Processo e Direito Processual
1. Noções Gerais
Tendo o Direito a vocação disciplinadora da vida social e ainda para manter o império da ordem jurídica e assegurar a paz social, o Estado divide suas funções soberanas e, entre estas, existe a função administrativa (corresponde a gestão ordinária dos serviços públicos e incumbe ao Poder Executivo); a função legislativa que é o traçar das normas de conduta do direito objetivo e cabe ao Poder Legislativo; e a terceira função que é a jurisdição, com a missão pacificadora do Estado diante das situações litigiosas.
Através da jurisdição, o Estado dá solução às lides ou litígios que são conflitos de interesses caracterizados por pretensões resistidas, tendo como objetivo ou interesse imediato, a aplicação da lei ao caso concreto, e, com a missão mediata de restabelecer a paz entre particulares e, ipso facto, pacificar e manter a sociedade.
Para o Estado cumprir esta função, ele utiliza-se de um método que recebe a denominação civil, penal, trabalhista, administrativo conforme o ramo do direito material perante o qual surgiu o conflito de interesses.
As normas jurídicas dedicadas à composição dos litígios compõem o direito processual também denominado de formal, adjetivo, instrumental, pois servem de meio de atuação da vontade concreta das leis de direito.
O direito processual é uno, pois é igualmente una a função jurisdicional pois qualquer que seja o direito material debatido sendo comuns todos os princípios fundamentais da jurisdição do processo.
Direito Processual Civil pode ser definido como o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição civil.
A autonomia do direito processual civil em face do direito substancial ou material justifica-se por sua total diversidade de natureza e de objetivos.
O direito processual cuida de regulamentar uma função.
Pública estatal (jurisdição) todos ligados aos princípios públicos.
O direito processual civil é o principal instrumento do Estado para exercício do Poder Jurisdicional.
O direito processual civil é parte do grupo das disciplinas que formam o Direito Público pois regula o exercício de parte de uma das funções soberanas do Estado (a jurisdição). Mesmo diante de um conflito de interesses privado existe no processo um interesse público que corresponde à pacificação social e a manutenção da ordem jurídica através da realização da vontade concreta da lei.
A intercomunicação entre os diversos ramos do Direito com o direito constitucional pois é na Constituição onde estão localizados os atributos e os limites dessa função (jurisdição), prevê o tratamento igualitário das partes do processo ; assegura a todos o direito de submeter toda e qualquer lesão de direitos à apreciação do Poder Judiciário; que proíbe a prisão por dívidas, as que garantem o devido processo legal e ainda o contraditório.
Também há relações com o direito administrativo pois não raras vezes os órgãos judiciários são chamados a praticar atos de natureza administrativa (e, ambos os ramos são ligados ao direito público).Podem os auxiliares do juiz exerceram no processo, função pública, como a de depositário, administrador.Íntimas relações com os demais ramos do processo (tais como processo penal, o trabalhista, o administrativo) que são variações de um ramo maior que é o direito processual.
Modernamente se registra a tendência entre os doutrinadores em estudar teoria geral do processo englobando os princípios que são comuns a todos os seus diversos ramos.
Também o direito penal se comunica com o processual, pois existem várias ilicitudes praticadas no curso do processo e se configuram como delitos tais como falso testemunho, a falsa perícia, a apropriação indébita do depositário judicial, havendo mesmo todo um capítulo destinado à repressão aos crimes contra a administração da justiça.
Guarda ainda relações com os ramos do direito privado pois o direito comercial e o direito civil são que fornecem as regras materiais que o juiz deve aplicar na composição da maioria dos litígios que lhe são submetidos a julgamento. E outras vezes existem os chamados terrenos fronteiriços como, por exemplo, as que dizem respeito às provas e solenidades necessárias à validade dos atos jurídicos, as pertinentes à falência e à insolvência civil.
E também nas causas onde é o direito privado que determina a incidência do direito processual civil.
Objetivo do Direito Processual
Segundo antiga corrente civilista o direito processual seria um mero apêndice do direito material e seu fim seria a tutela dos direitos individuais ou subjetivos ameaçados ou violados.
Porém, a partir da autonomia do direito processual, surgiu a moderna doutrina que focaliza neste ramo do direito, o fim de resguardar a própria ordem jurídica de modo a pacificar os litígios, cumprindo assim função pública de assegurar o império da lei e da paz social.
