Alimentos em sua múltipla perspectiva jurídica
Alimentos
Há diversidade de conceitos sobre a expressão “alimentos”, que em lato sensu corresponde ao direito de grande abrangência indo mesmo além da acepção fisiológica, incluindo tudo que é é necessário a manutenção individual: sustento, habitação, educação, vestuário, tratamento e, etc.
Gisele Leite
Tal amplo concepção prevalece desde das Ordenações (Livro, I, Tít. 88 § 15) e até no direito estrangeiro. Compete ao Poder Público desenvolver a assistência social, estimular o seguro, tomar medidas defensivas adequadas para prover a subsistência dos impossibilitados por isso institucionalizou o dever de solidariedade no direito de família.
Para que o Estado seja auxiliado nessa missão, o Direito impõe aos parentes do necessitado ou pessoa a ele ligada por um ele civil, o dever de proporcionar-lhe as condições mínimas de sobrevivência no caráter de obrigação judicial exigível.
São alimentos tantos os naturais quanto os civis ou chamados de côngruos como educação, instrução e assistência em geral. Podem ser legítimos (se derivam de lei), testamentais (se oriundos de declaração de última vontade), convencionais (se nascidos de estipulação negocial inter vivos), ressarcitórios (se visam indenizar a vítima de um ato ilícito) e judiciais (se estabelecidos por provimento judicial).
Nosso legislador civil pátrio não conceituou alimentos mas deixa a entender que são prestações periódicas destinadas a prover as necessidades básicas de uma pessoa, indispensáveis ao seu sustento, proporcionando-lhe uma vida modesta, porém digna.
Podem os alimentos ser fixados provisoriamente, daí o nome de alimentos provisórios ou sob a forma definitiva, e então denominados alimentos definitivos.
Podem ser ainda provisórios se fixados liminarmente e se destinam ao sustento do alimentando durante o curso processual até final sentença, e, se ratificados se transformarão em alimentos definitivos.
Tais alimentos somente alteráveis mediante a competente ação revisional, pois que a sentença que o fixou não faz coisa julgada material face a possibilidade de mudança de condições tanto do alimentando quanto do alimentante.
De qualquer forma, a obrigação alimentar atentará para o binômio necessidade-possibilidade.
Desaparecendo a necessidade do alimentando não mais a ela fará jus, podendo por iniciativa própria suspende-la, ou quando o alimentante prova que outro lado se tornou economicamente capaz, não carecendo de ser sustentado.
É direito personalíssimo concedido à pessoa do alimentando que se encontra em estado de necessidade, só podem ser reclamados por direito próprio, admitindo-se em caso de menores que sejam estes representados por seus representantes legais.
Os alimentos são irrenunciáveis podem contudo se renunciar ao seu exercício do direito aos alimentos (é o que preceitua o art. 404 CC/1916).
O direito a alimentos constitui modalidade do direito à vida que é protegido pelo Estado através de normas de ordem pública, daí a sua irrenunciabilidade atingir somente ao direito e nunca ao seu exercício.
Não se pode renunciar aos alimentos futuros e nem a não-postulação dos mesmos em juízo pode ser interpretada como renúncia tácita. A renúncia posterior é validada quando perdoa as prestações alimentícias vencidas e não-pagas.
Uma corrente doutrinária entende que como mulher e marido não são parentes, a irrenunciabilidade do direito não se aplica aos cônjuges. Prevalece o entendimento contrário consubstanciado na Súmula 379 do STF in verbis: “ No acordo podem os alimentos serem pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais “
Tal Súmula não se aplica aos casai divorciados, mas apenas aos separados judicialmente.
Interpreta-se a renúncia ínsita na separação consensual como mera dispensa provisória e momentânea da pensão alimentar, podendo assim a mulher posteriormente pleiteá-la desde que prove sua necessidade e a possibilidade econômica do ex-cônjuge.
Também é a incessibilidade uma das características dos alimentos pois o crédito alimentício é inseparável da pessoa.
Se no momento da separação judicial mulher foi devidamente aquinhoada com bens ou rendas suficientes para prover-lhe a subsistência, não poderá esta posteriormente reclamar alimentos posteriormente.
Alguns pronunciamentos judiciais, no entanto, entendem que resta revogada a referida Súmula 379 do STF alegando de que o enunciado protecionista não se compatibiliza com o princípio igualitário entre os cônjuges ex vi o art. 226, § 5o., da CF/1988.
