Carta a mãe desconhecida
Pelo mistério da natureza e do acaso, você gerou em seu ventre. E, aí permaneci por sete longos meses, nutrindo-me através de você. Vivendo e pulsando dentro de você e, percebendo a cada dia mais que uma hora chegaria o desabrochar. E, então enfrentar o mundo aqui fora.
Por outros mistérios da vida e da história nossos caminhos cruzaram e, logo se perderam... Você rumou numa direção e, eu para outra. Mas, não esqueci que você tinha sido minha mãe.
As vezes, no íntimo perguntava-me: - será que me teve afeto? – será que me achou feia ou repugnante? Enfim, inculcações de quem foi rejeitado sem maiores explicações.
Mais tarde, quando cheguei perto da maturidade, passei a ter uma leve noção do que lhe aconteceu. E, percebi que suas decisões apesar de censuráveis, ainda se preocupavam em me poupar e, deixar para mim, o melhor que existia.
Talvez o imperdoável não tenha sido tanto sua ausência. Ou mesmo o fato de não termos vínculos emocionais. Talvez o mais imperdoável, tenha sido o fato de não ter sido considerada como ser humano, como ser sensível e necessitado de afeto, atenção e carinho.
O tempo passou, eu cresci, galguei relevantes etapas da minha vida. Tive vitórias, padeci em derrotas, mas transcendi a todas as dificuldades. Inclusive aquela de não ter tido um referencial emocional materno.
Criei internamente um ícone de mãe ideal. Da mãe solícita, boa, mas rigorosa. Que deseja e exige dos filhos, pois a vida não exige menos, Que tenta prepará-los para a guerra diária, para a trincheira da esquina para que sejam não só meros sobreviventes, mas combatentes dignos de estarem entre os melhores.
Na verdade, tornei-me uma mãe “meio-sargentona” e, não aceitava fraquezas, fragilidades ou simples “petis”. Sei que essa imagem deve estar lhes assustado boa parte sua infância e juventude. Mas creiam, havia carinho, afeto e muita preocupação com sua sorte, futuro e sobrevivência nessa selva contemporânea.
Muitas vezes me perguntei, se está certa de ser tão rígida. Muitas vezes me respondi que era melhor eu exigir pois, amava o suficiente e mais do que o mundo que iria exigir odiando e repudiando... Preferi ser eu a palmatória e a chibata do que deixar ao encargo dos ingratos e cruéis personagens da vida.
Nada disso, nem essas palavras e nem essa carta tem a intenção de demonstrar meu arrependimento. Pois não me arrependi de nada. Construí duas fortes criaturas, com personalidades diferentes e, definitivamente combatentes vitoriosas.
Capazes de enfrentarem o mundo, cheio de adversidades e armadilhas. Cheio de amores e desamores. De ódios secretamente sociáveis... O meu amor talvez não tão visível só pode ser enxergado pelo coração, pela sensibilidade e pela inteligência.
E, sei que nem sempre podemos estar o tempo todo tão argutos. Portanto, o que desejo é homenagear a mãe desconhecida a quem dedico essas linhas.
Por não ter feito de mim, algo tão doce e tão delicado. Pois só assim pude estar apta a sobreviver na seca da caatinga, na aridez dos desertos, e a solidão das geleiras.
E, agora, tudo que me resta é comemorar, a vitória de um dia, de uma vida e da breve certeza de que aprendemos a cada dia mais. Aprendemos a aprender. Desfiando o mundo do caos da teia da ignorância e da alienação.
E com olhos ávidos e atentos, devemos perceber o que há materialmente e palpável... como também ler as entrelinhas das almas, dos olhares, dos toques e, sobretudo da estória de cada um.
A todas as mães, a todas mulheres que assumiram a função de mãe, e aos irmãos que se tornaram mães... Os pais que assumiram também a função materna e, todo e qualquer ser humano que mesmo num breve instante pretendeu preencher a lacuna insuprimível da mãe.
A esses, meus queridos e queridas, meus parabéns e muito obrigada. Viva o dia das mães que é todo dia e preenche a história inteira de cada um de nós.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 10/05/2009
Alterado em 23/02/2010