O objetivo imediato do direito processual também é para as partes o de ser o vínculo de proteção a seus direitos individuais.
Para o Estado não interessa com quem está a razão, e sim definir qual é a vontade concreta da lei, diante da situação litigiosa.
A preocupação atual do direito processual civil volta-se par os resultados concretos atingidos pela prestação jurisdicional. Tanto assim que a doutrina tem aperfeiçoado os remédios e as medidas que possam redundar em melhoria dos serviços forenses.
Idéias como a instrumentalidade e efetividade passaram a ser a tônica do processo contemporâneo. Ao revés de pensar na garantia de um processo justo, pensa-se num processo legal, dando-se prevalência as idéias éticas em lugar da sistemática das formas e solenidades do procedimento.
A grande reforma dos Códigos Processuais visa desburocratizar e acelerar o procedimento e acelerar ainda o resultado final da prestação jurisdicional criando novas ações e remédios acautelados para ampliar o espectro da tutela jurisdicional e finalmente garantir o amplo e irrestrito acesso à justiça.
Desenvolvimento do Direito Processual
O processo é um método de resolução das lides, o processo antigo praticado em Roma ritualístico já atendia aos ideais de justiça da época (que era o de dar a cada um o que é seu), com a queda do Império Romano do ocidente, e com as invasões bárbaras, possuidores de uma cultura primitiva e violenta, ocorreu então um choque conceitual entre as características processuais romanas e o germânico que se traduzia em um processo rudimentar de fundo místico-religioso. Os esforços da Igreja foram até forçando a convivência dos dois processos e contribuíram para a manutenção das instituições romanas.
Com a criação das Universidades, a primeira das quais a de Bolonha no século XI surgiu à escola dos glosadores e, mais tarde, a dos pós-glosadores que se preocuparam com o estudo do direito romano, e surgiu então o processo comum medieval, de fundo romano-canônico.
Bem, para traçarmos as principais diferenças, observaremos a finalidade do processo, a função do juiz, seus atos, função da prova, a coisa julgada e da forma do processo.
O processo romano era a atuação da vontade da lei em ralação a um determinado bem da vida (res in iudicium deducta). Entendida a vontade legal como preceito comum, imperativa e até superior ao magistrado. Na verdade o magistrado estava entre o povo e a lê; o magistrado era a vox legis, ou seja, a voz da lei. A finalidade do processo é então atuação legal.
Já no processo germânico, era meio de pacificação social, pela pacificação dos litigantes. Entendendo-se a natureza tênue da importância do Estado e da lei para este povo. A solução dos conflitos não dependem do convencimento do juiz, as sim do resultado de certas experiências. A finalidade do processo germânico era obter a conciliação dos litigantes através inclusive da reparação do dano
Quanto ao processo comum medieval este é considerado principalmente como campo da atividade privada.
Não sendo tão relevante a questão quanto à competência do juiz, era um processo com a finalidade era resolver controvérsias.
Quanto à função do juiz, no processo romano, o magistrado exerce uma função pública de dizer a lei (iurisdictio). Sendo um poder público oriundo da soberania e indelegável, a não ser em casos expressamente indicados nas fontes, como quando o pretor (o magistrado romano).
No processo germânico os negócios judiciais eram tratados em assembléias chamadas Ding. A função do juiz cinge-se a declara o que há a provar e por qual meio. Limita-se a assistir a experiência probatória e certificar-se do resultado.
No processo comum medieval, a função do magistrado era tomar conhecimento das questões, e reduz a tarefa do juiz a uma verificação praticamente aritmética do concurso do número de elementos necessários para formar, no caso concreto, o que se chamava de verdade legal. Não havia avaliação racional da prova.
Os atos do juiz no processo romano eram as interlocutiones e sententiae.
Sentença era ao to que, acolhendo ou rejeitando a demanda, punha fim a contestabilidade de um bem da vida.
A coisa julgada no processo romano era uma exigência de certeza e segurança no gozo dos bens da vida. No processo germânico, a coisa julgada não existia. No processo comum medieval a coisa julgada é uma presunção de verdade, vulgarizando-se a máxima que ä coisa julgada faz do preto branco; do quadrado, redondo; do falso, verdadeiro. ”Qualquer sentença era recorrível e passava em julgado, inclusive as interlocutórias”.
