"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos

Esclarecimentos sobre exclusão do direito sucessório por indignidade e deserdação.
A lei enumera os graus de parentesco e dita a ordem vocacional hereditária. Ab initio, havendo parentesco até quarto grau, existe o direito de suceder.


A regra é a capacidade, basta então estar vivo e ter o parentesco  exigido por lei para que a pessoa tenha capacidade   de suceder, o que deverá ser avaliado ao tempo da abertura da sucessão.



Mas existem exceções pois embora estejam as pessoas arroladas na ordem vocacional hereditária, por razões especiais restam excluídas, sendo que os casos aparecem expressamente previstos em lei, e não se pode incluir outros.


Lembremos que a sucessão causa mortis é baseada em laços de afetividade entre o de cujus e os herdeiros. Na sucessão legítima, a vontade presumida do morto é ditada por lei que convoca a herdar certas pessoas que integram o núcleo familiar direto.


Na sucessão legítima estão aptas a herdar as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão (art. 1.798 CC). A lei põe a salvo e protege efetivamente o nascituro.


Portanto, não se transmite a herança para pessoa que não existe, ou já falecida, ou ficticiamente criada e imaginada.


A capacidade sucessória é, portanto, a aptidão para ser herdeiro, a condição pessoal para se revestir da qualidade de herdeiro, ou seja, para recebe a herança, a condição para ser titular do direito hereditário invocado.



Não herda se a morte do herdeiro ocorrer antes da abertura da sucessão. Daí a relevância da comoriência e do direito de representação.

Não tendo herdado o premorto, as vezes pode ocorrer a redução quinhões pelo simples fato de aumentar o número de herdeiros em face da mesma massa patrimonial, pois neste caso inexiste a representação e os herdeiros sucedem por direito próprio ou por cabeça. É importante ressaltar que a primeira classe de herdeiro a dos descendentes é considerada em linha infinita.


Na definição de Beviláqua, a indignidade é privação do direito, cominada por lei, ou seja, certos atos ofensivos à pessoa ou ao interesse do hereditando, isto é, o legislador cria uma pena, consistente na perda da herança, aplicável ao sucessor legítimo ou testamentário, que houver praticado determinados atos de ingratidão contra o de cujus.


A capacidade sucessória, in stricto sensu, é translativa, e verificada sempre em relação à pessoa e ao falecido, ou seja, será analisada a aptidão ao exercício do direito sucessório da pessoa em face de determinada herança.

Pode existir a incapacidade sem relação à herança do pai, porém, não relação ao acervo da mãe. Daí, entendermos que se trata em verdade de legitimação a suceder e, não de capacidade.

A lei determinar que certas pessoas, apesar de terem capacidade de direito e de exercício, não têm legitimação ou legitimidade sucessória.

De antemão, cabe frisar que não se trata de incapacidade geral, mas apenas de falta de legitimação, o Código Civil vigente disciplinando a matéria, dá ao tema a rubrica de “dos excluídos da sucessão” que é melhor redação do que previa o Código Civil revogado que incutia a idéia de que são taxativamente enumeradas as situações.

Antigamente existiam várias discriminações sociais e pessoais, e muitas eram as classes dos incapazes, como os estrangeiros, os hereges ou apóstatas, os escravos, os criminosos de lesa-majestade, os filhos espúrios, os exilados e deportados e, mesmo transmitia-se por várias gerações essa perda de direitos.

Apesar da pessoa ter sido contemplada a capacidade de sucessão, há , no entanto, certos eventos e circunstâncias que afastam tal condição.

Cuida-se da indignidade que surge diante de atos praticados pelos herdeiros. Há, também, as hipóteses de deserdação, mas aí, temos a exclusão do herdeiro em razão de ato de vontade do autor da herança que assim consigna de forma justificada.

Em certas situações existem a incapacidade para adquirir em testamento, com relação aos arts. 1.801 e 1.802 do CC (tais como pessoas que escrevem o testamento, concubinos de testador casado, testemunhas do testamento e, etc.).

A exclusão da sucessão realizada por indignidade ocorre quando o autor da herança falece ab intestato.