Bem salienta Yussef Said Cahali que a irrenunciabilidade dos alimentos fulcra-se no interesse público e que não permite sobrecarregar as instituições de beneficência pública, daí também decorra sua imposição legal.
A prestação de alimentos não está sujeita à decadência e nem à prescrição, nem à penhora , compensação ou transação.
A prescrição de cinco anos atinge somente as parcelas vencidas e não pagas mas não as futuras( art. 178 CC/1916.; Lei 5.478/68, art. 23).
Aponta Orlando Gomes que a impenhorabilidade resulta da própria finalidade do instituto que é a supressão do estado de miserabilidade do alimentando.
O fundamento basilar da obrigação de alimentos é o vínculo da solidariedade familiar (Ruggiero, De Page, Planiol et Ripert e Irmãos Mazeaud) ou de sangue (Quartarone), onde ainda, a lei natural.
Antigamente equiparava-se a recusa de prestar alimentos ao homicídio. Modernamente não, apesar das severas imposições de medidas coercitivas como por exemplo a prisão civil.
A prisão civil pela inadimplência dos alimentos é permitida constitucionalmente ex vi o
art. 5o., LXVII, somente pode ser decretada nos acasos referentes ao direito de família (art. 1.566, II e art. 1.694 e seguintes do CPC).
Sendo inadmissível a prisão civil no caso de alimentos indenizatórios (ex delicto) e dos voluntários (obrigacionais ou testamentários).
A linha histórica evolutiva do instituto dos alimentos é caracterizada por sua crescente ampliação e no Direito Romano, Ulpiano já mencionava que os ascendentes os deviam prestar aos descendentes e vice versa quer do lado paterno, quer do lado materno.
As Ordenações fiéis à origem romana ainda previu ampliação através do Assento de 9 de abril de 1772. O Projeto Beviláqua mantém a linha ampliativa, ex vi os arts. 396 e seguintes do CC/1916.
Portanto, os alimentos são devidos reciprocamente, recai nos mais próximos graus de parentesco passando para os mais remotos, na falta de uns dos outros (art. 397 CC / 1916).
Não se aplica a regra que os mais próximos excluem os mais remotos, pois existindo os mais próximos podem também os mais distantes serem compelidos a suprir os alimentos em função das condições financeiras dos alimentantes mais chegados.
Cumpre discernir a obrigação alimentar stricto sensu dos deveres de assistência imperante na família, inclusive, entre os cônjuges ou dos pais em função dos filhos menores em decorrência direta do pátrio poder. Ontologicamente são distintos apesar de entre eles haver clara interferência.
O dever de assistência à mulher converte-se em obrigação alimentar, quando da separação judicial dos cônjuges.; o dever de assistência ao filho converte-se em obrigação alimentar, se atingindo a maioridade vem dos alimentos necessitar.
Há certos requisitos que se erigem em pressupostos materiais para a concessão do direito aos alimentos. E o primeiros é a necessidade, quando quem os pretende não tem bens , nem pode prover pelo trabalho sua própria mantença.
Não importa a origem da incapacidade se devida à menoridade, ao fortuito, ao desperdício, aos maus negócios ou à prodigalidade. Basta que tal necessidade seja involuntária e inequívoca. Sua origem, pode ser social (desemprego), física (enfermidade, velhice ou invalidez) ou seja, moral ou qualquer outra que o coloque impossibilitado de prover à própria subsistência.
O segundo pressuposto é a possibilidade do alimentante que pode ser ajudado por outro parente perante suplementação. O terceiro requisito é a proporcionalidade que deve existir entre as condições pessoais e sociais do alimentante e do alimentado. Não é cabível exigi-los além do que o alimentando precisa.
O quarto requisito é a reciprocidade que é condicional e variável, é proclamada pelo art. 229 da CF/1988.
Numa disposição obscura e pouco afortunada a Lei de Divórcio 6.515/77 estabeleceu em seu art. 23 que a obrigação alimentar pode transmiti-se aos herdeiros do devedor, o que constitui uma exceção ao caráter personalíssimo dos alimentos.
Com o desaparecimento do “chefe” da sociedade conjugal com a CF/1988, se, porém, o marido não tiver os meios necessários há de concorrer com seus recursos para manutenção do lar a mulher, e, até pode vir a concorrer para manter o marido se necessitado.
A Lei 6.515/77 estende o dever alimentar aos filhos maiores quando inválidos (art. 16) o que consiste numa medida sadia e justa.
