"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos

Reflexões filosóficas sobre a linguagem
Percebe-se que já na Antiguidade, no pensamento socrático, a linguagem se tornara objeto de estudo e interesse para os sofistas. Podemos ainda destacar duas relevantes teses: a primeira, defendida por Górgias , sobre a impossibilidade do discurso verdadeiro, e a segunda, que é a tese convencionalista de Demócrito, sobre a significação das palavras.

Os sofistas  eram os mestres da retórica ou de cultura geral e, tivera, na Grécia notável influência no clima intelectual da época (séculos V e IV a.C.).

É verdade que a sofística não era uma escola filosófica, mas uma orientação genérica, que os sofistas acataram, em geral, pelas próprias exigências de sua profissão.

Insurgiu contra a sofística Platão que defendeu que existe uma reflexão sobre a linguagem. Entre os diálogos platônicos que tratam sobre a linguagem, destaca-se o Crátilo  (388 a.C.), onde após indagar sobre como uma expressão adquire sua significação, respondeu Platão por meio da adoção da teoria naturalista da linguagem, segundo a qual as palavras apresentam a essência das coisas.

Crátilo é oficialmente o texto fundador da discussão filosófica sobre a linguagem. Fora escrito originalmente no século V a.C. e apresenta três personagens: 1) Crátilo, filósofo que tem uma compreensão naturalista da linguagem; 2) Hermógenes, que tem uma visão convencionalista em relação à linguagem; e, por derradeiro Sócrates, melhor dizendo, o Sócrates platônico.

Nesse diálogo, no Crátilo, Platão então abordou um assunto novo, ou seja, a linguagem, e neste momento, se concretiza que "Platão que fala pela boca de Sócrates".

Nesse contexto Crátilo e Hermógenes representam, pois dois polos extremos e, por conseguinte, em conflito. Crátilo que segundo a tradição filosófica de Heráclito (de quem era discípulo) defendeu a tese de que os nomes ou são verdadeiros, ou não são nomes de qualquer espécie. Para o filósofo, ou uma palavra é a expressão perfeita de uma coisa, ou é apenas mero som articulado.

Por outro lado, Hermógenes defendeu que o ato de nomear, de dar nome aos objetos, é convencional. Para ele os nomes podem ser dados arbitrariamente de acordo com os interesses e valores socioculturais envolvidos.

Já Sócrates emerge como a alternativa a estes dois polos antagônicos. Segundo ele, o objetivo da especulação sobre a linguagem não é demonstrar se a mesma é natural (posição defendida por Crátilo) ou convencional (posição defendida de Hermógenes), mas que tenha uma dimensão natural, no sentido de que existem categorias universais e metafísicas a serem observadas, e, ao mesmo tempo, convencional, visto que a mesma está ligada à diversidade das atividades socioculturais do ser humano.

Nesse sentido, uma palavra é justa ou certa, na medida em que apresenta a coisa, respeitando os limites impostas pela essência do objeto. O pensamento é concebido como espécie de visão intelectual: a contemplação do ser verdadeiro.


Assim, a ordem objetiva, uma vez captada, serve de medida, de norma de retidão para a linguagem, estabelecendo-se, então, um isomorfismo entre a estrutura gramatical e a estrutura ontológica, ou seja, a construção de uma língua não é puramente arbitrária (rejeição da teoria convencionalista).

Afirmou então Platão  haver uma correspondência entre a linguagem e o ser, pois os nomes separam e distinguem essências.

Quanto é exato, o nome apreende todas as coisas, entre as diversas que possuem a mesma essência, sendo, por isso, um instrumento de ensino (diadascallion ).

Desse modo, a adequação dos nomes às coisas se mede pela sua capacidade de correspondência à estrutura ontológica dos objetos. Daí por que quem julga a exatidão dos nomes é precisamente aquele que é capaz de conhecer as essências, ou seja, o filósofo.

A principal tese platônica afirmou é que o real é conhecido verdadeiramente em si sem a utilização de palavras, isto é, sem a mediação linguística (é a contemplação de ideias de Platão).

A linguagem não é constitutiva da experiência do real, mas é apenas um instrumento com a função designativa, utilizado posteriormente para expressar o objeto do pensamento.•.
Desta forma, é possível se conceber um sistema ideal de sinais, que, melhor realizando sua função designativa, permite ao homem dominar o mundo objetivo .


Há a separação radical entre a palavra e o ser o que constitui o fundamento da teoria instrumentalista da linguagem até os nossos dias. Tal questão permaneceu no pensamento de Aristóteles que desenvolveu a teoria do significado, na qual ao estudar o discurso em geral, deu especial atenção às proporções, observando que no discurso, se faz abstração da existência da coisa significada, a significação não contém em si referência à existência.