Compreender o conceito de indignidade nos remete ao étimo do latim indignitas, átis, “indignidade” (de uma pessoa ou de uma coisa), ação indigna, infâmia, ultraje, crueldade, atrocidade, indignação; penalidade imposta a herdeiro legitimo e que consiste em excluí-lo da herança quando comprovadamente tenha praticado atos ofensivos ou faltas graves contra o de cujus durante sua vida ou após sua morte.  (In  Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa).


Justamente pelas ofensas praticadas, de pungente significação moral, afasta-se o herdeiro não de sua qualidade de sucessor, mas de ser contemplado com o recebimento do quinhão que lhe era reservado.


A indignidade  revela-se como exclusão do herdeiro pela prática de atos criminosos ou ofensivos contra o autor da herança. Já era tal a definição de Clóvis Beviláqua: “Indignidade é a privação do direito hereditário cominada por lei, a quem cometeu certos atos ofensivos à pessoa ou aos interesses do hereditando.”

Quem está incurso em falta grave contra o de cujus, resta indigno de receber seu quinhão. Distingue-se da deserdação pois esta é somente ocorrível através de testamento.

A cominação  da pena de indignidade é cominada pela própria lei, nos casos expressos que enumera, ao passo que a deserdação repousa na vontade exclusiva do falecido, que a impõe ao culpado no ato de última vontade, desde que fundamentada em motivo legal.

Os fatos típicos que acarretam a indignidade e, ipso facto, a perda do direito sucessório  em relação a determinado de cujus estão expressos no art. 1.814 do CC. É um dos casos raros de morte civil, reminiscência aliás, do Direito romano, ao ponto, de o art. 1.816 CC  chega a enunciar que “como se morte fosse” referindo-se ao indigno.

A rigor, não há incapacidade de receber a herança, posto que contemplada o herdeiro no rol de vocação sucessória. É contrária a moral humana que o ofensor, ou o que prejudicou o falecido, seja, após, então favorecido com os bens que este tinha.

No entanto, são pessoais os efeitos da exclusão por indignidade, posto que os descendentes do herdeiro sucedem(por representação), e se forem menores, para a efetividade da punição,  não poderá o indigno deter a administração dos bens herdados.

Para Francisco Cahali “embora didaticamente tratada em conjunto com a legitimação, a exclusão por indignidade, representa mais propriamente a retirada do direito à herança de quem é sucessor capaz em virtude de atos de ingratidão”.

Eduardo de Oliveira Leite mais elucidativo traz a baila que a indignidade é a perda da aptidão de adquirir direitos sucessórios por culpa do beneficiado. Aquele que dolosamente atentou contra a vida do pai é civilmente capaz, porém não é legitimado a suceder (situação específica);

Não fosse o alijamento da herança haveria até um sinistro estímulo de que os herdeiros atentarem contra a vida de seus progenitores e outros parentes para se apropriarem dos respectivos bens.

Embora o art. 1.814 em seus incisos do CC enumere as causas de indignidade, outros atos podem existir e até com maior gravidade.


Embora somente os previstos em lei possuem efetivamente o caráter de afastar o herdeiro da sucessão.


A primeira causa é o crime de atentado contra a vida da pessoa falecida, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente, desde que presente o elemento dolo, ou o animus necandi, na conduta do herdeiro.

Não se exige a condenação penal para se tipificar a indignidade, basta a prova da ocorrência do atentado contra a vida para sua efetiva aplicação. É certo, porém, que havendo a condenação criminal, não discute mais a legitimidade da exclusão sucessória.

É curial que se houver excludente de criminalidade tais como legitima defesa, estado de necessidade, fica afastada a pena de indignidade. E, isto desde que haja absolvição criminal pelos mesmos fatores.

Rizzardo em sua obra aponta curial jurisprudência ainda sobre o C.C. revogado ao aplicar o art. 1.595, inciso I: “Ação ordinária de exclusão de sucessão, com base no art. 1.595, inciso I, do Código Civil.

A absolvição da acusada em virtude de reconhecimento de excludente de responsabilidade – doença mental , a gerar inimputabilidade absoluta, afasta a exclusão da legatária, embora a autora do homicídio do testador.

Não se pode reabrir o debate sobre o delito, quando declarado inimputável o réu (art. 22 do CP), mediante sentença criminal que transitou em julgado.”( RE 93.623-8- AL, 2ª Turma do STF, de 03.12.82, Lex – Jurisprudencia do STF, 52/165).