A mulher inocente e pobre receberá pensão do marido mas razões de seus vencimentos e de suas necessidades. Enquanto que a mulher culpada e condenado pela existência do débito conjugal não fará jus à pensão alimentícia, ainda que necessitada.
Não cogita o Código Civil da hipótese da mulher reclamar pensão alimentícia quando estiver separada de fato do marido e poderá faze-lo, inerentemente a legislação da separação judicial.
Os alimentos provisionais como medida preventiva (art.852 e seguintes do CPC) pressupõe a ação em trâmite no juízo. É óbvio que cessa o dever alimentar restando provado que a mulher separada quer de fato ou judicialmente, vive com outro homem. Pois carece de fundamento ético para que se imponha a subsistência sustentada pelo ex-marido.
Cessará também a obrigação alimentar se restar cabalmente provada o desaparecimento da necessidade seja pela superveniência de bens, quer pelo exercício de profissão lucrativa.
O direito canônico inspirado nos cânones de justiça e caridade dos Evangelhos, concedeu de todos os filhos naturais, mesmos os espúrios a faculdade de pleitear alimentos dos pais.
Antes porém, o Direito Romano já admitia o pensionamento de alimentos ao filho natural que podia ser mantido por sua mãe, e vice-versa. Tal obrigação se transmitia ao avô.
Já o direito justinianeu foi bem mais longe prevendo que os filhos legítimos a obrigação de alimentar, os filhos naturais deixados por seu pai (Novela 89, Título I, Cap. 12, §6o.,).
O antigo direito brasileiro expõe Álvaro Valasco que o filho natural, mesmo o espúrio, era criado de leite pela mãe até os três anos. As demais despesas corriam por conta do pai..
Após três anos, ao pai competia cria-lo e mantê-lo, salvo se o filho tivesse bens (Ordenações, Livro I, Título. 88, § 11o., e Livro IV, Título 90).
No caso de não poderem pai nem mãe dar-lhe alimentos, o filho natural os demandaria aos avós, preferencialmente aos maternos.
A obrigação alimentar decorrente da lei, é fundada no parentesco (Art. 1.694 NCC) circunscrita aos ascendentes, descendentes, colaterais até o segundo grau com reciprocidade.
A transmissibilidade dos alimentos é uma inovação do Código Civil de 2001 em seu art. 1.700 do NCC. Transmite-se de acordo com as forças da herança (art. 1.792 NCC) e não apenas as prestações vencidas e não pagas.
É divisível porém, não solidária a obrigação alimentar até porque solidariedade não se presume.
O novo codex civil preceitua que “ sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todos devem concorrer na proporção dos seus respectivos recursos, e, intentada a ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide ( ex vi art. 1.698, 2a. parte do NCC). A integração far-se-á pelo chamamento ao processo.
Prescreve em dois anos o direito de cobrar as pensões já fixadas em sentença ou estabelecidas em acordo e não pagas a partir da data em que vencerem (art. 206, § 2o., do NCC). A prescrição da pretensão alimentícia ocorre mensalmente. Não pode ser objeto de juízo arbitral ou de compromisso.
È irrepetível, ou seja, irrestituível quer sejam provisórios, definitivos ou ad litem. Quanto a ser irrenunciável preceitua o art. 1.707 do NCC que o credor não pode renunciar o direito a alimentos, sendo este, insuscetível de cessão, compensação ou penhora.
A pretensão aos alimentos somente viável ser atendidos os pressupostos legais (art. 1.702 NCC), a ação de alimentos para o cônjuge terá o rito ordinário que proporciona ampla produção probatória e não, pelo rito especial, previsto pelo diploma legal a lei 5.478/68.
O novo codex civil faz incidir a proibição de renunciar do direito a alimentos não só aos parentes, mas também aos cônjuges e companheiros, por ocasião da dissolução da sociedade conjugal ou da união estável contrariando a tendência jurisprudencial predominante.
O nascituro não pode ser titular atual da pretensão alimentícia. A jurisprudência tem adotado o entendimento de que é cabível a aplicação jus superviens, representado pelo nascimento do alimentando após o ajuizamento da ação. È questão controvertida em doutrina.
Corroborando com a jurisprudência temos Yussef Said Cahali, sustentando que somente se reconhece ao nascituro “ direito a alimentos, no sentido das coisas necessárias à sua manutenção e sobrevivência, de modo (indireto) , compondo os valores respectivos a pensão deferida à esposa” .
Vários autores aceitam a propositura de ação de alimentos pelo nascituro, como Pontes de Miranda, Oliveira e Cruz, Moura Bittencourt e Silmara Chinelato e Almeida.