Já na proposição, há uma referência à existência da coisa , uma vez que é um julgamento a respeito da existência do que é significado.


A proposição é, desse modo, o lugar da verdade ou da falsidade, já que pode corresponder ou não às coisas. Não é enquanto significante, mas enquanto a verdadeira que a linguagem humana se assemelha ao real (discurso judicativo).


Entende Aristóteles a linguagem como símbolo do real, o símbolo não substitui o objeto, sendo uma intervenção do espírito (convenção), em um determinado sentido. Assim, a linguagem não manifestaria o real, mas o significaria.


Surge aí, um busilis, pois, se as palavras são significativas por convenção, o que garante que as mesmas conservem uma unidade de significação? Portanto, para a comunicação ser possível é necessário pressupor um fundamento objetivo, que é a própria essência.


O que garante, por exemplo, que a palavra “aula ” tenha uma significação una é o mesmo que faz com que a “aula” seja sempre aula, ou seja, a ousia (essência).


Percebemos que assim a permanência da essência é pressuposta como fundamento da unidade de sentido: é porque as coisas possuem essência que as palavras têm sentido.

Analisando a linguagem chegamos até a ontologia, pois há correspondência entre a exigência linguística de unidade e o princípio ontológico de unidade. Então, a essência aparece como condição de possibilidade da comunicação.

A Idade Média representou um período homogêneo em relação à Antiguidade, salientando-se, porém, que essas questões passaram a ser pensadas no interior da Revelação cristã.

Tal contexto fora modificado pelo nominalismo , representado pelo pensamento de Guilherme de Okham  que significou uma ruptura com o movimento anterior, ao defender entre outras teses, a ausência de substancialidade dos universais, afirmando que estes são desprovidos de realidade ontológica, na medida em que existem apenas no intelecto humano, como signos, designando um conjunto de semelhanças abstraídas de coisas individuais.

Mesmo assim prosseguiu a tradição filosófica ocidental que perdurou por toda modernidade, a ideia de que a consciência pode atingir a certeza plena (questão fundamental da teoria do conhecimento), independente da mediação filosófica.

Segundo Habermas o progresso gerado pela filosofia de G. Frege  significou o primeiro passo para o chamado linguistic turn. O que foi capaz de oferecer relevante distinção entre o pensamento (Gedanke) e representação (Vorstellung), mas não foi suficiente para romper essa tradição, que continuou predominando no pensamento filosófico do século XX.


Nessa direção, encontra-se, por exemplo, o neopositivismo lógico do Círculo de Viena , como se percebe em Moritz Schlick e Rudolf Carnap. Warat observa que há uma ideia medular no Círculo de Viena, que é referente às condições semânticas de verificações como critérios de significação (uma ideia é sempre representação de certos efeitos sensíveis). Acontece que essas concepções semiológicas encontram-se comprometidas com uma filosofia da ciência, que devota um culto obstinado e cego a certas concepções míticas de verdade.

Assim, todo enunciado, que não possa ser relacionado como critério de verdade, carece de sentido, o que marginaliza as outras funções da linguagem.

Os neopositivistas assumem o rigor discursivo como paradigma da investigação científica, aparecendo a linguagem como instância fundamental, na medida em que serve para só para o intercâmbio de conhecimentos, como também como forma de controle destes, que podem ser obscurecidos por certas perplexidades de natureza estritamente linguística.

Para estes, onde não há rigor linguístico é traduzir em uma linguagem rigorosa os dados do mundo. Segundo essa concepção, o signo que é composto por dois elementos: o indicador (significado) e o indicado (referência), é estudado sob três pontos de vista, a partir das relações que podem manter.

O primeiro ponto de vista é o da sintaxe, que é a relação de um signo com os outros signos; o segundo é o da semântica, relação do signo com os objetos designados, e o terceiro é o da pragmática que é a relação entre os usuários.

O Positivismo, seguindo a tradição conforme já demonstrado, privilegiou os dois primeiros aspectos, isto é, o da sintaxe, onde se estuda as relações dos signos entre sim, prescindindo dos usuários e das designações (v.g., estuda as regras de formação e da derivação de toda linguagem), e da semântica, cujo problema central é o problema da verdade, em detrimento do aspecto pragmático.

Uma expressão linguística, bem formulada sintaticamente, é semanticamente verdadeira, se puder ser empregada para subministrar uma informação verificável sobre o mundo, ou seja, se tiver correspondência com os fatos.

Exemplificando, “o livro é vermelho” ou “a bola é amarela” são enunciados aos quais se podem aplicar o predicado verdadeiro, já que expressam um fato que efetivamente pode ocorrer.