Há inclusive um Projeto de lei 141/2003 ainda tramitando no Congresso Nacional Brasileiro, de autoria do Deputado Paulo Baltazar, que pretende alterar o art. 92 do Código Penal para que a exclusão da sucessão passe a ser efeito automático da sentença condenatória.

Não há exclusão automática, esta depende necessariamente de ser confirmada por sentença (art. 1.815 e art. 1.965 CC) e só podem tais ações declaratórias de indignidade só podem ser propostas após a morte do de cujus, pois o direito à herança só surge quando se abre a sucessão, o que não impede que, ainda em via, ocorra uma medida cautelar de produção antecipada de provas.

São coincidentes as causas de indignidade e da deserdação e vêm previstas no art. 1.814 do CC, entretanto, a lei prevê causas exclusivas para indignidade e segundo entendimento majoritário, são causas numerus clausus e, não meramente exemplificativas.

Para ser aplicada a exclusão sucessória como pena, tais causas de indignidade terão que ser devidamente provadas. Incorrem em indignidade tanto os herdeiros legítimos como os sucessores irregulares ou ilegítimos, os universais e os singulares, os herdam por força da lei e os favorecidos em testamento.


Todo herdeiro ou interessando tem quatro anos para entrar com a ação para exclusão sucessória do indigno. Conta-se o lapso temporal da abertura da sucessão, não interessa se o inventário tenha sido concluído antes, e nem  impede a decorrente necessidade de ser anulado.

Sendo o herdeiro menor de idade, no entanto, o referido prazo inicia-se de sua maioridade, conforme os termos do art. 198,inciso I CC.

Possuem legitimidade ativa para intentar a lide, além dos herdeiros, os legatários, os credores, o Fisco, os donatários, e todos aquelas que pelo inventário foram contemplados com alguma parcela de herança.  Não se reconhece ao Ministério Público qualquer iniciativa, a menos que o herdeiro seja incapaz.

Há dissenso doutrinário quanto a legitimidade do MP para propor a dita ação civil de indignidade, principalmente em face de omissão de co-herdeiro legitimado.

A origem desse dissenso paira exatamente sobre o conceito de interesse público e até sobre o limite de atuação do ilibado órgão ministerial e, Maria Helena Diniz entende que mesmo o MP por atuar como guardião da ordem jurídica e por haver interesse público e social de que o herdeiro desnaturado venha a receber fortuna do autor da herança, que foi, por este ofendido.

Nesse sentido, há o Enunciado 116 aprovado na Jornada de Direito Civil do CJF: “O Ministério Público por força do art. 1.815 do CC, desde que presente o interesse público, tem legitimidade para promover a ação visando à declaração da indignidade de herdeiro ou legatário.”

No entanto, Flávio Monteiro de Barros, Gustavo Rene Nicolau não entendem ser de bom-tom tal intervenção do MP pela grande interferência na vida íntima e privada do núcleo familiar. Corroboram que é evidente o interesse privado e, não necessariamente o público.

Na referida ação de exclusão sucessória deverão estar provados corretamente os atos imputados aos indignos. Julgada procedente a ação, o juiz declarará a exclusão sucessória por sentença.

Como se refere à ação atinente à capacidade da pessoa (incapacidade de herdar) o seu procedimento será o ordinário, independentemente do valor que for atribuído à ação, segundo a regra constante no art. 275, parágrafo único do CPC.

Vindo a falecer no curso da ação o ofensor ou herdeiro, não se extingue o feito, o que era contrariado pela maioria dos autores.  Os herdeiros habilitar-se-ão para substituir o antigo autor.

Rizzardo aponta que a ação, em casos especiais, poderá ser dispensada, por exemplo, quando o ato contra o inventariado ou as demais pessoas elencadas nos incisos do art. 1.814 C.C. consistiu em homicídio, ou qualquer outro crime grave.

A perda de indignidade pode ser cominada aos herdeiros necessários (filhos, netos, pais, cônjuge) ou aos herdeiros facultativos (sobrinhos, tios, primos, tios-avôs, sobrinhos-netos ou mesmo estranhos nomeados herdeiros por testamento.