A forma do processo romano era oral, a imediação do juiz era necessária para formar os elementos de convicção. Daí o juiz deve ser o mesmo do princípio ao fim da causa (identidade do juiz), a atividades processuais concentram-se num período, desenvolvendo-se ininterruptas, e todos os atos processuais se efetivam com a colaboração das partes (publicidade). O processo germ6anico era oral por outros motivos, pois a maioria era analfabeta.
Sententiae era uma provisão do juiz que resolvia sobre o pedido, acolhendo-o ou rejeitando-o, definindo a lide com a atuação da vontade da lei.
Somente considerava-se sentença a definitiva, ou seja, aquela capaz de resolver o mérito da questão. As medidas tomadas pelo juiz no desenvolver do processo, (eram chamadas de interlocutiones) que ordenava a citação, declarava-se inadmissível a apelação, dispunha-se sobre provas.
No processo germânico, não havia tal distinção. Havia uma decisão sobre as provas que recebia o nome de sentença. Na realidade era a decisão que provia sobre a prova, constituindo uma verdadeira decisão potencial da causa.
O processo comum medieval e se influenciou pelo germânico, e, encarou a sentença como uma definição do juiz que põe fim à lide. Decidindo sobre questões principais; sentenças interlocutórias, as que decidem as questões incidentes. As sentenças interlocutórias são as que decidem as questões incidentes. As sentenças interlocutórias substituem as interlocutiones. São apeláveis e passam também em julgado.
A função da prova no processo romano era propiciar ao juiz o conhecimento sobre os fatos alegados e formar seu livre convencimento que então profere a decisão pela livre observação e estimativa dos fatos. A prova dirige-se ao juiz e representa um encargo um ônus processual a quem alega, em geral inicialmente ao autor.
No processo comum medieval ao revés do romano, era inteiramente escrito, regulado por princípios opostos aos da imediação, concentração, identidade do juiz e publicidade. O procedimento se desenvolvia em várias fases, e juízes diferentes podiam funcionar e intervir numa lide. O processo era excessivamente lento e demorado. As partes não compareciam, mas depositavam em juízo seus escritos. Os depoimentos eram colhidos por escrito numa ata.
A história do direito processual pode ser delineada a partir de Roma, Bolonha, do direito comum e a recepção, da Revolução Francesa e a codificação napoleônica, com grande colaboração de Oskar von Büllow e Klein.
Tem começo o chamado processualismo científico com a obra de Büllow chamada Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais.
Não se trata mais de conhecer o processo segundo a praxe (praxismo) nem de abordá-lo, tendo em vista o modo como a lei o regula (procedimentalismo), mas de tornar como ponto de partida o estudo do próprio processo.
Concebe o doutrinador o processo como uma relação jurídica, e demonstra que tal relação traça direitos e obrigações entre as partes e o juiz, ou seja, uma relação jurídica processual, onde destacou a noção de processo sendo uma relação jurídica pública, pois vincula do Estado.
Além de reconhecer a independência do direito processual face ao direito material, iniciada pelos judicialistas de Bolonha e acentuada com a codificação napoleônica, deixa o processo de servo da lei.
Traça os conceitos primordiais do direito processual sobre ação, a jurisdição, o processo, a atuação das partes.
A interpretação procedimental e religiosa é substituída pelo sistema.
Também Adolph Wach publica em Leipzig sua obra Manual de Direito Processual Civil Alemão que entre outros méritos pôs em destaque autonomia do direito de ação.
Salienta o doutrinador: “A pretensão de tutela jurídica, ou seja, o direito de ação não é função do direito subjetivo, pois não está condicionada por este. O interesse e a pretensão de tutela jurídica não existem unicamente onde existe direito”.
Wach convocava a doutrina para uma reflexão sobre a natureza jurídica da ação concebendo-a como direito autônomo e também de natureza pública.
A trilogia estrutural do direito processual é composta pela jurisdição, ação e processo.
O direito processual adquiriu recentemente o status de ciência autônoma e então foi possível identificar o que constituem o objeto desse ramo.
