelas pessoas como pelos governantes. A justiça consiste em cada um fazer o que deve assim: o sábio governar, o guardião vigiar e o artesão produzir.

A alma humana, portanto, é composta de três partes: os desejos (nous) e os impulsos (thymos) e, estes são dominantes, em certas ocasiões, superando as contenções racionais. Portanto, a justiça consiste na harmonia entre essas três partes, o que a faz aproximar-se da moral.

O mito da caverna é talvez a mais famosa imagem-parábola de Platão, e utilizável para todas as coisas com o fito de explicar a relação entre esse mundo e o mundo das formas, bem como a iluminação filosófica necessária aos reis filósofos.

Platão imaginou prisioneiros acorrentados ao solo de uma caverna. E, bem atrás deles existe uma plataforma erguida, onde vários objetos são carregados de uma lado para o outro, e, bem atrás desse vaivém existe uma fogueira.

E, os prisioneiros conseguem se libertar, enxergam o que está acontecendo e percebem que confundiam meras ilusões com objetos reais. Então um dos prisioneiros sai da caverna com dificuldade e se depara com a ofuscante luz do Sol. Por fim, consegue ver a verdadeira natureza do mundo.

Na ótica platônica, somos como prisioneiros em uma caverna e o mundo dos objetos físicos não passam de um mero vaivém de sombras comparado ao mundo imutável das formas perfeitas.

O filósofo que consegue se libertar e observar os objetos fora da caverna, as formas em si mesmas, finalmente vê o Sol, a forma da bondade, que a tudo ilumina.

Vale notar que o filósofo tem de retornar à caverna para nos libertar os demais mas não há dúvida de que ele preferiria permanecer lá fora, contemplando tudo tranquilamente. E, libertar a multidão não é tarefa fácil.

Este sofre, sendo acusado de louco por sua conversa  sobre o chamado “mundo real”. Com isto, Platão está sugerindo que o rei- filósofo governa não pelo senso de dever para com os sujeitos, mas porque se importa com eles. O que ele quer, mais que a alegria que acompanha a contemplação das formas, é a justiça para a cidade.

Mas o que há de verdadeiro na teoria das formas de Platão? A maior objeção considerada pelo próprio Platão, seja o Argumento do Terceiro Homem .

As coisas belas do mundo só o são belas na medida em que compartilham  da forma do Belo. Pois a forma do Belo é o belo em si. Isso não requer uma terceira pessoa, uma terceira forma, com a qual se pareça o Belo em si? Recomendo a leitura de “O banquete”.

Sócrates, Platão e Xenofonte são homens na medida em que compartilham da forma homem. Isso não requer um terceiro homem com o qual deve se parecer a forma Homem para que ele se sejam homens? A teoria das formas pode provocar um embaraçoso ciclo vicioso.

Abandonando as preocupações com a justiça do indivíduo e, retornando à cidade justa, sendo concebida por Platão como aquela em que as três classes fazem exatamente o que devem fazer e onde permanecem em seus apropriados lugares, exercendo seus respectivos papéis e não interferem uma nas outras.

E, consolidada a justiça na cidade, o filósofo volta-se para a justiça do indivíduo. Por simples analogia à cidade justa, uma pessoa justa é dotada de três partes, e que devem funcionar juntas.

Razão, força e apetite para Platão, correspondem na visão platônica às classes de cidadão na cidade. A vida interior da pessoa é estruturada tal como a vida social na cidade justa, as partes de sua alma fazem parte de um tipo similar de equilíbrio.

Mas, infelizmente a psicologia humana não pode ser reduzida a somente três princípios, e também porque as sociedades não são menos complexas.

Outra cogitação de Platão que tanto atormenta, que é saber se é desejável e compensadora a justiça? Acredita o filósofo que a pessoa justa é mais feliz e o que estado justo encerra as pessoas mais felizes.

Propõe alguns argumentos específicos: uma pessoa justa escapa de um tipo de conflito interno, que conduz à infelicidade, quando a parte racional de sua alma governa as outras. A justiça, portanto, traz felicidade, um tipo de felicidade inacessível à pessoa cuja alma está em constante disputa.

Platão também argumenta que as partes de uma pessoa possuem desejos correspondentes e particulares, como a parte racional ama a sabedoria.

Disputas entre as partes da alma dependem do melhor juiz para sua resolução, e somente a parte racional sabe quais são os melhores desejos para cada parte da alma.

Portanto, a razão é o melhor juiz quando se trata da satisfação do desejo, e a pessoa cuja razão está no comando, a pessoa justa, encontrará uma maior satisfação em sua vida.

Quando Platão discute sobre a razão que governa as outras partes da alma, está também cogitando de outras coisas, o que perpetua a inquietação de seus diálogos. Daí, podemos testemunhar boquiabertos a eternidade de Platão.

Por fim, precisamos entender que o mito linguagem tão utilizada por Platão revela as relações existentes entre a poesia e a verdade. A poesia se traduz em ser mensagem metafísica, e o belo não é senão o esplendor do verdadeiro e a arte em segundo lugar em relação à filosofia revela a verdade com beleza e destreza ao mundo sensível.




Referências
GAVEY, James. Uma introdução aos vinte melhores livros de Filosofia. Série Rosari Filosofia.Continuum International Publishing Group, Londres, Inglaterra, 2006.


JAPIASSU, Hilton. Danilo Marcondes. Dicionário Básico de Filosofia. Jorge Zahar Editor, 3ª. Edição, revista e ampliada, 1996.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 13/05/2011
Alterado em 18/08/2012
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