Já a deserdação só atinge herdeiros necessários, sendo forma própria de lhes retirar o direito à legítima (art. 1.961 CC).

Um exemplo, elucida bem a questão:

Se o sobrinho, herdeiro facultativo, assassina dolosamente seu tio, os demais herdeiros podem propor a ação de exclusão por indignidade. Se o sobrinho, nomeado em testamento, tenta matar o tio e não consegue, o tio não precisará deserdá-lo para afastá-lo de sua sucessão. Como não é herdeiro necessário, basta que o tipo faça outro testamento que não o contemple.

Por outro lado, se um dos filhos matar dolosamente o pai e não consegue, os demais herdeiros podem propor a ação de indignidade ou o pai, se quiser, poderá deserdá-lo em testamento.

Explica José Luiz Gavião de Almeida que até as circunstâncias posteriores à morte do autor da herança podem ser reconhecidas como provocadoras da indignidade.

A deserdação, ao revés, só se estabelece por causas anteriores à morte do autor da herança, pois se estabelece necessariamente pela via testamentária.

Ressalte-se que o indigno entra na posse dos bens da herança, desde logo, cumprindo-se o droit de saisine, pois a indignidade decorre de ação judicial que a constitua.

Já o deserdado não entra na posse imediata da herança, pois enquanto não se decida à veracidade das causas da deserdação, os bens da herança permanecerão em depósito, na posse e guarda do inventariante, do testamenteiro, ou quem o juiz indicar para tal mister (Cahali e Hironaka, Curso avançado ..., 2003, v.6, p.372).

Explica-se a legitimidade a partir do interesse material e disputa. Assim na opinião balisada de Flávio Tartuce e José Fernandes Simão não teria o Ministério Público legitimidade para tanto, salvo se visasse a exclusão sucessória para a vacância da herança. No entanto, a questão não é pacífica.


Tanto para indignidade para a deserdação o prazo para demanda de exclusão sucessória é de quatro anos e de natureza decadencial, pois a ação será de natureza constitutiva negativa, levando-se em conta o  precioso critério científico de Agnelo Amorim Filho.

Vige, no entanto, diferença de termo inicial para contagem de prazo para a propositura em face do indigno que é a contar da abertura da sucessão, ao passo que para o deserdado, é a contar da abertura do testamento(art. 1.965, parágrafo único do CC).

Há o Projeto de Lei 6.960/2002 que pretende reduzir tal prazo por entender que é por demasia longo, reduzindo-o para dois anos e unificaria-se o termo inicial para a abertura da sucessão e não mais do testamento .

Zeno Veloso apõe arguta crítica ao contestar que testamentos não se abrem, se apresentam ao juiz, com a morte do testador. Testamento fechado e que deve ser aberto pelo juiz, falecido o testado, e se tratando de testamento cerrado.

Na prática, podem se passar meses e até mesmo anos até que a deserdação seja conhecida, e, portanto, o ideal seria que o prazo decadencial se iniciasse a partir da apresentação do testamento.

Amparado tal entendimento no vetor da boa-fé objetiva e no direito à informação e eticidade que se consolidam como os baluartes do novo direito privado.

A pena de indignidade não se restringe ao homicídio consumado mas aplica-se igualmente ao testado, exigindo o animus necandi. Aponta necessariamente para o homicídio doloso.

Se, por exemplo, filho ao volante de veículo automotor atropela e mata seu pai, não haveria por que puni-lo com a exclusão sucessória.

Elucida Hironaka que os vocábulos autor, co-autor e partícipe são: “autor é aquele único indivíduo que pratica o delito, possuindo o domínio sobre a consumação do fato. Co-autores são aqueles que praticam em conjunto o delito, a ação criminosa então se divide em tarefas como se de uma sociedade se tratasse, e todos possuiriam o domínio da consumação delitiva. Partícipes são aqueles que, sem cometer ação tipificada no âmbito criminal, contribuem efetivamente para ação criminosa do autor ou dos co-autores.”

A doutrina é unânime em afirmar a desnecessidade da sentença penal condenatória para que se opere a indignidade do âmbito civil.

Venosa assevera que para incidência da norma basta haver o crime, não dependendo de condenação criminal.

