Carta a um Deus
Deus meu. Deus de todos. E todos sem deus. Quero escrever-lhe essa carta na esperança que essas palavras lhe comovam, e lhe contem da dor que paira sobre a humanidade. Da dor sobre os desencontros. Será que há deus mesmo em meio ao abismo? E, na loucura, meu Deus, será que estás ali?
Na insanidade dos não-amados. Dos deserdados. Dos esquecidos pela sociedade, e que na margem dela apenas sub-existem, sob as sombras, sob véus da miséria. Perante os olhares indiferentes dos transeuntes.
Deus meu. Quero escrever-lhe para pedir não por mim, mas por tanta gente que não pude ajudar. Umas vezes por impossibilidade concreta, outras vezes por preguiça ou mera desídia. E, ainda, sobretudo, queria lhe agradecer por tudo que me deu até hoje.
Mas, senti veramente que precisavam de uma mão, de uma palavra que lhe amenizasse a solidão. Será que deus sofre solidão? Ou será que existem vários deuses e uns fazem companhia aos outros... De qualquer maneira, o infinito é linear e longilíneo... E, ao fundo pode-se ouvir os cânticos dos anjos. Almas libertas da maldade, da cupidez e da vaidade.
Quero pedir que as portas abram-se mais do que fechem, que o aprendizado pela dor, seja substituído pela paz e motivação. Que a esperança renasça nos homens, nos meninos, nos pequenos animais.
E por uma fraternidade tão reticente nos tempos contemporâneos. Que por vezes, nos faz sentir que habitamos planetas distintos e distantes. Quero pedir que as guerras se acabem, não por que acabou a munição capitalista, mas porque se chegou ao entendimento que só em paz poderemos evoluir e ajudar os que precisam.
Quero pedir que os poderosos, os governantes sejam sábios e humanos suficientemente, para fazer o povo feliz, e não fazê-lo de enganado, tripudiado e alienado. Que a educação seja a hóstia libertadora das potencialidades maravilhosas que estão ocultas em cada discente.
Que a educação seja o gatilho da dignidade.
Quero pedir que eu tenha humildade para cada vez mais possa ensinar e aprender, e ainda , aprender a aprender. E ensinar a ensinar... enfim, assim, numa carreira cíclica e dinâmica se possa difundir o conhecimento, a luz e, toda a magia de crescer, envelhecer e, antes de morrer, ter plantado sementes suficientes, para que se possa aplacar os desertos.
Mas os desertos possuem razão de ser. Até a mais árida caatinga, há uma razão de ser. Está tudo conectado, interligado de maneira lógica e científica..
Meu Deus, essa sua criptografia é difícil de ler. É difícil captar a semântica de seus códigos, das parábolas que oscilam entre metáforas, hipérboles e eufemismo. Que eu possa ter o entendimento para achar lenitivo para as feridas da alma.
Meu Deus. Permita-me que ao final da carta, eu tenho conseguido acender pelo menos mais uma estrela no firmamento, nesse turbilhão enorme de asteróides, estrelas e astros. Mesmo que eu tenha apenas acendido uma pequena vela, que seja, mas que isso signifique para alguém uma luz no final do túnel.
E, se ainda, não logrei êxito nas grandes empreitadas. Se ainda, não consegui atingir tantos quantos poderia. Gostaria de lhe pedir, finalmente perdão, talvez tenha desperdiçado seu tempo com essa criatura... Talvez eu seja as reticências a serem completadas e preenchidas somente no futuro.
E, só então, liberta da carne e da alma. Em sendo etérea, meu Deus, eu consiga alcançar sua grandeza. Eu consiga afinal compreender que estás em todas as coisas, nas abjetas, nas jogadas nas sarjetas, nos hospícios, e nos lugares inimaginados, inóspitos e até no vácuo...
Estás dormitando em tudo, na essência de beijoim a queimar e levar seu aroma longe para o âmago dos templos.
E, não mais duvidando de ti, e nem tua onipresença. Eu tenha em minha consciência a tranqüilidade de que de alguma forma estás ainda zelando por minha alma e por minha salvação. Amém.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 25/12/2008
Alterado em 16/08/2019