A jurisdição (ius dicere) dicção do direito sempre foi considerada uma função estatal. Era exercido pelo próprio rei, imperador, por seus delegados, ministros ou funcionários, como sucedeu em Roma, ou pelo povo como acontecia entre os germânicos nas suas assembléias Ding, fato que tais pessoas personificavam o poder soberano que compreendia a jurisdição.
É inegável o seu caráter público bem como o interesse do estado em declarar e atuar o direito objetivo em relação a uma concreta pretensão.
O direito de ação de primórdios privatistas foi se integrando como elemento do próprio direito subjetivo material que reage e defende-se contra ameaça de seu direito ou contra sua violação.
A ação é um direito autônomo e distinto do direito subjetivo material que visa tutelar e, além disso, de natureza pública, por ser um direito contra o Estado, devedor da prestação jurisdicional.
Sobre ser o direito de ação ser direito público ou direito contra o estado reina divergência na doutrina, porém, quanto a ser um direito autônomo, já não existe mais dúvida.
A autonomia do processo concebe-se como relação jurídica de natureza pública distinta da relação privado, porque num dos pólos está o Estado como poder soberano, em posição privilegiada e superior aos sujeitos do conflito que submetem à apreciação do juiz.
Antes desta conquista, o processo era explicado à luz de concepções privatistas, ora como sendo contrato (judicial), quase-contrato (judicial) logo a concepção do processo como instrumento estatal opera sua transferência do ramo privado para o direito público.
Estes três conceitos estão intimamente interligados a jurisdição, a ação e o processo, sem jurisdição, não haveria que se falar em direito de ação, pois não existiria um juiz a quem se dirigir; e muito menos cogitar-se-ia em processo, que é o instrumento formal da jurisdição e sem o direito de cão a jurisdição não passaria de função inerte e não seria necessário o processo.
Sem o processo, não haveria atividade jurisdicional, porque o processo é instrumento da jurisdição e não haveria lugar para o direito de ação.
Este íntimo relacionamento foi notado por Ramiro Podetti a que chamou de trilogia estrutural da Ciência do Processo Civil.
Notas características da função jurisdicional
• atuação supra partes;
• age sobre provocação dos interessados;
• substituindo, no processo cognitivo a inteligência das partes, e no processo de execução, à vontade delas;
• sua decisão tem efeito de coisa julgada operando declaração sobre a existência de direitos e realizando-os se necessário.
Os equivalentes jurisdicionais são os meios mediante os quais se pode atingir a composição da lide, por obra dos próprios litigantes (contendores) ou de um particular desprovido de poder jurisdicional, porém eleito pelas partes.
Não haverá procedimento ex officio, mesmo na ação penal, pois o MP (Ministério Público) possui com exclusividade a titularidade de promovê-la através da denúncia tendo a autoria e materialidade do delito como pressupostos.
Princípios fundamentais da jurisdição:
De investidura;
De aderência ao território STF e TSR federais;
TA e TJ Estaduais e Tribunais Regionais (T Reg.) Estaduais;
Da improrrogabilidade da jurisdição;
Da indelegabilidade;
Da indeclinabilidade;
Do juiz natural;
Da inércia.
Exercer a jurisdição é dizer o direito no caso concreto. A sentença que é o mais expressivo produto da atividade jurisdicional, dirige-se as partes conflitantes. Enquanto a legislação reveste-se de generalização, a jurisdição reveste-se de particularização.
Legislar é dizer o direito na lei; exercer a jurisdição é atuar a lei. A jurisdição pressupõe então a legislação. É verdade que com o advento do mandado de injunção ou ação injuncional tendo por objeto a definição de norma jurídica reguladora, cuja falta torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Nessas hipóteses, o julgador se antecipa ao legislador e supre a inércia deste, definindo ou criando a regra aplicável ao caso concreto a todos os casos da mesma espécie (casos concretos similares), até que seja editada a norma reguladora disciplinadora da ex nova matéria. O acórdão constituirá então num verdadeiro e autentico paradigma ou precedente (como ocorria com os antigos prejulgados)
A exceção persistirá em alguns casos, por exemplo, no âmbito trabalhista onde o juiz poderá ex officio determinar a execução de sentença (favorável ao reclamante) e no processo civil a respeito do pedido de concordata que se converter em falência.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 14/10/2008