Zeno Veloso comparando o sistema jurídico brasileiro com o português e o francês,  afirma que aqueles sistemas exigem prévia condenação criminal, mas nem o Código Civil revogado e  nem o atual mencionam como pressuposto a condenação criminal.

Ademais, as excludentes da penalidade tais como a legítima defesa, o estado de necessidade e o exercício regular de um direito são, como regra geral, fatos lícitos par o Direito Civil (art. 188 do CC) e, portanto, não geram a exclusão por indignidade e nem admitem deserdação de quem os pratica.

O fato de existir processo-crime em trâmite para se apurar prática de homicídio doloso, seja este tentado ou consumado, suspende os prazos para ações cíveis,  para decretar a indignidade para confirmar a deserdação?

A resposta é negativa. Os prazos das ações de natureza decadencial e, portanto, não se interrompem ou suspendem, salvo expressa previsão legal( art. 207 do CC).

Note-se que a previsão continua na lei é de suspensão de prescrição, e não da decadencial, até a sentença penal definitiva quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal.

O segundo inciso do art. 1.814 CC envolve a denunciação caluniosa em juízo do autor da herança. A denunciação caluniosa é prevista no art. 339 do CP( que teve sua redação alterada pela Lei 10.028/2000).

Também não exige a condenação pelo crime de denunciação no juízo criminal para se legitimar a exclusão sucessória no âmbito cível. Assim a prova da denunciação deverá ser feita diretamente no juízo cível.

O maior debate reside na segunda parte do dispositivo em comento porque também poderá ser excluído da sucessão aquele que incorrer em crime contra honra do autor da herança ou de seu cônjuge ou companheiro. Classicamente sabemos que são os crimes de injúria, difamação e calúnia (arts. 138 a 140 do CP).

A expressão “incorrer em crime” significa que houve necessária condenação criminal.

Já o inciso III aponta para o herdeiro ou legatário que tenta impedir o falecido de livremente dispor de seus bens , empregando tanto violência(coação) como fraude( alterações, falsificações , inutilização , ocultação e atestando contra essa liberdade de testar ou obstando a execução do ato de última vontade).

Exemplificando, podemos imaginar o herdeiro que diante do testamento cerrado, rompe o lacre para invalidá-lo. Ou o herdeiro que promove rasura em testamento particular. Ou o caso do herdeiro que não informa a existência de testamento público do qual tinha ciência a fim de evitar a divisão da herança com terceiros, impedindo que se dê cumprimento à última vontade do morto e cometendo o suficiente para exclusão.

Da mesma forma será excluído da sucessão quando o herdeiro impede de o de cujus de fazer testamento desejado, ou exige ser beneficiado por testamento utilizando coação ou dolo e, também do herdeiro que impede a revogação de testamento.


Os motivos exclusivos da deserdação constam nos arts. 1962 e 1963 do CC.  O primeiro dispositivo trata das hipóteses de deserdação dos descendentes por seus ascendentes. Já o segundo dispositivo menciona a situação inversa.

Curiosamente apesar do CC de 2002 enaltecer o cônjuge como herdeiro necessário (art. 1.845 CC) mas não criou hipótese específica para sua deserdação. Salienta Zeno Veloso que embora incluída no elenco de herdeiros necessários, não é passível de ser deserdado.

E, como se trata de rol taxativo não se pode ampliar suas hipóteses. Assim conclui-se que o cônjuge só pode ser deserdado pelos motivos previsto no art. 1814 em razão de dicção do art. 1.961 CC.

Para aplacar tal divergência há o Projeto de Lei 6960/2002 de autoria de Fiúza que pretende criar o art. 1.963-A que inclui como motivos de deserdação a grave violação dos deveres matrimoniais, ou que determine a perda do poder familiar. Que recusar injustificadamente a dar alimentos ao outro cônjuge ou aos filhos comuns; desamparo do outro cônjuge ou do descendente comum com deficiência mental ou grave enfermidade.

Ainda que leves sejam as ofensas físicas es as autorizam a deserdação. Sevícia revela desamor além de falta de respeito e crueldade, legitimando igualmente a deserdação.

Há de se sopesar, no entanto,  a ofensa física do pai com relação ao filho, visto o exercício do poder familiar. Não e injúria grave o castigo impingido com bom senso e moderação.