As pessoas obrigadas a prestar alimentos está previsto no rol do art. 1.696 NCC que é taxativo (numerus clausus) e não inclui os parentes por afinidade (sogros, cunhados, padrastos e enteados).
Decisões já consagravam a possibilidade de irmãs maiores, casadas e independentes financeiramente podem ser responsabilizadas pela pensão de irmãos menores sob as penas da lei.
As classes de parentes que são obrigadas a prestar alimentos são dispostos em ordem preferencial.
Para garantir o pensionamento o credor dispõe dos seguintes meios: a) ação de alimentos regida pela Lei 5.478/68.; execução por quantia certa, art. 732 do CPC.; penhora em vencimento de magistrados , professores e funcionários públicos.; soldos de militares e salários em geral e inclusive subsídios de parlamentares (art. 649, IV do CPC).; o desconto em folha de pagamento da pessoa obrigada (art. 734 do CPC).; reserva de alugueres de prédios do alimentante (art. 17 da Lei 5.478/68.; constituição de garantia real ou fidejussória e de usufruto (Lei 6.515/77, art. 21) e, por fim, a prisão do devedor (Lei 5.478/68, art. 21 , art. 733 do CPC).
Quanto ao prazo da prisão civil, a jurisprudência distingue quando se trata de alimentos definitivos ou provisórios, e a duração máxima de 60 dias (previstos na Lei de Alimentos, art. 19).; em caso de inadimplência de alimentos provisionais, o prazo máximo é de três meses, estipulados no art. 733 § 1o., do CPC.
Tem prevalecido o critério unitário de 60 dias, aplicando-se unanimente a todos os casos, pois a Lei de Alimentos é legislação especial, além de conter regra mais benéfica ao paciente.
Ineficaz o decreto de prisão que for omisso quanto ao respectivo prazo. Apenas a inadimplência das pensões alimentícias acarreta ao devedor-alimentante a prisão e não a falta de pagamento do ônus sucumbenciais (custas, perícias, honorários advocatícios) não podem ser incluídas no mandado citatório (art. 733 do CPC).
O cumprimento da prisão civil não exime o devedor de fornecer os alimentos e a sanção não será levantadas antes do termo sem o pagamento. A lei 5.478/68 deu nova redação ao art. 244 do CC/ 1916 com pena de detenção de 1 a 4 anos.
Em outros sistemas jurídicos, o descumprimento do dever alimentar é reprimido penalmente com tipificação penal como abandono da família.
A decisão interlocutória deferindo a prisão civil do devedor pode ser atacada por agravo de instrumento que por força da Lei 9.139/95 adquire força suspensiva até o julgamento do recurso pela Turma. Antes, na ausência do efeito suspensivo do agravo instrumental impetrava-se o mandado de segurança para obtenção de tal efeito.
Têm os tribunais compelido ao alimentante suprir as necessidades atuais do alimentário representadas pelas três últimas pensões vencidas e não pagas, quanto as demais prestações devem ser cobradas em procedimento próprio.
Se tornaram vencidas e antigas as prestações alimentícias devido a má fé e desídia do alimentando, não se aplica o critério anterior.
O MP atua nas ações de alimentos como fiscal da lei, em defesa dos interesses do menor (art. 82, I e II do CPC) não pode pedir a prisão do alimentante-obrigado.
Poderá faze-lo, entretanto, quando da promotoria da infância e da juventude, colocando-se como substituto processual com legitimação extraordinária (ECA art. 98, II e art. 201, III).
Não sobrevivem, na atualidade as causas extintivas vigentes no direito anterior ingratidão do alimentário, abandono da casa paterna, falta de respeito aos pais, casamento contra a vontade dos pais e, etc..
Quid iuris, no entanto, se alimentando tentar contra a vida alimentante ou ofender a sua integridade moral ? Não é razoável que o devedor de alimentos continue a supri-los depois de haver o alimentário tentado contra sua vida, ou incorrido nos crimes contra a honra.
Salutar é a solução do direito italiano consagrada em seu Código Penal art. 541 fazendo decair os alimentos de quem comete algum dos delitos contra a moralidades e os bons costumes em relação ao alimentante. De qualquer forma, é curial haver a condenação irrecorrível no juízo criminal.
De qualquer maneira parte da doutrina brasileira torce o nariz para a transmissibilidade colocada pelo novo codex civil brasileiro bem como pela quase irrestrita ampliação do rol de possíveis alimentantes.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 06/03/2009