Porém, outros enunciados como “os duendes são verdes e se apaixonam em abril” são semanticamente sem sentido porque se referem aos fatos que não podem ocorrer.

A verdade opera como critério ou condição de sentido, pois um enunciado não será semanticamente significativo se não for empiricamente verificável.

Por isso, positivismo lógico procura formular as condições semânticas de sentido, o que expressam as condições, nas quais um enunciado pode adquirir o estatuto de uma sentença científica, separando-se, assim, aqueles que não podem ser aceitos como integrantes de uma linguagem científica.

Essa regra de significação exposta estabelece que determinado enunciado somente poderá integrar o discurso da ciência, se ele for de algum modo verificável.

Por isso, são desprovidos de sentido os enunciados que extrapolam as fronteiras do discurso fático, por fronteiras do discurso fático, por não possuírem referência empírica (v.g. os enunciados sobre a justiça).

Alerta Warat que, dentro dessa teoria surge a necessidade de se estabelecer dois níveis de linguagem (linguagem-objeto e metalinguagem) como forma de se evitar o paradoxo, que resulta do objeto de nossa reflexão a própria linguagem.

É célebre o exemplo da antinomia do mentiroso: um cretense afirma: “todo cretense é mentiroso”, onde ou o que le diz é verdade, essa frase tem que ser falsa, pois quem a afirma é um mentiroso, ou o que ele diz é falso e, desse modo, a frase será verdadeira.  De qualquer forma não conseguimos fugir do paradoxo .

Daí a noção de metalingagem desenvolvida por Alfred Taski  segundo a qual a firmação citada não pertenceria ao conjunto objeto. Na linha da metalinguagem teria por objeto o estudo da estrutura da linguagem científica, determinando assim, as regras de precisão e de controle do discurso.

No campo da ciência jurídica Kelsen foi o primeiro a trabalhar com essas categorias, a linguagem-objeto e a metalinguagem, ainda que de forma implícita, ao estabelecer para a ciência do direito, a tarefa de efetuar uma descrição do direito positivo do Estado.

Assim as proposições descritivas assumiram uma metalinguagem que não poderiam ser confundidas com as regras de direito.

Desta forma, a validade da norma está sempre uma preocupação metalinguística, de se definir as propriedades que a mesma necessita para ser considerada válida (estabelecimento de critério que permitam decidir se qualquer enunciado ou proposição pertence ao conjunto formado pela linguagem objeto).

As insuficiências do positivismo lógico conduziram ao estudo da linguagem ordinária, com a preocupação de se dar maior ênfase ao nível pragmático de análise em contraposição ao que era feito pelo positivismo .

Há dois níveis elementares de significação de um termo, a saber: a significação de base e a significação contextual. “É proibido usar tanga” possui um significado padronizado, que nos permite entender que a ordem está relacionada com determinada peça do vestuário; porém o sentido da mensagem e a adoção de um comportamento frente à mesma variação conforme se trate de cartaz colocado na praia de Ipanema ou numa praia de nudismo (ou utilizar uma peça de banho maior ou não usar nada).

Porém ocorre que existem expressões cuja significação de base apresenta cuja significação de base apresenta “anemia significativa”, de modo que seu sentido designativo é sempre contextualmente construído.

São os chamamos estereótipos entre os quais encontramos expressões como abuso de direito ou legítima defesa que, sob aparência de definições empíricas, encobrem juízos de valor.

Tais expressões como abuso de direito não são passíveis de definições abstratas daí o porquê as cargas valorativas possua elemento indispensável para a detecção das justificações e legitimações travestidas de explicações, quando se procura efetuar leituras ideológicas dos discursos jurídicos.

A vagueza é um problema ligado ao aspecto denotativo, ou seja, inexiste uma regra definida quanto à aplicação de um termo que é, por isso, impreciso. Exemplo célebre mencionado pelo Bertrand Russell  sobre o termo “calvo” inexistem regras que estabeleçam as condições necessárias para a utilização denotativa, não sendo possível decidir, na totalidade dos casos, os seus limites precisos.

Já ambiguidade que difere da vagueza, refere-se ao aspecto designativo, ocorrendo quando o termo utilizado possui mais de um subconjunto de propriedades designativas (como os homônimos, por exemplo, da palavra “manga”).

A análise das definições léxicas feitas pela filosofia da linguagem ordinária postula uma técnica definitória chamada de definição de domínio que consiste no exame de diferentes contextos nos quais os termos podem ser empregados.

Às definições lexicográficas, cujo exemplo mais significativo é o dos termos existentes no dicionário opõem-se as definições especulativas, como é o caso do termo democracia que possui sentido denotativo incerto, dependente de critérios axiológicos adotados, o que corresponderia a uma opção entre várias definições lexicográficas.

(continua)....
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 27/05/2014
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