As relações ilícitas são aquelas de cunho afetivo, íntimo ou sexual. São beijos lascivos, sexo oral, cópula carnal e, etc.


Na doutrina contemporânea há destaque que as causas par exclusão de herdeiro são numerus clausus, ou seja, taxativas, não se admitindo a interpretação extensiva, para outros atos de ingratidão ou de ofensa à pessoa do autor da herança.

De sorte que não se pode utilizar da analogia para se interpretar as causas para exclusão sucessória. Lembremos que é nula a pena sem prévia cominação legal (nula poena sine lege).

A hipótese legal do inciso IV do art. 1814 CC é no mínimo curiosa pois se o ascendente estiver em plena alienação mental, faltar-lhe-á discernimento para testar e nulo será seu testamento (art. 1860 CC).


No entanto, se a alienação mental for temporária , recuperando o ascendente a plenitude do gozo de suas faculdades mentais, poderá se valer do testamento para deserdar os descendentes. Paticularmente através de seu testamento que é, como sabemos, ato personalíssimo.

A enfermidade de ordem física não lhe retira o discernimento para testar. Assim imaginemos um pai acometido de carcioma(cancer) que, em estado  terminal  é abandonado por seu filho.

A idéia de desamparo não cinge-se apenas ao aspecto material, mas também ao aspecto moral ou  afetivo e, além de constituir ato ilícito , também gera possibilidade de ressarcimento e ainda causa deserdação. Atesta-se assim definitivamente o valor jurídico do afeto.

Pelo falta de efeitos automáticos a indignidade  gera o aparecimento da figura intitulada de herdeiro aparente ou putativo.

Há para caracterização do herdeiro aparente dois tipos de requisitos, o de natureza objetiva e o  de natureza subjetiva.

São objetivos os seguintes requisitos: a) situação fática cercada de circunstâncias tais que manifestamente a apresentem como se fosse uma segura situação de direito (vide teoria da aparência);
b) uma situação fática que assim possa ser considerada segundo a ordem geral e normal das coisas; c) que, nas situações acima, apresente-se o titular aparente como se fosse o titular legitimo, ou o seu direito como se realmente existisse.

Por outro lado, os requisitos subjetivos são, a saber: a) a incidência de erro de quem, de boa-fé, considere a mencionada situação fática como sendo situação de direito; b) escusabilidade desse erro apreciada segundo a situação pessoal de quem nele incorreu.

Quando decretada finalmente a exclusão do herdeiro indigno ou deserdado, a sentença produzirá efeitos retroativos ( ex tunc) e, portanto, o herdeiro fica excluído desde da abertura da sucessão.

Nem poderia ser diferente pois poderia o herdeiro dilapidar todo o patrimônio antes de ser declarado indigno, escapando da punição legal.

Mas a análise da validade dos negócios jurídicos praticados pelo herdeiro aparente à luz da eticidade e do princípio da boa-fé.  E, nesse caso, da boa-fé subjetiva, ou seja, pelo estado de consciência, em que o que se verifica é o conhecimento ou não de determinado fato.

É o convencimento individual de obrar em conformidade com o direito. É a mesma boa-fé que se aplica aos direitos reais, aonde se analisa a intenção do sujeito na relação jurídica.

Enquanto que a boa-fé objetiva revelasse como modelo de conduta social, e verdadeiro arquétipo do jurígeno, segundo o qual cada pessoa dever obrar como um homem com retidão, probidade, lealdade e honestidade.

A boa-fé subjetiva é chamada de boa-fé crença, em sentido psicológico e corresponde ao gutten glauben previsto no BGB.

Assim são válidos os seguintes atos praticados pelo herdeiro aparente:

a) atos onerosos de alienações realizados para terceiros de boa-fé, ou sejam, para os que desconheciam a indignidade do herdeiro;

b) os atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro aparente.

Por outro lado, não serão válidos ( eivados de nulidade absoluta) os seguintes atos praticados por herdeiro aparente:

a) atos onerosos de alienações realizados para terceiros de má-fé, ou seja, que sabiam da indignidade do herdeiro e mesmo assim adquiriram bens sabendo que não pertenciam realmente ao herdeiro aparente;

b) atos gratuitos de alienações realizados para terceiros independentemente de usa boa ou má-fé.

Da mesma forma deverão os frutos produzidos pelos bens serem restituídos pelo herdeiro aparente ante a eficácia da declaração de sua exclusão sucessória.

Na qualidade de possuidor de má-fé, o herdeiro aparente deverá: responder pela perda ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando esta na posse do herdeiro real (art. 1.218 CC); só serão ressarcidas as benfeitorias necessárias e não lhe assiste direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias ( art. 1.220 do CC).

Caio Mário da Silva Pereira salienta que referente aos terceiros de boa-fé o efeito retrooperante da sentença não poderá prejudicar seus direitos, respeitando-se, portanto, as alienações bem como atos de administração praticados antes da prolação da sentença. Porém é lícito aos demais co-herdeiros demandarem contra o alienante buscando ressarcimento dos danos causados.

O destino do quinhão do herdeiro indigno será conforme prevê o art. 1.816 do CC a representação pelos seus herdeiros. Caso não existam esses, a quota irá para os herdeiros da mesma classe do indigno.

Nada obsta que entretanto, o ofendido perdoou seu ofensor, reabilitando-o plenamente em testamento ou através de outro ato autêntico ( em escritura pública)

Se, não houver reabilitação expressa, mas o ofendido contemplar o ofensor via testamento, após conhecer a causar de indignidade, o indigno terá direito de suceder, nos limites da disposição testamentária.

Conclui-se que há semelhanças entre os institutos da indignidade e deserdação. E que ambos excluem aqueles que não merecem receber a herança. Mas, frisemos que a indignidade emana da lei, enquanto a deserdação emana da vontade do autor da herança, a indignidade afeta qualquer herdeiro, seja este legítimo, testamentário, ou mesmo legatário, enquanto que a deserdação destina-se a privar os herdeiros necessários de sua cota legítima da herança.

As causas de indignidade são restritas aos incisos do art. 1.814 do CC, ao passo que a deserdação possui causas mais amplas  e, de maior número conforme os arts. 1.962 e 1.963.

Em ambos os casos há a possibilidade de representação do filho ingrato e ofensor, havendo ainda a necessidade de ação civil promovida pelos interessados em efetivar a exclusão sucessória.

Tanto um como noutro instituto é possível haver o perdão expresso do de cujus, e a deserdação implicará a perda do direito de usufruto e de sucessão eventual quanto aos bens ereptícios (são aqueles retirados do indigno e devolvidos aos demais herdeiros).

Sobre o perdão, esclarece Hironaka que este é sempre concedido in totum, ou seja, na totalidade, pois não se admite parcial perdão. Se tiverem sido mais de um ato ofensivo, e o de cujus tiver liberado seu sucessor de  um ou alguns deles permanecerá a possibilidade de que o ofensor seja excluído da sucessão.

Inovou o CC de 2002 ao permitir o perdão tácito do indigno quando o testar, ao testar, já conhecia da causa de indignidade e, mesmo assim o contempla na qualidade de herdeiro. Este poderá suceder apenas no limite da disposição testamentária, se não havia reabilitação expressa do indigno conforme prevê o parágrafo único do art. 1.818 do CC.

Espero que esse modesto artigo jurídico consiga por fim didaticamente expor com maior clareza e simplicidade os casos de exclusão de herdeiro quer pela indignidade, quer pela deserdação.

















Referências

Rizzardo, Arnaldo. Direito das Sucessões, 5ª edição, revista e atualizada, 2009. Editora Forense – Grupo Gen.

Tartuce, Flávio et José Fernando Simão. Direito Civil. Série Concursos Públicos, 2007, Editora Método, Grupo  Gen.

Nicolau, Gustavo Rene. Direito Civil. Sucessões. Série Leituras Jurídicas . Provas e Concursos. 2005, Editora Atlas.

Leite, Gisele. Capacidade sucessória no direito civil brasileiro in:  http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/481656 .

__________.  Considerações fundamentais sobre as regras da sucessão legítima.In: http://jusvi.com/artigos/41736 .

__________.  Considerações sobre a sucessão do cônjuge e da companheira. In:  http://opiniaodoutrinaria.blogspot.com/ .

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 06/09/2009
Alterado em 03/11/2009
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